quinta-feira, 25 de abril de 2024

Malu Gaspar – O tango de Lula e Lira

O Globo

Na noite de domingo, Lula recebeu Arthur Lira para uma conversa a sós no Palácio da Alvorada. O objetivo era aparar arestas. Os dois estavam desgastados por uma semana que terminou com Lira fazendo uma lista de pedidos de CPIs pendentes e o presidente da República mobilizando aliados no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal (STF) para mostrar ao chefe da Câmara dos Deputados que ele já não tinha o mesmo poder de antes.

Pesava no ar um clima de incerteza sobre as pautas do governo no Congresso, especialmente os vetos do presidente da República que deveriam ter sido analisados nesta quarta-feira e da bomba fiscal, a série de projetos que aumentam gastos e podem levar ao estouro do Orçamento em 2024.

O que Lula e Lira combinaram no papo ao pé do ouvido nenhum deles revelou. Lira tentou até negar o encontro, como se ignorasse que, em Brasília, palácios não guardam segredos.

Lula, ao ser questionado, disse que não tinha obrigação de contar o que foi dito. O resultado, porém, foi inequívoco. Ambos baixaram as armas, o que só costuma acontecer quando os dois lados entendem que não têm nada a ganhar com um conflito.

Nos dias seguintes, Lira puxou o freio e enterrou o assunto das CPIs. Lula disse num café com jornalistas que “todas as coisas vão ser aprovadas e todas as coisas vão ser acordadas”. Também admitiu que sua base é minoria no Congresso.

“Não é o presidente do Senado que precisa de mim. Não é o presidente da Câmara que precisa de mim. Quem precisa deles é o presidente da República, é o Poder Executivo.”

Depois dos gestos políticos, veio o efeito concreto: foi adiada a sessão do Congresso que analisaria vetos de Lula, das restrições às saidinhas dos presos ao valor de emendas parlamentares a ser distribuídas neste ano. Como o governo certamente sairia derrotado, costurou-se um acordo para suspender a votação até que “todas as coisas” fossem acertadas.

O armistício deu ao governo certo alívio, mas não garante que seus projetos andarão mais rápido nem que contarão com mais boa vontade na Câmara. A coreografia política de Lira e Lula demonstra que nenhum deles tem condições de impor sua vontade. Mas também sugere que, a esta altura, nenhum tem por que baixar a cabeça ao outro.

Tudo indica que a relação continuará por um bom tempo aos trancos e barrancos, alternando ameaças, crises, afagos e novos armistícios, já que a eleição que pode desequilibrar o jogo — para o próximo presidente da Câmara — só acontece em fevereiro de 2025.

Depois do final de seu mandato na presidência, Lira se torna um deputado como outro qualquer, o que não ajuda o plano de disputar com chance de vitória uma das duas vagas ao Senado por Alagoas em 2026.

Considerando que o estado é comandado pelo grupo de seu arquirrival Renan Calheiros, que também disputará uma dessas vagas, com a vantagem de ter o filho no Ministério dos Transportes e uma aliança antiga com Lula, o que resta a Lira é prolongar ao máximo o próprio poder para tentar fazer um sucessor e chegar a 2026 com algum fôlego.

Pelas conversas que Lira vem mantendo com aliados bem próximos, a estratégia é continuar se fazendo útil para que o Planalto precise dele, mas sempre deixando algo pendente, para não se tornar dispensável. O governo quer derrubar os quinquênios dos juízes? Podem contar com ele, na Câmara não passa. Mas precisa conter os benefícios fiscais para o setor de eventos, segurar a liberação de emendas? Hum, ele sente muito, mas não tem como conter os deputados.

Lula não tem alternativa a não ser ir se livrando de Lira aos poucos, patrocinando novos focos de poder enquanto cuida de não criar crises insolúveis. Num dos discursos que fez nesta semana, cobrou dos ministros que se aproximem do Congresso:

“Alckmin tem que ser mais ágil. Tem que conversar mais. O Haddad, em vez de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara. O Wellington [Dias, do Desenvolvimento Social] e o Rui Costa [Casa Civil] têm que passar a maior parte do tempo conversando com a bancada A, com a bancada B”.

Faltou falar que, nesse jogo, ninguém tem mais habilidade e capacidade de convencimento que ele próprio. Lula já deu várias mostras de que não é mais o mesmo dos governos anteriores. Está com menos tempo, paciência e vontade de fazer política.

Mas a realidade, teimosa, também já provou que, se ele não se envolver, a coisa não anda. É preciso dois para dançar um tango. E Lula não tem, neste momento, como pedir que dancem por ele.

 

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