- O Globo
Uma das teses contra a reforma da Previdência é a de que o governo Temer, contestado e com baixa aprovação, não tem legitimidade para propor algo que vai afetar diretamente os interesses dos brasileiros. Foi o que a ex-ministra Marina Silva disse em Harvard. Qualquer pessoa ou grupo político que tenha o projeto de governar o Brasil deveria querer que a reforma fosse feita.
Quanto mais rápida ela for feita, maior será a chance de o país ter espaço fiscal para outros projetos necessários. Todo governo que propuser isso enfrentará a reação dos grupos que têm interesse em que nada mude. Quem é hoje oposição amanhã pode governar o Brasil e terá inevitavelmente que se ver diante desses números.
Há vários argumentos dos que não querem fazer a reforma da Previdência, e eles estão sendo explorados nos últimos meses. Um deles é o de que o déficit não existe. Quem afirma compara a despesa da Previdência com a receita somada das contribuições previdenciárias e de todos os impostos que financiam a seguridade. As aposentadorias são apenas uma parte da seguridade social, e por isso seu custo é menor do que a soma das receitas dos impostos e das contribuições.
Outro argumento é de que o futuro pode não ser tão ruim quanto o que está projetado. É mais um escapismo, que não esconde a realidade. Mesmo se fizermos outras premissas, que não as que o governo fez nas suas projeções, o déficit da Previdência que já existe hoje tenderá a ficar cada vez maior.
Tenho ouvido de jovens o argumento de que as regras foram favoráveis demais no passado, as gerações que os antecederam se aposentaram cedo e agora eles é que pagarão a conta. Eles têm razão. Mas não se pode mexer no passado porque a Justiça não deixaria. O governo, contudo, deveria dar mais transparência aos casos de abusos concedidos anteriormente até para ver se é possível uma rediscussão judicial das superaposentadorias. O caso divulgado ontem pelo Congresso em Foco é realmente revoltante. O expresidente José Sarney briga na Justiça para manter três aposentadorias que lhe dão R$ 73 mil, a de ex-presidente, a de ex-governador e a de ex-servidor da Justiça. Ele não é o único caso de abuso. Os jovens que se revoltam com os privilégios dos que quebraram a Previdência têm razão e devese continuar lutando contra esses absurdos. Mesmo assim, é inevitável a reforma.
Ontem, os ministros e assessores diretamente ligados à reforma vieram ao Rio para o seminário do GLOBO. Vão a outros encontros, como o do “Valor”. Tentam através dessas apresentações fazer o diálogo com a sociedade sobre esse tema. Independentemente de quaisquer detalhes ou divergências em alguns números, para uma população jovem como a brasileira, o déficit atual é grande demais.
Como disse o ministro Henrique Meirelles, ontem, no seminário. “A reforma é necessidade. Não é uma questão de opinião”. A propósito: o Brasil terá que fazer esta e outras mudanças no regime de aposentadorias e pensões nos anos vindouros, porque não existe uma reforma para acabar com todas as reformas.
Esta é uma agenda do Brasil, neguem ou não. Portanto, ela continuará na ordem do dia qualquer que seja o governante. A administração Temer, por ser de curta duração, poderia simplesmente ignorar o problema, já que a reforma não terá benefícios em 2018. Por outro lado, quem assumir em 2019 começará a ter os crescentes benefícios de redução do ritmo de crescimento do déficit previdenciário. Em um contexto de reforma aprovada, país crescendo, redução do temor com o crescimento da dívida, o beneficiário será o próximo governo eleito, seja ele qual for. Mas a oposição prefere trabalhar para negar a reforma ou criticá-la sem apresentar sugestão concreta para o problema.
Há 20 anos o governo Fernando Henrique propôs a idade mínima de 55 anos para as mulheres e 60 para os homens. Se tivesse sido aprovada, as contas hoje seriam outras. O projeto sofreu cerrada crítica do PT, que depois virou governo e, ao chegar, propôs também uma reforma, que acabou desidratada pela pressão corporativa. Esta tem sido uma história sem fim. O país pode continuar andando em círculos ou encarar a realidade.
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