Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O deputado Sérgio Moraes, relator do processo por quebra de decoro contra o deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética da Câmara, é um abusado convicto.
Vai propor a absolvição do ex-corregedor suspeito de ter usado notas fiscais frias para justificar gastos com a verba extra de R$ 15 mil não porque o presuma inocente. Não entra no mérito da questão.
O argumento dele é aquele: se não estava escrito que era proibido gastar a verba com serviços contratados a empresas de propriedade do parlamentar, então era permitido. Ignora de propósito a acusação de apropriação dos recursos, pois o deputado Moreira não conseguiu provar que a despesa alegada foi realmente feita.
Na visão do relator, tudo o que não é proibido é permitido. Matar e roubar inclusive, dado que não há veto explícito a nenhuma das duas ações no regimento interno da Câmara ou nos delitos passíveis de cassação de mandato.
Mas o deputado Sérgio Moraes é também um homem de acurada percepção, sabe onde pisa.
"Estou me lixando para a opinião pública, até porque vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege." É um deboche, só que um deboche sustentado numa realidade inquestionável.
Malfeitores de carteirinha são eleitos e, quando reeleitos, encontram no Parlamento o abrigo da justificativa de que foram absolvidos pelas urnas.
Ele mesmo, réu em dois processos no Supremo Tribunal Federal, está lá na posse legítima de seu mandato. Indicado para relatar um processo por quebra de decoro no Conselho de Ética, lixando-se para a opinião pública, na maior sem cerimônia e sob o silêncio obsequioso de seus pares que não cansam de reclamar de que imprensa peca pela generalização.
Um parêntese: no caso das passagens distribuídas a parentes, amigos e correligionários, viu-se, a imprensa foi conservadora no tocante à farra generalizada.
Mas o eminente relator não disse o que disse referido apenas no ambiente do Congresso.
Sérgio Moraes dá-se ao luxo de se lixar para a opinião pública, para a ética e para os bons costumes porque vive num País onde uma parcela robusta ? para usar o adjetivo predileto do ministro Guido Mantega ? do eleitorado joga o voto no lixo.
Vai às urnas com descaso, sai dali falando mal dos "picaretas" do Congresso e assim passa quatro anos até a próxima eleição quando, de novo, age como se não houvesse relação de causa e efeito entre a qualidade do voto e o perfil do Parlamento.
Por exemplo: na eleição de 2008 a Justiça Eleitoral, a Associação dos Magistrados e entidades afins tentaram levantar a bola dos fichas-sujas para o eleitorado chutar. Tempo perdido, o assunto nem sequer mereceu maior atenção nas campanhas e, por mais que se exibissem listas de candidatos processados, vários se elegeram prefeitos e vereadores.
Ah, queriam que a Justiça os proibisse de concorrer? Pois é, nem sempre o que não é proibido é necessariamente permitido. O TSE seguiu a Constituição. Mas alertou o eleitor de que ele poderia, e deveria, seguir o próprio discernimento.
Na eleição anterior a essa, a de 2006, o Brasil acabara de conviver com o escândalo do mensalão. Tratava-se de um governo cujo partido organizou a maioria parlamentar mediante a distribuição ilegal de recursos entre os partidos aliados no Congresso.
Não só o governo foi reeleito, como diversos mensaleiros voltaram ao Legislativo como se nada houvera ontem nem anteontem. Que não se atribua o fato exclusivamente ao poder do dinheiro para financiamento de gordas campanhas nem à carência educacional ou à despolitização do brasileiro dos grotões.
Todos se lembram ? por inesquecível ? da pesada ofensiva de uma parcela de certo mundo cultural em favor da política das "mãos-sujas". Não foi um nem foram dois os artistas que emprestaram seus nomes à defesa da tese segundo a qual política é a arte de chafurdar na lama. Se o político é alvo da simpatia, ou compartilha da mesma ideologia, não há mal em mandar os escrúpulos às favas.
Qualquer tentativa de pôr em foco a questão da ética era posta no terreno do farisaísmo, desqualificada como ofensiva "udenista" de uma classe média ressentida aliada a uma elite entediada. O esboço de uma reação desenhada no movimento "Cansei" (de tanta desfaçatez) foi ironizado, um capricho de ricos "cansados".
Fosse outra a atitude dos políticos que se dizem desiludidos por confundidos com a escória existente em toda parte, fosse diferente a postura do eleitorado, fosse menos cínica a ação de certas celebridades, fosse menos apática a universidade, o valor da ética talvez não estivesse em queda livre.
Não trocassem seu vigor por um punhado de verbas públicas os movimentos sociais, as entidades estudantis, não deixassem todos tão barato os verdadeiros descalabros pronunciados por autoridades em defesa da imoralidade de resultados, certamente o deputado Sérgio Moraes não se sentiria tão à vontade de se "lixar" para o Brasil.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O deputado Sérgio Moraes, relator do processo por quebra de decoro contra o deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética da Câmara, é um abusado convicto.
Vai propor a absolvição do ex-corregedor suspeito de ter usado notas fiscais frias para justificar gastos com a verba extra de R$ 15 mil não porque o presuma inocente. Não entra no mérito da questão.
O argumento dele é aquele: se não estava escrito que era proibido gastar a verba com serviços contratados a empresas de propriedade do parlamentar, então era permitido. Ignora de propósito a acusação de apropriação dos recursos, pois o deputado Moreira não conseguiu provar que a despesa alegada foi realmente feita.
Na visão do relator, tudo o que não é proibido é permitido. Matar e roubar inclusive, dado que não há veto explícito a nenhuma das duas ações no regimento interno da Câmara ou nos delitos passíveis de cassação de mandato.
Mas o deputado Sérgio Moraes é também um homem de acurada percepção, sabe onde pisa.
"Estou me lixando para a opinião pública, até porque vocês (jornalistas) batem, mas a gente se reelege." É um deboche, só que um deboche sustentado numa realidade inquestionável.
Malfeitores de carteirinha são eleitos e, quando reeleitos, encontram no Parlamento o abrigo da justificativa de que foram absolvidos pelas urnas.
Ele mesmo, réu em dois processos no Supremo Tribunal Federal, está lá na posse legítima de seu mandato. Indicado para relatar um processo por quebra de decoro no Conselho de Ética, lixando-se para a opinião pública, na maior sem cerimônia e sob o silêncio obsequioso de seus pares que não cansam de reclamar de que imprensa peca pela generalização.
Um parêntese: no caso das passagens distribuídas a parentes, amigos e correligionários, viu-se, a imprensa foi conservadora no tocante à farra generalizada.
Mas o eminente relator não disse o que disse referido apenas no ambiente do Congresso.
Sérgio Moraes dá-se ao luxo de se lixar para a opinião pública, para a ética e para os bons costumes porque vive num País onde uma parcela robusta ? para usar o adjetivo predileto do ministro Guido Mantega ? do eleitorado joga o voto no lixo.
Vai às urnas com descaso, sai dali falando mal dos "picaretas" do Congresso e assim passa quatro anos até a próxima eleição quando, de novo, age como se não houvesse relação de causa e efeito entre a qualidade do voto e o perfil do Parlamento.
Por exemplo: na eleição de 2008 a Justiça Eleitoral, a Associação dos Magistrados e entidades afins tentaram levantar a bola dos fichas-sujas para o eleitorado chutar. Tempo perdido, o assunto nem sequer mereceu maior atenção nas campanhas e, por mais que se exibissem listas de candidatos processados, vários se elegeram prefeitos e vereadores.
Ah, queriam que a Justiça os proibisse de concorrer? Pois é, nem sempre o que não é proibido é necessariamente permitido. O TSE seguiu a Constituição. Mas alertou o eleitor de que ele poderia, e deveria, seguir o próprio discernimento.
Na eleição anterior a essa, a de 2006, o Brasil acabara de conviver com o escândalo do mensalão. Tratava-se de um governo cujo partido organizou a maioria parlamentar mediante a distribuição ilegal de recursos entre os partidos aliados no Congresso.
Não só o governo foi reeleito, como diversos mensaleiros voltaram ao Legislativo como se nada houvera ontem nem anteontem. Que não se atribua o fato exclusivamente ao poder do dinheiro para financiamento de gordas campanhas nem à carência educacional ou à despolitização do brasileiro dos grotões.
Todos se lembram ? por inesquecível ? da pesada ofensiva de uma parcela de certo mundo cultural em favor da política das "mãos-sujas". Não foi um nem foram dois os artistas que emprestaram seus nomes à defesa da tese segundo a qual política é a arte de chafurdar na lama. Se o político é alvo da simpatia, ou compartilha da mesma ideologia, não há mal em mandar os escrúpulos às favas.
Qualquer tentativa de pôr em foco a questão da ética era posta no terreno do farisaísmo, desqualificada como ofensiva "udenista" de uma classe média ressentida aliada a uma elite entediada. O esboço de uma reação desenhada no movimento "Cansei" (de tanta desfaçatez) foi ironizado, um capricho de ricos "cansados".
Fosse outra a atitude dos políticos que se dizem desiludidos por confundidos com a escória existente em toda parte, fosse diferente a postura do eleitorado, fosse menos cínica a ação de certas celebridades, fosse menos apática a universidade, o valor da ética talvez não estivesse em queda livre.
Não trocassem seu vigor por um punhado de verbas públicas os movimentos sociais, as entidades estudantis, não deixassem todos tão barato os verdadeiros descalabros pronunciados por autoridades em defesa da imoralidade de resultados, certamente o deputado Sérgio Moraes não se sentiria tão à vontade de se "lixar" para o Brasil.
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