É de justiça reconhecer que a Constituição de 1988 cumpriu a contento sua difícil tarefa de servir de lastro para a consolidação do processo democrático, após o término do regime militar. Seus méritos, no entanto, se esgotaram e ganha corpo a percepção da necessidade de uma nova Constituição. Prolixa e detalhista, a Carta de 1988 envelheceu rapidamente e provoca não pequeno desarranjo institucional com suas disfuncionalidades, em especial por seu irrealismo na concessão de direitos impossíveis de serem exercidos na prática.
Esse diagnóstico sobre a Carta Magna acaba de ganhar uma base para discussão. Os juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias lançaram manifesto, publicado pelo Estado no último domingo, conclamando a sociedade civil a mobilizar-se por uma Assembleia Constituinte originária e independente. Os autores propõem uma série de “temas constitucionais para uma reforma estrutural, política e administrativa, indispensável à restauração das instituições”.
Trata-se de uma iniciativa destinada a promover o debate sobre uma nova Carta Magna. Já foram feitas 95 emendas e mesmo assim o texto de 1988 é claramente insuficiente para prover um ambiente institucional, jurídico e político minimamente alinhado às necessidades econômicas e sociais do País.
Não se trata simplesmente de mudar a Constituição como se a solução para o Brasil estivesse numa contínua metamorfose jurídico-institucional. É justamente o oposto. Uma vez alcançada a maturidade democrática, o País está agora em condições de produzir uma Constituição serena, realista e funcional, apta a proporcionar um marco jurídico adequado aos tempos atuais.
Obviamente, a discussão a respeito de uma Assembleia Constituinte não deve ser feita de afogadilho. O tema exige pausa e reflexão, tendo em vista a sua complexidade e a variedade dos assuntos relacionados. Em tão grave matéria, tanto a afoiteza como a omissão cobram um alto preço. É justamente por demandar cautela e tempo que, diante dos problemas decorrentes da atual Constituição, a discussão agora proposta não pode ser adiada, como se fosse um assunto vedado pelas atuais circunstâncias ou coisa de imprudentes.
Ainda que admitam o desalinho da Constituição de 1988 com os tempos atuais, não poucas pessoas podem considerar que, diante das reformas propostas pelo atual governo, não é aconselhável falar agora em Assembleia Constituinte. Certamente cabe razão a quem entende que não se deve desperdiçar a disposição do presidente Michel Temer de enfrentar temas impopulares e que são verdadeiros gargalos ao desenvolvimento nacional. O necessário pragmatismo de não perder as oportunidades que se apresentam não afasta, porém, o reconhecimento da insuficiência da Carta de 1988 e da necessidade de um novo marco jurídico.
Longe de serem propostas concorrentes, as atuais reformas em debate no Congresso – que merecem especial diligência por parte dos deputados e senadores – evidenciam a importância do debate a respeito de uma Assembleia Constituinte. Exemplo disso é a própria Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que altera as regras da aposentadoria. O apoio à reforma da Previdência é plenamente compatível com o reconhecimento de sua insuficiência no longo prazo. Cabe, portanto, defender a PEC 287/2016 e, ao mesmo tempo, não se dar por satisfeito com sua aprovação.
Nesse sentido, acerta o manifesto de Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias ao falar em Assembleia Constituinte originária e independente. Preserva-se, assim, o Congresso Nacional para o cumprimento de sua tarefa, imprescindível e inadiável, de levar adiante as reformas já propostas.
O debate sobre uma nova Constituição não coloca em risco o Estado Democrático de Direito. Ao contrário, os fundamentos da democracia são fortalecidos sempre que a sociedade, não indiferente aos rumos do País, se propõe a debater um marco jurídico-institucional mais adequado para o Estado e para a própria sociedade. É essa a responsabilidade que agora recai sobre o País.
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