sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Felipe Borba: As inserções como arma de ataque

• Spots agrediram quase o triplo que os programas, em 2010

- Valor Econômico

A propaganda eleitoral começou a ser veiculada, no início dessa semana, mergulhada num momento de profunda incerteza na política brasileira. A morte prematura de Eduardo Campos e o retorno de Marina Silva à condição de cabeça de chapa provocaram uma reviravolta eleitoral sem registro na história recente do país. Quando a maioria já imaginava a repetição do confronto entre PT e PSDB, pesquisa do instituto Datafolha passou a apontar Marina com reais condições de ser eleita. Ela teria ultrapassado Aécio Neves e, em simulações de segundo turno, também estaria à frente da presidente Dilma Rousseff.

Em cenários de alta competitividade, as campanhas eleitorais assumem peso decisivo sobre a decisão do voto. As campanhas são todas as intervenções que os candidatos fazem na tentativa de influenciar a dinâmica da eleição. Elas são capazes de alterar conjunturas porque os eleitores possuem conhecimento limitado sobre o governo e os candidatos. Se os eleitores tivessem informação completa e nenhuma incerteza, estariam fechados à influência e não haveria razão de as campanhas existirem.

No Brasil, o horário eleitoral ainda é o principal instrumento que os candidatos desfrutam para tentar persuadir o eleitorado. A propaganda na televisão desempenha papel central ao garantir o acesso gratuito dos partidos durante período relativamente extenso no tempo. É importante por democratizar a informação, permitindo a todos os candidatos o direito de se comunicarem em rede nacional. Para o eleitor, é uma maneira barata de conhecer os candidatos e seus planos de governo. Erros nessa fase podem tirar a vitória até mesmo de favoritos.

O horário eleitoral é dividido em duas modalidades: a propaganda transmitida em blocos de longa duração e os pequenos spots de 30 segundos que são exibidos dentro da programação normal das emissoras. Os dois modelos têm vantagens e desvantagens, mas analistas vêm argumentando contra a transmissão em blocos, cuja influência é considerada desproporcional ao peso que assumem no orçamento das campanhas. Os spots de 30 segundos são elogiados por sua natureza dinâmica. Eles têm a capacidade de atingir todo o tipo de eleitor, sem dar tempo para sua atenção ser desviada, já que são pegos desprevenidos, ao contrário do que ocorre na propaganda exibida em blocos, quando o eleitor detém a prerrogativa de desligar a TV ou trocar para o canal pago.

O modelo brasileiro de inserções não é imune a críticas. Os candidatos enfrentam uma complexa estrutura de incentivos na hora de veicularem as suas mensagens. A razão é o marco regulatório da propaganda na TV, que no Brasil se desenvolveu de maneira alternativa ao modelo de exploração comercial da televisão americana. Diferentemente dos Estados Unidos, onde os candidatos são livres para escolherem onde, quando e com que frequência um spot deve ser exibido, aqui os candidatos precisam adaptar as suas estratégias ao mapa de mídia desenvolvido pelo TSE, que determina, de antemão e mediante sorteio, o número de spots por campanha, além de o dia e o bloco de audiência em que as mensagens devem ser exibidas.

A legislação eleitoral estabelece o total de 540 inserções de 30 segundos a serem divididas entre todos os candidatos, que detém a prerrogativa de fragmentá-las em duas de 15 ou agregá-las em uma de um minuto. Essas inserções são distribuídas igualmente pelos 45 dias de campanha e, em cada dia, elas devem ser novamente alocadas entre as quatro faixas de audiência que variam entre 8h-12h, 12h-18h, 18h-21h e 21h-24h. Um candidato, por exemplo, que disponha de 45 spots deve transmitir obrigatoriamente um por dia em faixas de audiência alternadas até o fim da campanha. Esse candidato não possui sequer a liberdade para decidir qual programa dentro de cada faixa veicular o seu spot, já que a decisão final sobre o momento da exibição cabe às emissoras.

Nas eleições de 2006 e 2010, o Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa/Iesp) monitorou todas as inserções veiculadas no primeiro e no segundo turno das eleições presidenciais. A pesquisa revelou que os candidatos buscam alternativas estratégicas ao quadro imposto pelo TSE. A característica comum à maioria é a decisão de dividir as suas inserções de 30 segundos em duas de 15 - na história das eleições presidenciais, jamais um candidato veiculou uma mensagem de um minuto.

Em 2006, 85% das inserções exibidas por Lula, Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovam Buarque tiveram 15 segundos de duração. Na última eleição, os quatro candidatos competitivos também veicularam a maior parte de suas mensagens em spots de 15 segundos, ainda que em proporção menor, 70%. Curiosamente, essa estratégia é mais comum entre os candidatos com maior tempo de TV. José Serra, em 2010, veiculou 99% das suas mensagens em spots de 15 segundos, enquanto Cristovam preferiu apostar em mensagens de 30 segundos, que foram maioria em sua campanha.

A comparação com a propaganda exibida nos blocos mostra que as inserções são o local preferido para atacar. Enquanto que na propaganda exibida nos blocos a média de ataques foi de 18% e 9% nos primeiros turnos de 2006 e 2010, nas inserções essas proporções subiram para 27% e 25%. Os candidatos diferenciaram-se pelas faixas de audiência em que atacam os seus adversários. Lula e Dilma privilegiaram os blocos noturnos, enquanto que os candidatos tucanos distribuíram os seus ataques de maneira equilibrada pelas quatro faixas, com pouca variação. Novamente, os candidatos com menos recursos buscaram estratégias próprias. Cristovam Buarque atacou predominantemente no horário diurno. Marina não atacou ninguém.

Nesse ano, a vantagem é amplamente governista. Dilma terá 246 spots, contra 99 de Aécio e 45 de Marina. A comunicação política, entretanto, envolve duas dimensões cruciais: tempo e conteúdo. Tempo não faltará a Dilma. Aguardemos para saber se essa vantagem numérica será capaz de manter o favoritismo que ainda paira sobre sua campanha.

Felipe Borba é professor de ciência política da Unirio, pesquisador do Doxa (Iesp/Uerj)

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