sexta-feira, 26 de abril de 2024

César Felício - Violência deve entrar nas eleições pela pior forma

Valor Econômico

Milicianização da política está longe de ser um fenômeno observado apenas no Rio de Janeiro e as facções criminosas que atuam em escala inicial estão no mercado eleitoral

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, Belém, Porto Alegre, tiveram em 2024 o verão com menos assassinatos dos últimos cinco anos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, repassados pelas secretarias estaduais.

As linhas não foram em direção única, mas o sentido quase sempre é de declínio. No Rio, houve um repique no primeiro trimestre de 2023 (312 homicídios), mas queda forte entre janeiro e março deste ano (160). Em 2020, foram 327 os mortos no início do ano. Em Fortaleza a contagem das mortes violentas subiu em 2024 (214, ante 164 no mesmo período no ano passado), mas segue bem abaixo da observada em 2020 e 2021 (323 e 244).

O termômetro das estatísticas na área da violência urbana passa muito longe de medir com exatidão a febre que acomete a grande maioria da população nessas metrópoles.

Há uma crise que se sente em toda parte, que anda nas cabeças, anda nas bocas, fala alto nos botecos e grita nos mercados com certeza, para lembrar Chico Buarque. Para ficar no exemplo mais recente, uma empresa de pesquisa, a Atlas Intel, divulgou nessa quarta um levantamento sobre a principal preocupação entre cariocas e paulistanos. Era possível fazer mais de uma escolha. Segurança pública foi um fator apontado por 73% dos pesquisados no primeiro caso e 67% no segundo.

Uma estatística como essa em queda significa que existe algum controle em ação, mas nem sempre as rédeas estão nas mãos do agente público. Às vezes é o oposto. Um exemplo clássico é o Rio de Janeiro. Segundo dados compilados com base em 1 milhão de informações do Disque Denúncia pelo pesquisador Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, a área sob controle de grupos armados na região metropolitana do Rio ficou relativamente estável entre 2019 para cá.

Passou de 472,8 para 463,7 quilômetros quadrados no período. Sendo que o salto em relação a 2018, ano da intervenção federal no setor, é relevante: há seis anos a área era de 371,4 quilômetros quadrados.

Em relação à area total da região metropolitana, as milícias e as facções mandavam em 19,2% em 2023. No ano da intervenção era 15,4%. E há uma dinâmica perturbadora: existe uma oscilação entre a hegemonia das milícias e do Comando Vermelho nos últimos anos, mas há pouco território tomado entre ambos. Se expandem por colonização, não por conquista, definiu Hirata.

O que significa que expansão e consolidação de estruturas criminosas podem perfeitamente conviver com taxas menores de homicídio, já que parte importante dos crimes letais vem da disputa entre grupos armados. Quando grupos criminosos entram em guerra, a taxa sobe. Quando há domínio de uma ala ou um acordo, a taxa cai. Fortaleza é um exemplo. A capital cearense chegou a registrar 2 mil homicídios em um ano, o de 2017, auge da guerra entre Comando Vermelho e Guardiões do Estado (GDE), uma espécie de franquia local do PCC. Em 2023 foram 723, sem que possa se identificar uma ação governamental que tenha mudado a dinâmica criminal, de acordo com Luiz Fabio Paiva, coordenador de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.

O que não muda é o código de conduta opressivo: circular com o vidro do carro abaixado ou retirar o capacete, se motociclista; pagar proteção; evitar relacionamentos com pessoas de determinadas regiões da cidade; obedecer a toque de recolher e por aí vai.

A lógica de facções vai tomando conta de toda a prestação de serviço público ou privado. O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), relatou a esta coluna uma ocasião em que tentou mediar um conflito fundiário, para implantar um programa habitacional. Logo percebeu que estava negociando com representantes de facções. Lá tem Comando Vermelho e o Bonde dos 13, vinculado ao PCC.

O resultado na economia é empobrecimento. “O controle territorial tem impacto concentrado. É difícil ir e vir, empreender, trabalhar como empregado e chegar na hora. Ele restringe as atividades econômicas. Não é só a pobreza que conduz ao crime, o crime também conduz à pobreza”, diz o diretor do Centro de Estudos de Criminalidade da Universidade Federal de Minas Gerais, Claudio Beato.

O caráter desestruturador do crime organizado, permeia o cenário eleitoral municipal, mas não o define. Todo candidato competitivo nas capitais e nos grandes centros urbanos terá que ter algo a dizer a respeito, mas é pouco provável que se eleja com essa bandeira. “As eleições nas capitais não aguentam um candidato monotemático”, opina o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.

Ele argumenta que nem tudo é emoção em uma eleição brasileira. O eleitor brasileiro está apavorado com a crise de segurança, mas tem razoável noção do que um prefeito é capaz de realizar e do que cabe ao governador ou, em última instância, a um presidente.

O grande risco, decorrente da ocupação territorial, é o da recrutagem. A milicianização da política está longe de ser um fenômeno observado apenas no Rio de Janeiro e as facções criminosas que atuam em escala inicial estão no mercado eleitoral. No dia 16, três vereadores foram presos em São Paulo investigados por envolvimento de uma quadrilha do PCC especializados em fraudes a licitações. Um deles era pré-candidato a prefeito de Santa Isabel. E muito mais deve vir pela frente no mesmo sentido.

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