terça-feira, 11 de abril de 2017

Narrativa capenga | Merval Pereira

- O Globo

Os petistas e assemelhados estão montando uma nova narrativa sobre a possibilidade de o ex-presidente Lula vir a ser preso, inviabilizando seu projeto de se candidatar à Presidência da República em 2018. Já não se trata mais de denunciar que não existem razões para que Lula seja réu em nada menos que cinco processos na Justiça Federal, dois em Curitiba e três em Brasília. Agora, o que se quer é avaliar o grau de nossa democracia pela permissão ou não de Lula ser candidato.

Ocientista político André Singer, ex-porta-voz de Lula entre 2003 e 2007, no seu recente artigo na “Folha de S. Paulo”, defendeu a tese de que “(...) caso Lula possa candidatar-se, a recomposição do tecido democrático esgarçado pelo golpe parlamentar ganha densidade. Na hipótese contrária, a instabilidade tende a se prolongar, abrindo caminho para saídas autoritárias”.

Essa instabilidade não se dará por uma convulsão social a favor de Lula, mas simplesmente porque “eleições presidenciais livres e justas” não teriam sido realizadas, e estaríamos caminhando para um governo autoritário.

O que define a legalidade da próxima eleição, na opinião de Singer, é a aceitação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da candidatura de Lula. Diz ele: “(...) Não importa, portanto, que Lula ganhe, e sim que consiga concorrer em igualdade de condições. Estaria, assim, garantida a chance de alternância de poder, elemento indispensável do processo democrático”.

Somente a presença de Lula na cédula em 2018 garante a alternância de poder, depreende-se do que escreve Singer, trazendo para o debate uma fraqueza do seu partido, e não uma questão conceitual que deva ser levada em conta na defesa da democracia.

Se o PT não tem condições de apresentar um candidato competitivo que não seja Lula é porque não se estruturou em torno de lideranças, mas depende do líder carismático que não deixou grama nascer em seu entorno. Além do mensalão e do petrolão terem barrado todos os potenciais sucessores na hierarquia partidária, inviabilizados pela prisão ou por sérias denúncias.

Lula escolheu uma inexpressiva ministra para ser sua candidata, e deu com os burros n’água, por incompetência de Dilma, além das questões morais que estão sendo reveladas pelas investigações da Operação Lava-Jato. E se não puder concorrer, vai ter que convencer seu eleitorado de que uma nova indicação sua não será tão desastrosa quanto aquela. Difícil acreditar no vaticínio do jurista Nelson Jobim, ex-ministro de Lula e Dilma (além de FH) de que, preso, Lula elege qualquer um em seu lugar.

Pelo menos Singer não acredita nisso. Reflexo da decadência do partido diante da opinião pública, o PT teve uma participação pífia nas eleições municipais, ficando em 10º lugar entre os que mais elegeram vereadores.

No mesmo sábado em que André Singer publicou seu artigo, demonstrando que essa é uma articulação partidária, a ex-presidente Dilma fez uma palestra em seminário organizado por alunos brasileiros da universidade de Harvard, em Boston, e repetiu a mesma tese: impedir que Lula seja candidato seria “mudar as regras do jogo democrático” no Brasil.

Disse a ex-presidente: “Me preocupa muito que prendam o Lula. Me preocupa que tirem o Lula da parada”. E ainda acrescentou: “Não acho que o Lula tem de ganhar ou perder. Eu acho que ele tem de concorrer. (...) Deixa ele concorrer, para ver se ele não ganha.”

André Singer diz que as questões jurídicas envolvendo “a pessoa física” do ex-mandatário não entram nas suas análises, e chega ao cúmulo de comparar a situação de Lula à de Juscelino Kubitschek após o golpe de 1964, quando “os militares, por verem JK como a volta do populismo, cancelaram a eleição presidencial direta por um quarto de século”. Não leva em conta que estamos em uma democracia, e em 1964 entrávamos em uma ditadura militar. Mas seu raciocínio político é que só provaremos que estamos em uma democracia se Lula for absolvido na Justiça e puder disputar as eleições.

Outra variável que ele despreza é que as “questões jurídicas” não envolvem apenas a pessoa física de Lula, mas todo um esquema de financiamento por meio de propina do PT e seus aliados naquele momento histórico. Se for absolvido, ou se o julgamento em segunda instância não acontecer dentro dos prazos legais, permitindo que seja candidato, Lula vai para a campanha provar que continua sendo o líder mais popular do país, que tem hoje a liderança nas pesquisas eleitorais.

Como qualquer cidadão, vai ter que enfrentar uma bateria de acusações durante a campanha, e ter boas respostas. Se for condenado em segunda instância, como qualquer cidadão brasileiro, Lula estará inelegível por ter se tornado um “ficha-suja”, e vai para a cadeia, de onde poderá continuar recorrendo.

É por esses parâmetros legais que deve ser avaliada nossa democracia.

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