O Globo
Lula só conseguiria o que quer, juros menores
e mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega
O presidente Lula quer,
ao mesmo tempo, acelerar os gastos do governo e obter uma redução significativa
na taxa de juros. São objetivos incompatíveis. O aumento da despesa acima da
receita produz déficit, coberto com dinheiro tomado emprestado pelo governo. O
crescimento da dívida, já contratado para este e os próximos anos, aumenta o
gasto do governo com juros. Isso eleva a taxa de juros da economia. E o governo
fica procurando quebra-galhos para reduzir os juros de alguns setores.
Nesta semana, Lula anunciou um programa para conceder crédito a microempreendedores, micro, pequenas e médias empresas, a juros favorecidos — alguma taxa abaixo do que os beneficiados obteriam em condições normais de mercado. Deve haver, portanto, algum subsídio. E um apoio no sentido mais amplo: abrir o crédito para setores que não o obteriam no mercado.
Não é certo que o programa funcione.
Primeiro, porque não se sabe como funcionará. Segundo, porque uma coisa é
oferecer o crédito, outra é o empreendedor e a empresa tomarem o empréstimo.
Neste ano, caiu a concessão de microcrédito em relação a 2023.
Interessa mais aqui a lógica dessa política
econômica. Lógica — pode ser ruim, mas tem. Seguinte: na falta de um ambiente
favorável a uma queda significativa e sustentável da taxa básica de juros, o
governo tem de inventar programas dirigidos a determinados públicos,
selecionados para ter direito a juros menores que os outros.
Qual o critério de escolha? Pode ser
econômico. Favorecer alguma indústria importante. Ou político. De
representantes do próprio governo, explicou-se que o programa de crédito visava
a beneficiar empreendedores e empresários porque nesse setor a avaliação da
gestão petista vai mal. A seleção pode ainda ser formada pelos poderosos
lobbies. Nos três casos, não funciona. Quer dizer, pode até funcionar para os
beneficiários, mas não para o conjunto da economia.
E, no limite, contribui para a alta da taxa
de juros para os outros. Resumindo, bem resumido: se a taxa para uma
determinada situação econômica é de 11% ao ano e se alguns pagarão 8%, então os
outros terão de pagar 12%, 13%, 14% ou mais para compensar. Tudo considerado —
o aumento do gasto público e, pois, da dívida, mais as concessões de crédito
favorecido a muitos setores colocam um limite à redução da taxa básica de
juros, praticada pelo Banco Central.
Eis no que dá a política econômica de Lula,
que é, afinal, a repetição do que se fez no governo Dilma.
Aumentar a dívida pública é o principal
problema. O BC fala em “risco fiscal”, que resulta do desequilíbrio crescente
das contas do governo. Quanto maior esse risco, menor o espaço para queda dos
juros. A concessão de crédito favorecido, o quebra-galho, acrescenta outro
fator: o conjunto dos agentes econômicos terá de pagar mais pelos empréstimos.
O resultado geral é uma queda na capacidade
de consumo e de investimento, um obstáculo ao crescimento. Exatamente o
contrário do que deseja Lula, que piora as coisas quando ataca seus críticos.
Nesta semana, o presidente disse que o mercado considera gasto o que se aplica
em saúde, educação, programas sociais. É investimento, diz. Que seja, mas tem
de pagar do mesmo modo. Segundo Lula, o mercado só considera investimento o
superávit primário.
Um equívoco. Ninguém acha, ninguém diz que
superávit é investimento. É outra coisa, bem diferente. Se o governo fizesse
superávit — gastando menos do que arrecada —, poderia, com essa “sobra”, servir
a dívida, quer dizer, pagar os juros e amortizar o principal. Em vez de tomar
dinheiro emprestado para pagar déficit, como faz agora. Se fizesse superávit, o
“risco fiscal” percebido seria menor, havendo, pois, mais espaço para redução
de juros para todo mundo. Logo, melhores condições para consumo e investimento.
Lula só obteria o que quer, juros menores e
mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega. Mas
ele não acredita nisso.
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