- Folha de S. Paulo
"Existe um ritmo do sentimento que podemos observar na ética, na religião e na política semelhante às ondas do ciclo econômico". A percepção do filósofo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) presta-se admiravelmente à caracterização do atual momento brasileiro.
A amplitude do fenômeno é notável. Não faz muito tempo, o Brasil despontava como estrela do mundo emergente. Vivíamos uma quase euforia de crescimento com estabilidade de preços, geração de empregos e inclusão social. Após décadas de maré baixa e desesperança, o país parecia ter reconquistado um sentimento de confiança e otimismo sobre o seu futuro.
Não durou. Em curto intervalo, a estrela brasileira murchou. Enquanto o mundo vira a página da crise financeira, o Brasil amarga uma estagflação. A redução da desigualdade estancou e a criação líquida de empregos despencou; a vulnerabilidade externa voltou e o investimento caiu. A escalada do consumo arrefeceu e aguçou a percepção do déficit de cidadania. O sol do futuro eclipsou.
A reversão de expectativas é inconteste e não se reduz ao olhar externo. Haverá quem acredite ainda --fora, é claro, das mais renitentes hostes governistas-- que as coisas estão indo bem no Brasil?
É plausível supor que haja uma pitada de exagero na oscilação do ânimo coletivo. Na vida das nações, como na dos indivíduos, quanto mais alta a expectativa, maior o tombo. É o irrealismo da fase ascendente que prepara o terreno para o desalento. Se não éramos tão bons como nos imaginávamos antes, talvez não estejamos tão mal como nos supomos agora. A lâmina da sobriedade deve cortar dos dois lados.
Admitido, no entanto, o desconto, o fato capital permanece. Para além da piora do quadro econômico, o Brasil encontra-se às voltas com uma crise de confiança em seu futuro e uma onda generalizada de descrença na política como forma de enfrentamento e superação das dificuldades. Há saída?
"Onde há perigo, cresce também o que salva". As eleições estão aí. O Brasil, confio, tem plena condição de reerguer-se e reencontrar o senso de direção. A virada, contudo, jamais virá de moto próprio ou graças a milagrosa conversão e súbita boa vontade do nosso patronato político. Ela virá de baixo para cima e de fora para dentro. Ela virá da nossa participação.
As manifestações de junho, o sentimento das ruas e as pesquisas de opinião atestam: o desejo de mudança pulsa firme e forte na sociedade brasileira. O desafio é transformá-lo em vetor capaz de romper a inércia do poder e o autismo dos governantes. Só há uma forma de vencer o desencanto e corrigir os descaminhos da política --é o exercício ativo da própria política.
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