sábado, 27 de abril de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - É o contrário

O Globo

Lula só conseguiria o que quer, juros menores e mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega

O presidente Lula quer, ao mesmo tempo, acelerar os gastos do governo e obter uma redução significativa na taxa de juros. São objetivos incompatíveis. O aumento da despesa acima da receita produz déficit, coberto com dinheiro tomado emprestado pelo governo. O crescimento da dívida, já contratado para este e os próximos anos, aumenta o gasto do governo com juros. Isso eleva a taxa de juros da economia. E o governo fica procurando quebra-galhos para reduzir os juros de alguns setores.

Nesta semana, Lula anunciou um programa para conceder crédito a microempreendedores, micro, pequenas e médias empresas, a juros favorecidos — alguma taxa abaixo do que os beneficiados obteriam em condições normais de mercado. Deve haver, portanto, algum subsídio. E um apoio no sentido mais amplo: abrir o crédito para setores que não o obteriam no mercado.

Não é certo que o programa funcione. Primeiro, porque não se sabe como funcionará. Segundo, porque uma coisa é oferecer o crédito, outra é o empreendedor e a empresa tomarem o empréstimo. Neste ano, caiu a concessão de microcrédito em relação a 2023.

Interessa mais aqui a lógica dessa política econômica. Lógica — pode ser ruim, mas tem. Seguinte: na falta de um ambiente favorável a uma queda significativa e sustentável da taxa básica de juros, o governo tem de inventar programas dirigidos a determinados públicos, selecionados para ter direito a juros menores que os outros.

Qual o critério de escolha? Pode ser econômico. Favorecer alguma indústria importante. Ou político. De representantes do próprio governo, explicou-se que o programa de crédito visava a beneficiar empreendedores e empresários porque nesse setor a avaliação da gestão petista vai mal. A seleção pode ainda ser formada pelos poderosos lobbies. Nos três casos, não funciona. Quer dizer, pode até funcionar para os beneficiários, mas não para o conjunto da economia.

E, no limite, contribui para a alta da taxa de juros para os outros. Resumindo, bem resumido: se a taxa para uma determinada situação econômica é de 11% ao ano e se alguns pagarão 8%, então os outros terão de pagar 12%, 13%, 14% ou mais para compensar. Tudo considerado — o aumento do gasto público e, pois, da dívida, mais as concessões de crédito favorecido a muitos setores colocam um limite à redução da taxa básica de juros, praticada pelo Banco Central.

Eis no que dá a política econômica de Lula, que é, afinal, a repetição do que se fez no governo Dilma.

Aumentar a dívida pública é o principal problema. O BC fala em “risco fiscal”, que resulta do desequilíbrio crescente das contas do governo. Quanto maior esse risco, menor o espaço para queda dos juros. A concessão de crédito favorecido, o quebra-galho, acrescenta outro fator: o conjunto dos agentes econômicos terá de pagar mais pelos empréstimos.

O resultado geral é uma queda na capacidade de consumo e de investimento, um obstáculo ao crescimento. Exatamente o contrário do que deseja Lula, que piora as coisas quando ataca seus críticos. Nesta semana, o presidente disse que o mercado considera gasto o que se aplica em saúde, educação, programas sociais. É investimento, diz. Que seja, mas tem de pagar do mesmo modo. Segundo Lula, o mercado só considera investimento o superávit primário.

Um equívoco. Ninguém acha, ninguém diz que superávit é investimento. É outra coisa, bem diferente. Se o governo fizesse superávit — gastando menos do que arrecada —, poderia, com essa “sobra”, servir a dívida, quer dizer, pagar os juros e amortizar o principal. Em vez de tomar dinheiro emprestado para pagar déficit, como faz agora. Se fizesse superávit, o “risco fiscal” percebido seria menor, havendo, pois, mais espaço para redução de juros para todo mundo. Logo, melhores condições para consumo e investimento.

Lula só obteria o que quer, juros menores e mais crescimento, se fizesse (e falasse) o contrário do que faz e prega. Mas ele não acredita nisso.

 

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