sábado, 27 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Abandono de obras da Copa é sinal de governança frágil

O Globo

Não faltou dinheiro para mobilidade urbana. Faltaram planejamento, fiscalização e cobrança de resultados

Passados dez anos da Copa do Mundo no Brasil, 38% dos projetos de mobilidade urbana pensados para o torneio foram abandonados ou concluídos apenas parcialmente. Por ser um retrato do que costuma acontecer no país, o dado é uma oportunidade para uma reflexão que vá além do debate sobre o legado de eventos esportivos. Identificar as causas do baixo índice de execução de obras é primordial para que o Brasil deixe de ter uma infraestrutura sofrível, mesmo na comparação com países no mesmo estágio de desenvolvimento.

No período anterior à Copa, prefeitos e governadores puseram projetos de mobilidade urbana na lista de metas. Nem todos eram essenciais para receber os torcedores, mas a demanda tornou evidente a deficiência nas capitais que hospedariam os jogos. De acordo com estudo do economista Cláudio Frischtak, para equiparar o transporte público das 15 principais regiões metropolitanas brasileiras ao de Santiago, no Chile, ou da Cidade do México, seria necessário investir R$ 295,5 bilhões.

Não chega a ser novidade que o Brasil investe pouco em infraestrutura, 2% do PIB, levemente acima do necessário para cobrir a depreciação. As obras abandonadas da Copa revelam outro obstáculo. Falta de recursos não era empecilho, pois os projetos contavam com linha especial de financiamento do BNDES. Eram considerados prioritários já em 2014. Os prefeitos e governadores que se alternaram no poder de lá para cá tiveram dez anos para concluí-los. Por que falharam? Porque a governança do investimento público no Brasil é uma vergonha.

Nos países com as melhores práticas, governos promovem análises técnicas aprofundadas para determinar prioridades. Uma vez decididos os alvos, é feito um planejamento cuidadoso, elaborado um projeto detalhado e são estabelecidas programação e licitação. A execução é fiscalizada e, depois da entrega, é feita avaliação dos resultados.

No Brasil, tudo é decidido com base numa mistura de clientelismo e oportunismo político. Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2019 revelou que 37,5% de 38.412 obras financiadas pelo governo federal estavam paradas. A regra é a diferença descomunal entre o orçamento inicial e o preço final, com suspeitas frequentes de corrupção. As taxas de execução são baixas, como mostram as experiências das várias versões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Por tudo isso, parte considerável do pouco que o Brasil investe em infraestrutura é desperdiçada. Dos projetos de mobilidade da Copa abandonados, o mais caro foi o VLT de Cuiabá, que consumiu R$ 1 bilhão em dinheiro financiado pela Caixa. Ao todo, 40 trens e 24 quilômetros de aço foram comprados. Depois o governo estadual decidiu trocar os trens por um projeto de BRT. Como revelou reportagem do GLOBO, os vagões até hoje se deterioram perto do aeroporto da capital.

As maiores vítimas do descalabro com os investimentos são os mais pobres, usuários de transporte público forçados a perder um tempo desnecessário no trajeto entre casa e trabalho ou moradores de regiões com serviços de água e esgoto deficitários. São os mais pobres também os mais prejudicados pelo baixo crescimento econômico. Vários trabalhos acadêmicos comprovam a relação entre melhoria de infraestrutura e crescimento. Em 2014, o Brasil levou 7x1 nos gramados. Na infraestrutura, é um 7 x 1 todo ano.

Venda da Sabesp é vital para saneamento atrair recursos privados

O Globo

Governo paulista acerta ao adotar modelo que exige maior capacidade financeira dos principais investidores

O detalhamento do modelo de privatização da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), maior empresa do setor no país, ajuda a consolidar o Novo Marco Legal de Saneamento, aprovado em 2020 com a meta de universalizar serviços de água e esgoto no Brasil até 2033. Não é um objetivo fácil de alcançar diante do estágio vergonhoso dessa infraestrutura vital para a saúde, com efeito negativo no crescimento.

Há quatro anos, quando o Novo Marco entrou em vigor, 35 milhões não tinham acesso a água tratada, e 100 milhões, quase metade da população, estavam desconectados da rede de esgoto. Do esgoto coletado, apenas 50% do volume era tratado. Como os investimentos na atividade são de média e longa maturação, esses índices continuam como referência. O Brasil é um país de renda média, com PIB entre os dez maiores do mundo e indicadores de saneamento de países miseráveis.

Sempre houve resistência corporativa à entrada de grupos privados nas empresas de saneamento. A concessão da Cedae, no Rio de Janeiro, representou um primeiro avanço importante, e os benefícios já se fazem sentir. O andamento da privatização da Sabesp contribuirá para reduzir as resistências. Para isso, é preciso que as companhias privatizadas mostrem resultados.

A oposição à venda do controle da Sabesp argumenta que a empresa é rentável. Suas ações há tempos são negociadas em Bolsa, inclusive em Nova York, e ela presta contas ao mercado como toda empresa aberta. A questão, porém, não se resume à situação atual. É preciso levar em conta o esforço de investimento necessário para manter o serviço em 375 cidades — entre elas São Paulo — e atingir a meta de universalizá-lo em todo o estado até 2033.

Os grupos privados que comprarem o controle da Sabesp receberão uma empresa com 86,1 mil quilômetros de redes de distribuição de água e 61,4 mil quilômetros de malha de coleta de esgoto. Precisarão administrá-la com eficiência para reduzir a tarifa cobrada na água em 1% no consumo residencial, 0,5% no comercial ou industrial e 10% para beneficiários de programas sociais. Não haverá, como argumentam os opositores da privatização, reajustes insuportáveis. Os recursos para redução das tarifas sairão de um fundo que receberá 30% do valor obtido pelo governo com a privatização e será mantido com os dividendos pagos pela empresa ao estado, que continuará sócio.

O governo de São Paulo acerta ao tomar cuidado com a qualificação do futuro controlador da Sabesp. A oferta das ações será feita em dois blocos, um para grupos interessados em ser acionistas de referência, outro para investidores em Bolsa. Antes do leilão, os candidatos a acionista de referência, que administrarão a companhia, terão de comprovar ter em caixa R$ 8,5 bilhões, estimados para arrematar 15% da empresa, com todas as devidas garantias.

A importância estratégica dessa privatização justifica todas as precauções. Depende do seu êxito o interesse de investidores em aumentar sua participação no saneamento, essencial para o país sair da atual situação vergonhosa.

Vaivém na Petrobras mostra falta de planos

Folha de S. Paulo

Crise dos dividendos, que durou um mês e meio, mostrou que governo Lula tem ímpeto intervencionista e poucas convicções

Desde o início de março e ao longo de um mês e meio, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) envolveu a si próprio e a Petrobras em tumulto gratuito, sem motivo relevante para o país —mas custoso.

A política menor, a falta de diretrizes claras, a indisciplina de altos assessores presidenciais e a ameaça de intervenções estatais indevidas baixaram o crédito da estatal e o da administração pública.

No dia 7 do mês passado, por ordem do presidente e de ministros, o Conselho de Administração da petroleira decidiu que não distribuiria aos acionistas o lucro remanescente de 2023.

Decisões dessa espécie devem levar em consideração o melhor interesse econômico das companhias, além de estatutos e leis. O que houve, no entanto, foi o intervencionismo tosco do Planalto, aparentemente devido à crença de que a estatal precisaria de recursos para investimentos mais ambiciosos.

Finalmente, na última quinta-feira (25), o conselho deliberou pela distribuição de 50% dos dividendos —o que beneficiará, em particular, o Tesouro Nacional.

Desde o início de 2023, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disputam o poder sobre a empresa. Ademais, Lula deseja que a petroleira colabore com um vago plano de política industrial, com mais aportes nas áreas de preferência do presidente da República.

As peripécias dos dividendos foram episódios mais agudos desses conflitos. Intrigas, ataques públicos e sabotagens evidenciaram a desordem político-administrativa.

O efeito imediato da baderna foi a desvalorização da companhia. As consequências mais difusas foram o descrédito extra do governo e o aumento da percepção do risco de intervenção na economia.

Dias antes do início da crise, Lula dissera que "empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo".

A intervenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contribuiu para a contenção de danos. Haddad, além do mais, tinha interesse em nomear um conselheiro e no pagamento de dividendos, receita para o combalido Tesouro Nacional. Prates não foi demitido. Ameaças permanecem.

Silveira faz questão de dizer que Prates mudou de orientação e obedeceria mais agora aos desejos presidenciais. O ministro, que se oferece como a voz de Lula, perdeu algum poder no conselho, porém.

Resta saber o que pretende o presidente da República, ainda inconformado com a ideia de racionalidade econômica na Petrobras, direção que beneficia o país e, por consequência, o próprio governo. Os planos seguem obscuros.

Violência vexatória

Folha de S. Paulo

Abuso de força policial mancha país em pesquisa de violação de direitos humanos

Provocam mais vergonha que surpresa as menções ao Brasil no documento "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo", divulgado nesta semana pela Anistia Internacional. A organização independente reúne dados conhecidos nessa seara, mas, como os põe em perspectiva comparada, consegue atribuir-lhes novo significado.

Desigualdade, racismoviolência de gênero, insegurança alimentar, baixa frequência escolar, perseguição a ativistas, privações impostas a povos indígenas e violações graves cometidas por agentes de segurança estão entre as mazelas que deixam o Brasil em destaque nesse relatório da infâmia global.

Em relação ao último ponto, Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, define como descontrolado o uso da força policial, sobretudo devido à falta de punições para abusos cometidos contra a população.

A organização chama a atenção para a situação de São Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia, estados que somaram pelo menos 394 mortes em operações policiais realizadas de julho a setembro de 2023. Não há como minimizar o escândalo representado por essa cifra num país distante de qualquer guerra.

Os óbitos, contudo, são apenas parte da história. Prisões arbitrárias, tortura e entrada ilegal em domicílios constituem outros elementos desse quadro, que ainda se completa com efeitos colaterais como a suspensão de aulas e consultas médicas devido a tiroteios.

Líderes políticos de diferentes origens ideológicas têm preferido se omitir diante desses abusos, como se as violações de direitos fossem resposta aceitável contra a criminalidade exasperante.

São difíceis os progressos da racionalidade ante o apelo populista da abordagem linha-dura. Foi o que se viu com Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo que resistiu a dar continuidade ao bem-sucedido programa de câmeras corporais no estado e acabou por se comprometer com o Supremo Tribunal Federal a seguir com a instalação dos aparelhos.

Não se trata de panaceia, mas é imperativo adotar medidas que tirem o país da posição vexatória em que se encontra.

A canelada do governo no Congresso

O Estado de S. Paulo

Ao recorrer ao STF contra a desoneração da folha, governo demonstra não aceitar derrota e compra briga inútil com o Legislativo no momento de regulamentar a reforma tributária

De maneira intempestiva, o governo adotou mais uma manobra arriscada ao pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e dos municípios. Ainda que saia vencedor, a estratégia pode custar caro ao Executivo, especialmente no momento em que acaba de enviar a regulamentação da reforma tributária ao Congresso.

O Executivo sempre bateu na tese de que o Legislativo deveria analisar o impacto financeiro da desoneração da folha, bem como medidas que compensassem as perdas de arrecadação que a medida acarretaria. No entanto, ausentouse deliberadamente do debate com o Legislativo, que aprovou a prorrogação com apoio da ampla maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada.

Sem saída, o governo vetou a proposta, mas o veto foi derrubado sem qualquer dificuldade. Ainda assim, o Executivo insistiu no erro e publicou uma medida provisória (MP) para reonerar a folha – em pleno recesso parlamentar, no dia seguinte à promulgação da lei e logo após a aprovação de praticamente toda a agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O ato, por óbvio, foi interpretado como uma afronta. Não faltaram parlamentares a cobrar do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolvesse a proposta ao Executivo sem sequer analisá-la. O diplomático presidente do Senado, no entanto, atuou para esfriar os ânimos de parte a parte.

Em vez de devolver a MP, Pacheco concedeu tempo ao governo para que enviasse um projeto de lei para tratar do tema e tentasse chegar a um meiotermo com o Congresso e os setores envolvidos. Se isso não ocorreu até agora, não foi por teimosia dos parlamentares, mas principalmente porque a articulação política do governo falhou ao entrar atrasada no debate com o Legislativo.

O melhor, nesse caso, seria reconhecer esse erro e construir uma solução em conjunto com o Congresso. Ao ajuizar a ação nesta semana, no entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) surpreendeu todos e, aparentemente, a equipe econômica não soube calcular as consequências políticas dessa decisão.

Afinal, a petição ataca justamente alguns dos atos de Pacheco, como a prorrogação parcial de trechos da polêmica medida provisória editada no fim do ano passado. O ato do presidente do Senado, em si, até poderia ser questionado sob o ponto de vista jurídico, mas a ação da AGU insulta não apenas um aliado, mas o principal avalista da tentativa de construção do acordo entre governo e Congresso.

Sentindo-se traído, o presidente do Senado anunciou que entrará com recurso no STF contra a decisão do ministro Cristiano Zanin, que prontamente atendeu ao pedido da AGU e suspendeu a desoneração em caráter liminar. Os ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes também já se manifestaram pela manutenção da decisão de Zanin, o que talvez dê ao governo a ilusão de que poderá vencer essa batalha.

Em nota divulgada após a decisão, Pacheco disse que o governo “erra ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento”. “Só quando a discussão política é exaurida que se recorre à Justiça”, disse o senador. Ele tem toda a razão, mas o governo, sem maioria no Congresso, parece incapaz de aceitar essa derrota e não hesita em aumentar a tensão entre os Poderes para fazer valer sua posição.

Arredio a qualquer iniciativa para rever seus gastos e sabendo dos efeitos limitados das medidas de recuperação de receitas, o governo elegeu a desoneração como o bode expiatório do alcance da meta fiscal. Independentemente do que venha a ocorrer, o governo terá de lidar com as sequelas políticas de mais uma decisão desastrada.

Pacheco, por exemplo, que não é nenhum fiscalista de carteirinha, já fez a pergunta retórica à qual o governo não tem como responder. “Além de arrecadar, qual a proposta de corte de gastos para poder equilibrar as contas?”, questionou o senador. É algo que todos os que se preocupam com o futuro do País gostariam de saber.

Lei não se negocia; cumpre-se

O Estado de S. Paulo

Em vez de simplesmente fazer o controle de constitucionalidade da lei do marco temporal, o STF prefere abrir um processo de ‘conciliação’, tarefa eminentemente política

A propósito da demarcação de terras indígenas, em toda a existência da Nova República vigorou a tese do marco temporal, fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009: os povos indígenas só poderiam reivindicar as terras que ocupavam (ou, no mínimo, disputavam) na data de promulgação da Constituição. Em setembro de 2023, o STF reverteu sua própria jurisprudência e derrubou a tese. Antes que a decisão fosse publicada, no entanto, o Congresso aprovou uma lei normatizando o marco temporal. Partidos e organizações civis entraram com processos questionando a sua constitucionalidade. Agora, o relator das ações, ministro Gilmar Mendes, suspendeu-as e abriu um processo de “conciliação”, convocando os autores das ações, os chefes do Executivo e do Legislativo, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria Geral da República a apresentarem “propostas”.

Não é a primeira vez que o STF lança mão deste expediente exótico. Recentemente, o governo entrou com uma ação questionando a constitucionalidade da lei que regulamentou a desestatização da Eletrobras. Segundo a lei, nenhum acionista, seja qual for sua participação acionária, pode ter mais que 10% das ações com direito a voto, conforme o modelo de corporation. Ocorre que a União, ao invés de vender suas ações, optou por manter 42% do capital, e o governo reivindica um poder de voto proporcional a essa participação. Ou seja, a União, que vendeu o seu controle para novos acionistas, agora quer anular as regras estabelecidas por ela mesma. Diante de um ato jurídico perfeito, o STF nem sequer deveria ter reconhecido a ação. Ao invés disso, porém, a Corte estabeleceu uma “negociação” entre o governo e a Eletrobras.

A “mesa de conciliação” sobre o marco temporal é ainda mais surreal, porque entre as partes de um suposto litígio constam os próprios chefes das Casas Legislativas. Segundo o ministro, é preciso “disposição política” para resolver a questão. Ora, a aprovação da lei seguiu os ritos, passou pelas comissões e pelos plenários, onde foi aprovada pelas devidas maiorias dos parlamentares. Que outra “disposição política” pode haver além dessa? Que tipo de “acordo” o ministro espera de uma negociação com representantes do Executivo e ONGs? Acaso os presidentes da Câmara e do Senado devem chegar a uma solução de compromisso e reescrever a lei de próprio punho?

Esse é só um aspecto da confusão institucional fabricada pela própria Corte. Impaciente com o contrato social consagrado na Constituição e desdobrado nas leis, o STF parece não se resignar à sua condição de intérprete e quer ser reformador, avançando sobre pautas legislativas como a descriminalização das drogas, o aborto ou a regulação das redes digitais.

O caso do marco é exemplar. A Constituição reconheceu os direitos dos indígenas sobre as terras que “tradicionalmente ocupam” (verbo no presente, não no passado nem no futuro). Para não deixar dúvida sobre a fixação temporal, o constituinte estabeleceu nas Disposições Transitórias um prazo de cinco anos para que a União concluísse as demarcações.

Agora que o STF decidiu que o marco constitucional, ora vejam, viola a Constituição, a consequência seria declarar a nova lei inconstitucional. É evidente que tal decisão causaria ainda mais tensão na relação do STF com o Congresso, mas essa perspectiva não deveria ser pretexto para que a Corte, em vez de cumprir sua função de simplesmente se pronunciar a respeito da lei, se apresentasse como mediadora de um acordo sobre essa lei. Ora, a lei só é objeto de negociação no momento em que se discute sua aprovação no Congresso; uma vez aprovada, a lei deve ser apenas cumprida.

O STF não é câmara de conciliação, muito menos para negociar direito previsto em lei. A título de, nas palavras do ministro Gilmar Mendes, evitar “grave insegurança jurídica”, o Supremo colabora para acentuá-la. Quando um Poder invade a competência de outro, pouco importa o mérito da sua decisão: há um vício de origem, e a “grave insegurança jurídica” está instalada.

Disputa política lesa a Petrobras

O Estado de S. Paulo

Governo decide distribuir parte dos dividendos extras, mas desgaste da Petrobras só aumenta

O governo Lula da Silva voltou atrás e decidiu distribuir metade dos R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários da Petrobras a seus acionistas. O recuo, que fez o valor de mercado da petroleira voltar a subir, está longe de significar o apaziguamento da celeuma criada há cerca de um mês e meio, quando a retenção dos dividendos extras deixou totalmente às claras as fortes divergências e a disputa de poder dentro do governo.

A contenda não teve vencedores. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que defendeu a retenção integral dos recursos e chegou a criticar aberta e indiscriminadamente a gestão de Jean Paul Prates na presidência da Petrobras, teve de aceitar a mudança de posição e passou a adotar silêncio prudente sobre o assunto. Prates, que ficou por um fio no cargo e chegou a ter substituto sondado – o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante –, continua na presidência, mas em condição ainda mais frágil depois de toda a exposição.

O episódio serviu apenas para expor a forma confusa, digressiva e intervencionista com a qual a gestão lulopetista tenta conduzir a Petrobras, a maior perdedora dessa medição de forças. Lula da Silva nunca fez segredo de seu propósito de fazer da Petrobras um instrumento financiador das políticas públicas de seu governo. Também não esconde o desagrado por não conseguir alcançar seu intento com a facilidade que gostaria. Em mais de uma ocasião, cobrou responsabilidade da Petrobras pelo bem-estar dos “200 milhões de brasileiros”.

O problema é que não é esse o objetivo da empresa. Garantir o abastecimento de combustíveis em todo o território nacional é o mais perto que o estatuto chega de uma questão social. Garantir o bem-estar da população é dever do governo e para isso pode usar a parte que lhe cabe – a maior fatia – dos dividendos da empresa. Serão agora em torno de R$ 6 bilhões – quase um terço dos R$ 21,9 bilhões – que entrarão no caixa do Tesouro tão logo a assembleia de acionistas aprove a distribuição extra, o que acontecerá sem percalços dado o interesse dos acionistas e do próprio governo.

Lula da Silva voltou ao poder depois de a Petrobras passar por uma verdadeira revolução de governança para evitar a repetição da rapinagem comprovada em atos de corrupção envolvendo executivos da empresa, políticos e empresários ao longo do mandarinato lulopetista. A blindagem que a companhia recebeu teve o múltiplo objetivo de chancelar a capacidade técnica e administrativa de seu comando, evitar decisões de cunho político-partidário, dificultar a interferência do governo em decisões comerciais e prezar a boa gestão.

Algumas dessas defesas estão sendo rompidas. Para agradar ao chefe, Prates modificou os critérios de reajuste de preços dos combustíveis. Diz não ver necessidade de aumento de preços mesmo com a tensão elevada no Oriente Médio – e a consequente alta do petróleo – porque os preços foram “abrasileirados”, uma aberração em se tratando de uma commodity com preço formado no mercado internacional. Mas, para Lula, o prejuízo que isso causa à Petrobras não parece relevante.

Liminar sobre desonerações é "virada de mesa"

Correio Braziliense

Em se tratando de uma decisão que havia sido tomada antes, durante a pandemia, o pedido de liminar soa como uma declaração de guerra ao Congresso em matéria fiscal, quando começa a tramitar a regulamentação da reforma tributária

O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do ministro Cristiano Zanin que revogou a desoneração da folha de pagamento, prorrogada pelo Legislativo até 2027. Pacheco argumenta que as premissas que embasaram o pedido da AGU e foram aceitas por Cristiano Zanin não são verdadeiras. O projeto aprovado pelo Congresso prorroga a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores, mas teria, sim, segundo Pacheco, uma estimativa de impacto financeiro-orçamentário da medida, como prevê a Constituição.

A decisão de Zanin está sendo submetida a referendo no Plenário Virtual do Supremo desde sexta-feira. A liminar foi concedida na ação direta de inconstitucionalidade em que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, questiona a validade de dispositivos da Lei nº 14.784/2023. O ministro do STF suspendeu pontos da lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento de municípios e de diversos setores produtivos com o argumento de que a norma não observou o que dispõe a Constituição quanto ao seu impacto orçamentário e financeiro.

A queda de braços vem de longe e parecia superada. Em 2023, para equilibrar as contas públicas, o presidente Lula editou a Medida Provisória nº 1.202/2023. O texto previa a retomada gradual da carga tributária sobre 17 atividades econômicas e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da volta da tributação sobre o setor de eventos. Na sequência, o Congresso aprovou a Lei nº 14.784/2023, que, além de prorrogar a desoneração desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária. Lula vetou vários artigos, mas esses vetos foram todos derrubados pelo Congresso.

A repercussão negativa da liminar de Zanin caiu no colo do presidente Lula por duas razões. A primeira foi o próprio recurso impetrado pela AGU, decisão que já havia deixado Pacheco muito contrariado porque foi tomada sem que os líderes que negociaram a suspensão da sessão do Congresso que apreciaria os vetos do presidente Lula às emendas parlamentares ao Orçamento fossem informados. Isso passou a impressão de que o governo negocia como quem usa um porrete com luvas de pelica.

A segunda foi a decisão ter sido tomada por Zanin, ex-advogado e ministro indicado pelo próprio presidente Lula, o que foi interpretado no Congresso como resultado de uma interferência direta do chefe do Executivo junto ao ministro. Institucionalmente, porém, o fato de Zanin ser o relator é uma decorrência do regimento do Supremo, que estabelece as regras para distribuição dos processos. E o Executivo tem todo o direito de questionar a constitucionalidade de qualquer decisão do Congresso.

Mas em se tratando de uma decisão que já havia sido tomada antes, durante a pandemia, e que foi apenas prorrogada pelo Congresso, depois de sucessivos embates entre o governo, nos qual os vetos foram todos derrubados por maioria acachapante, o pedido de liminar soa como uma declaração de guerra ao Congresso em matéria fiscal, quando começa a tramitar a regulamentação da reforma tributária.

Segundo Pacheco, Câmara e Senado trabalharam desde a transição de governo para estimular a arrecadação de impostos e o crescimento da economia, o que proporcionou recordes sucessivos de arrecadação até agora. O governo deveria enfrentar a questão com um corte inteligente de gastos e não confrontando o Congresso, que não pretende aumentar a carga tributária existente. Pelo contrário, a tendência do Legislativo é reduzir os impostos.

 

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