Que a contingência comanda os destinos humanos é sabido, que ela teria tanta força para transformar o cenário de 2014, algo bem mais inesperado. A eleição parecia congelada e morna. A trágica morte de Eduardo Campos, a exemplo das manifestações de 2013, a alterou radicalmente, embora mudanças com o início do horário eleitoral não estivessem descartadas. Marina Silva já mostra seu potencial para canalizar insatisfações e votos antes sem desaguadouro. O segundo turno tornou-se inevitável e seu resultado, imprevisível. Se Dilma Rousseff entra na eleição com o maior cabedal de votos e uma base popular sólida e aparentemente imexível, Aécio Neves vê suas chances minguarem.
Faltou a Dilma agilidade para responder ao desafio das ruas, a suas demandas por serviços públicos robustos, bem como sinalizar uma agenda participativa (que pouco se altera com o formal decreto sobre o tema). Fato é que suas propostas estão incluindo a mobilidade urbana e o direito à Saúde, se na medida adequada é algo discutível, bem como a reforma política, o que se combina de maneira um tanto tensa com a defesa do legado de sua presidência e das de Lula. Como instrumento eleitoral e herança para o futuro, valeria votar, antes do fim de 2014, a Consolidação das Leis Sociais. Já a economia se complica e não poderá deixar de ser tema importante, embora por ora a ênfase pareça excessiva. Caso reeleita, Dilma terá de refazer as relações hoje muito difíceis com o empresariado, sem abrir mão de o Estado pautar o desenvolvimento econômico e sem abusar do voluntarismo. Fazer o meio ambiente comparecer não será porém fácil.
Marina é incógnita maior e assim deverá permanecer até o fim da eleição. Apresentar-se criticamente ante a política atual, ainda que sem dizer exatamente que significa transformá-la, é central para sua estratégia, que visará votos à direita, ao centro e à esquerda. A definição de um nome da esquerda do PSB para vice condiciona suas escolhas futuras, mas só parcialmente. Chave será em que medida o neoliberalismo ambiental dará as cartas em seu possível governo, forçando um ajuste duro da economia, mas talvez abertura maior ao empresariado (e inclusive ao capital financeiro), com já sugestões diretas de autonomização clara do Banco Central, embora dificilmente haja mudanças de monta nos principais programas sociais. A questão ambiental será destacada e a reforma política, encampada por seu governo, que, se eleita, será minoritário no Congresso (que trabalha, junto com aliados no STF, para sepultar o que pode ter esta de realmente positivo: a proibição de doações pelas empresas).
Aécio terá de se esforçar para mostrar ao empresariado e aos eleitores que pode ir para o segundo turno, vencer e que não significaria mera volta ao neoliberalismo. Isso, que já era difícil, tende a tornar-se impossível. Afinal, retomo aqui argumento de texto anterior, a conjuntura inclinou-se à esquerda, e ele não se situa bem nesse registro.
Interrogações permanecem: serão esses governos futuros - inclusive na confusão crescente do plano estadual - capazes de propor um debate e ações que façam avançar a democracia, os direitos sociais, a questão ambiental e o desenvolvimento econômico, no sentido que o Brasil necessita? É o que demanda sua população, dos "pobres" trabalhadores à classe média remediada (a real, não a alardeada pelo Ipea). Os próximos lances eleitorais em parte responderão a essas perguntas, mas somente 2015 o fará de forma mais precisa. De todo modo, a campanha esquentará, e o número de votos nulos e brancos diminuirá. Isso é bom para o Brasil.
*José Maurício Domingues é sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Uerj
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