Desperdício e má gestão explicam falta de vacinas
O Globo
Enquanto governo Lula jogou fora 59 milhões
de doses, em quase metade dos estados há carência nos postos
Em quase dois anos de governo, o Ministério da
Saúde não resolveu os problemas de logística que prejudicam o
abastecimento de vacinas e levam ao desperdício. Responsável pela compra e
distribuição das doses aos estados, a pasta tem argumentado que não há escassez
generalizada e que tem comprado novos lotes. Mas a todo momento vêm à tona
casos de estoques zerados, em especial nas vacinas contra Covid-19. O cidadão
que vai aos postos em busca de vacina é
quem acaba punido.
Reportagem do GLOBO feita por meio da Lei de Acesso à Informação revela que o governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou vencer 58,7 milhões de vacinas desde 2023, a maior parte delas — 45,7 milhões — contra Covid-19. O total jogado fora apenas nos dois primeiros anos do governo Lula supera todo o desperdício na gestão Jair Bolsonaro, que já descartara inacreditáveis 48,2 milhões de doses.
A perda ocorre devido a compras próximas ao
vencimento e à baixa procura, que acarreta encalhe. O governo alega que, em
2023, já recebeu milhões de doses próximas do vencimento e que foi obrigado a
descartá-las. Independentemente do motivo, a inépcia causou prejuízo de R$ 1,75
bilhão apenas no governo Lula, valor escandaloso num país em crise fiscal
aguda.
Enquanto se joga vacina no lixo, a escassez
nos postos tem sido rotina. Faltam vacinas em 11 estados e no Distrito Federal,
entre elas a contra Covid--19, segundo levantamento do portal Metrópoles. Não
se pode dizer que seja um problema ocasional. Em setembro, um levantamento da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) identificou que 65% das cidades
brasileiras relatavam falta de vacinas, em alguns casos por mais de 90 dias. Na
época, o ministério alegou que alguns lotes próximos do vencimento precisaram
ser substituídos, atrasando a entrega.
Os problemas não se resumem à inépcia na
gestão dos estoques e ao desperdício. Há decisões incompreensíveis.
Recentemente, o Ministério da Saúde recusou um lote de 3 milhões de doses
contra a Covid-19 atualizadas para a variante JN.1. Elas seriam entregues pela
farmacêutica Moderna até dezembro em substituição às antigas. Mas o governo
optou por receber a vacina para a cepa XBB — desatualizada a ponto de nem ser
mais produzida. A pasta alegou que a nova ainda não tem registro na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ora, o problema poderia ser
resolvido com a própria Anvisa, como já ocorreu ao longo da pandemia. Aplicar
vacina desatualizada não é uma alternativa aceitável.
O Ministério da Saúde precisa regularizar os
estoques, corrigir problemas na distribuição e calibrar as compras de acordo
com a demanda. O Brasil acaba de recuperar o certificado de país livre do
sarampo, como resultado dos esforços de vacinação. Assim como nos casos do
sarampo ou da Covid-19, a vacinação é a arma mais eficaz — quando não a única —
para combater diversas doenças.
A imunização já enfrenta obstáculos de toda
sorte para assegurar o patamar de cobertura necessário para deter a circulação
de vírus e outros patógenos: desinformação, dificuldade de acesso ou a noção
equivocada de que, por estar controlada, uma doença não representa mais risco.
O mínimo a exigir do governo é que haja vacina nos postos. Nada mais frustrante
do que chegar lá e não encontrá-la. Pior: porque a validade expirou e teve de
ser jogada fora.
Cooperação de militares é essencial para
garantir a segurança do G20
O Globo
Em meio a crise de violência, integração
entre diferentes forças contribuirá para manter ordem
Foi acertada a decisão do governo federal de
incluir as Forças Armadas no esquema de segurança do G20, encontro de cúpula
que reunirá no Rio, nos próximos dias, representantes de 40 países, 15
organismos internacionais e líderes das maiores economias do mundo, entre eles
o americano Joe Biden,
o chinês Xi Jinping e
o francês Emmanuel
Macron. O decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que respalda
a atuação dos militares, foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
na sexta-feira e valerá de hoje até 21 de novembro. Mais que o temor por
protestos comuns nesses eventos, o reforço ganha importância diante das explosões de
ontem em Brasília e da crise aguda que o crime organizado tem
trazido à segurança pública.
O esquema envolverá 9 mil militares, que
trabalharão em conjunto com outras forças federais e estaduais. Eles atuarão
essencialmente na segurança das comitivas, nas instalações que receberão
eventos oficiais e paralelos e nos locais de hospedagem de chefes de Estado. A
Força Aérea Brasileira (FAB ) ficará responsável pelo controle do espaço aéreo
e pela vigilância nos aeroportos Tom Jobim/Galeão e Santos Dumont. A Marinha
atuará na Baía de Guanabara e controlará o acesso ao porto. O Exército cuidará
de escoltas, da segurança nos locais de eventos e do patrulhamento das vias
principais.
Não há dúvida de que o megaesquema impactará
a rotina dos cidadãos. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), decretou feriado
nos dias 18 e 19 de novembro, com o objetivo de facilitar o deslocamento das
delegações. Com os feriados dos dias 15 (Proclamação da República) e 20 de
novembro (Consciência Negra), a cidade viverá um "feriadão" de seis
dias, com restrições por toda parte. Áreas de lazer nas imediações das
instalações dos eventos serão interditadas, e ruas sofrerão bloqueios. São
sacrifícios necessários para que tudo transcorra sem problemas.
São conhecidos os desafios brasileiros na
segurança. Só no mês passado, a reação de traficantes a uma operação policial
na Zona Norte provocou cenas de terror na Avenida Brasil, principal acesso à
capital fluminense. Na última sexta-feira, um empresário que delatara uma
facção criminosa e policiais corruptos foi executado à luz do dia na área de
desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, o mais
movimentado do país.
O Brasil, é verdade, tem experiência
acumulada em grandes eventos, como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), a Copa do Mundo de 2014 ou a Olimpíada Rio
2016. Todos contaram com esquemas de policiamento com a participação integrada
das forças de segurança dos três níveis de governo. E todos transcorreram sem
sobressalto. Como noutras ocasiões, a GLO tem prazo determinado. As Forças
Armadas retomarão suas atribuições, e a rotina voltará ao que era. O esforço
conjunto aponta, contudo, um caminho. Planejamento, cooperação,
compartilhamento de informações e, principalmente, participação ativa do
governo federal são fundamentais para conter as ameaças.
Emendas de qualquer natureza precisam de
total transparência
Valor Econômico
É legítimo os parlamentares poderem
direcionar recursos para suas bases, mas é preciso que as emendas beneficiem
regiões ou conjunto de cidades e supram carências reais da população, não
necessidades eleitorais
Relatórios da Controladoria Geral da União
(CGU) sobre a aplicação dos recursos destinados a municípios por meio das
emendas parlamentares mostram falta de transparência, de senso de prioridade,
um direcionamento fora dos padrões legais e falhas na execução - embora o
dinheiro tenha sido enviado desde 2020, boa parte das obras sequer começou.
Esses defeitos são mais evidentes nas verbas enviadas por meio de emendas do
relator, que foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que se
trasvestiram depois em emendas de comissão. Essas emendas motivaram as
auditorias da CGU, ordenadas pelo ministro Flavio Dino, do STF, que suspendeu
os repasses.
Houve um acordo para que Executivo e
Legislativo colocassem um fim à obscuridade que cerca as emendas de comissão e
as Pix, que sequer precisam de objeto determinado e podem ser usadas para
qualquer finalidade. A Câmara elaborou e aprovou um projeto de lei que está no
Senado e pode ser aprovado em breve. Ele ameniza algumas das falhas mais
evidentes, ao determinar a separação da conta que receberá os recursos e tornar
obrigatórios a finalidade do uso do dinheiro e o andamento de sua aplicação,
mas ainda apresenta lacunas quanto à identificação dos autores das emendas.
Em setembro, a CGU fez auditoria nos dez
municípios que mais receberam emendas do relator, depois de comissão. Metade
deles era do Amapá, território político do senador Davi Alcolumbre (União
Brasil), que comandou o Senado em 2019 e 2020, no governo Bolsonaro, e deve
dirigi-lo nos próximos dois anos, sob o governo Lula. Uma das constatações é
que não havia urgência a requerer as verbas e, em alguns casos, nenhuma
prioridade. Pracuúba, município com apenas 3,2 mil habitantes, por exemplo,
recebeu recursos desde 2020, para construir quatro campos de futebol, dois
deles na mesma comunidade, que não saíram até agora do papel.
A CGU verificou que 43% das obras, fruto de
R$ 341 milhões em emendas, não haviam sido sequer iniciadas. Tartarugalzinho,
com 12 mil habitantes, recebeu em 4 anos R$ 24 milhões, o dobro do orçamento
próprio do município. Foram executados R$ 181 mil e R$ 2,3 milhões teriam sido
gastos em saúde, cujos rastros não puderam ser confirmados, pois a CGU não
encontrou elementos seguros para isso (Valor,
26 de setembro).
Mais de três quartos (77%) das verbas foram
identificadas em nome de prefeitos ou secretários dos municípios, mas não do
parlamentar responsável pela emenda. As dez prefeituras que mais se
beneficiaram dos recursos têm no conjunto 61 mil habitantes, o que dá uma média
de repasse per capita de R$ 5,3 mil, mais de mil vezes o valor atribuído às
emendas para São Paulo. Além da ausência de prioridade e baixa execução, o
relatório da CGU aponta a compra de equipamentos em pequenas quantidades, com
menor concorrência na seleção de fornecedores e valores mais altos. Nem sempre
foi possível localizar os bens adquiridos.
Quase todos os graves defeitos encontrados
nos casos de recursos enviados pelas emendas de comissão foram encontrados
também nos das demais emendas (individuais e de bancadas), auditados
posteriormente pela CGU. Relatório recente do órgão aponta que de 256 obras
pesquisadas, 38,5% não foram iniciadas. Pior, sete das dez Organizações Não
Governamentais (Ongs) que mais receberam recursos, um total de R$ 482,3 milhões
entre 2020 e 2024, não tinham capacidade técnica de execução dos projetos para
os quais foram escolhidas, e em duas há indícios de prática de sobrepreço. O
diagnóstico: mecanismos de governança “inadequados, frágeis e desatualizados”,
afetando a “transparência nas operações e tomada de decisões”. Imprecisões no
detalhamento da contratação impediram averiguação sobre se os serviços foram
prestados de forma adequada.
Nas emendas Pix, saudadas como uma maneira de
se evitar a lenta burocracia dos convênios com a Caixa Econômica Federal, a
visibilidade de quem fornece os recursos e de seu destino são nulas, já que a
finalidade das verbas não é determinada, podendo ser usadas para custeio da
máquina.
O projeto aprovado na Câmara ratifica a
necessidade de que as emendas sejam direcionadas a “obras estruturantes”, mas
criou novas opções nesta categoria, a ponto de na prática tudo se tornar
“estruturante”. As emendas de comissão, filhas do orçamento secreto, passaram a
ter tratamento de obrigatórias (não são), pois o governo só poderá cortá-las se
fizer o mesmo com os gastos discricionários. No orçamento de 2025, foram
garantidos R$ 11,5 bilhões para comissões, levando o total das emendas a perto
de R$ 50 bilhões, um quarto dos gastos livres do Executivo, uma enormidade na
comparação com parlamentos de outros países.
O Senado tem o dever de corrigir o projeto e
zelar pela transparência total na identificação, finalidade e destino dos
recursos. É legítimo os parlamentares poderem direcionar recursos para suas
bases, mas é preciso que as emendas beneficiem regiões ou conjunto de cidades e
supram carências reais da população, não necessidades eleitorais.
Toffoli premia a corrupção e pune o erário
Folha de S. Paulo
Decisões monocráticas do ministro do STF
contra a Lava Jato derrubam ações em que se cobravam mais de R$ 17 bi dos
envolvidos
Reportagem da Folha mostrou que
decisões do ministro Dias Toffoli,
do Supremo
Tribunal Federal, a respeito de casos da Operação Lava
Jato derrubaram ações em que
o Ministério Público cobrava mais de R$ 17 bilhões de envolvidos.
Ainda que nem todo esse montante viesse a se
materializar em decisões da Justiça, a escala de grandeza impressiona. Trata-se
de um prêmio à corrupção que
impõe mais perdas a um poder público já largamente deficitário.
Toda a sociedade arcará com esse prejuízo na
forma de dívida pública sobre a qual incidem juros escorchantes e em alta.
Aos danos materiais para o erário somam-se os
danos reputacionais para o Supremo, cujo valor é intangível. Se existe um
assunto fundamental com o qual a corte não soube lidar, é a Lava Jato.
Não se trata de negar a complexidade da
situação. Depois que determinou a incompetência do foro de Curitiba para julgar
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
bem como a suspeição do ex-juiz Sergio Moro,
o STF previsivelmente
recebeu centenas de pleitos de defensores para reavaliar a situação de réus e
investigados.
No mais significativo desses casos, Toffoli
decidiu monocraticamente tornar
imprestáveis todas as provas derivadas da colaboração premiada
da empreiteira Odebrecht. Foi a partir dessa decisão deletéria que o próprio
magistrado determinou boa parte das anulações e arquivamentos que vão erodindo
os bilhões de reais pretendidos.
Os executivos da
Odebrecht que decidiram cooperar com a Justiça, cumpre
recordar, confessaram seus crimes. Mais do que isso, apresentaram provas
materiais dos malfeitos.
Para contornar essa dificuldade, o ministro
recorreu a uma interpretação exuberante. Comparou a situação dos executivos à
de torturados, que não teriam agido de livre e espontânea vontade, como exige a
legislação de colaborações premiadas.
Acredite quem quiser nessa tese. Os
empresários que confessaram eram assistidos por alguns dos melhores advogados
do país, que não costumam fechar os olhos para situações de tortura.
De qualquer modo, se Toffoli está tão
convicto de que suas decisões monocráticas apenas traduzem decisões coletivas
anteriores da corte, deveria ter levado esse e outros casos de maior
repercussão para o plenário ou pelo menos para a turma. Como não o fez, acaba
atraindo para si mesmo especulações e suspeitas.
Tampouco ajuda o magistrado —que chegou ao
posto graças a suas ligações com Lula e o PT— o fato de sua
mulher advogar para um dos grupos empresariais beneficiados por
suas decisões. Há juízes que se declaram impedidos quando vivem esse tipo de
conflito de interesses.
Já passa da hora de os 11 ministros do
Supremo se darem conta de que, principalmente nos processos de maior octanagem
política ou econômica, decisões monocráticas são um mal a evitar, não um veio a
explorar.
Vantagens atestadas do ensino médio em tempo
integral
Folha de S. Paulo
Pesquisa demonstra que há ganhos na
aprendizagem e abre portas para a educação superior e o mercado de trabalho
Maior gargalo da educação pública,
o ensino médio no país registra mau desempenho em exames de avaliação e altos
índices de evasão escolar. São auspiciosos, portanto, os resultados de
pesquisa sobre os impactos do período integral na vida
acadêmica e profissional desses alunos.
O estudo, realizado pelos pesquisadores
Naercio Menezes Filho e Luciano Salomão, em parceria com o Instituto Natura,
demonstrou ganhos significativos para estudantes submetidos a carga superior a
35 horas semanais (7 diárias) em relação a egressos da jornada parcial, com 20
horas semanais (4 por dia).
Os jovens com mais tempo de estudo alcançaram
maior participação no Enem (16,5%
a mais); melhores
notas (em média, 29 pontos a mais na redação); mais matrículas
no ensino superior (5,8%, no geral, e 7,7% se consideradas as instituições
públicas); e até vagas de trabalho (3% a mais nos empregos formais para o mesmo
município avaliado).
De 2017 a 2019, a pesquisa acompanhou mais de
1 milhão de jovens que ingressaram no ensino médio em ambas as modalidades.
Após os anos de pandemia, voltou a monitorá-los em 2022.
Os pesquisadores ressaltam que as vantagens
incluem avanços nos indicadores educacionais e socioeconômicos. O período
prolongado intensifica as conexões entre professores e estudantes, possibilita
que ambos qualifiquem suas tarefas e amplia o leque de disciplinas eletivas.
De modo geral, a etapa educacional que
antecede o ensino superior —e aqui, registre-se, apenas 25% dos jovens de 18 a
24 anos o alcançam— está estagnada.
Mesmo considerando a somatória de escolas
públicas e privadas (8 em 10 alunos estudam em unidades do Estado), o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) registrou, de zero a 10, nota média
de 4,2 em 2019 e 2021 e 4,3 em 2023 —ainda longe da nada ambiciosa meta de 4,9.
A disseminação do tempo integral também
avança a passos lentos e de forma desigual pelos estados —apenas quatro
atingiram a meta de que o país adentrasse 2024 com pelo menos metade das
escolas nesse formato e 25% das matrículas do ensino infantil ao médio. Essas
proporções atingem hoje, respectivamente, apenas 30,5% e 20,6%.
Realidade há décadas nas nações
desenvolvidas, a jornada estendida proporciona
ganhos em todos os níveis da vida escolar. No ensino médio, em
particular, pode ser a diferença entre uma formação incompleta e a universidade,
entre o subemprego e uma carreira profissional.
Segurança começa com policial honesto
O Estado de S. Paulo
Execução de delator do PCC no Aeroporto de
Guarulhos expôs a ligação entre maus policiais e a facção. Urge uma depuração
das polícias, sem a qual não há plano de segurança que funcione
A execução pública de Antonio Vinicius
Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos, na tarde do dia 8 passado, ganhou
contornos de vendeta, ao estilo mafioso. A depender do curso das investigações
daquele brutal assassinato, o caso pode servir como uma oportunidade de ouro
para o governo de São Paulo depurar as Polícias Civil e Militar (PM),
expurgando de seus quadros alguns maus policiais que se aproveitam do poder e
da credibilidade das forças de segurança do Estado para cometer crimes.
Pelo fato de Gritzbach ter operado um
milionário esquema de lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital
(PCC), uma das linhas de investigação de sua morte é, obviamente, a “queima de
arquivo”. Afinal, por se tratar de um criminoso ligado ao PCC em um ponto
nevrálgico das atividades da facção – o controle financeiro –, Gritzbach sabia
de muita coisa e decerto conhecia muita gente que seus comparsas não gostariam
de ver reveladas. Essa hipótese, é evidente, tem de seguir como um dos
horizontes da investigação a cargo da força-tarefa criada pela Secretaria da
Segurança Pública (SSP) de São Paulo para apurar a autoria e a motivação do
crime.
Todavia, a íntegra dos anexos do acordo de
colaboração premiada firmado pelo dublê de empresário e criminoso com o
Ministério Público de São Paulo (MP-SP), à qual o Estadão teve
acesso, revela que, se Gritzbach era um “arquivo vivo”, este arquivo já havia
sido escancarado às autoridades paulistas bem antes de sua morte por meio de
uma série de depoimentos gravados pelo MP-SP e provas documentais entregues
pelo réu colaborador aos promotores, o que reforça a hipótese de vingança.
Um grupo de policiais de duas delegacias e
dois departamentos da Polícia Civil de São Paulo estão entre as figuras
centrais da delação de Gritzbach ao parquet. Em um dos anexos, consta a
acusação contra agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais
(Deic), do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e dos
distritos policiais (DPs) de Ermelino Matarazzo (24.º DP) e Tatuapé (30.º DP).
Segundo os registros deixados por Gritzbach, alguns policiais lotados nessas
unidades teriam interferido na condução de inquéritos, cujos números foram
fornecidos pelo colaborador, para impedir a identificação de membros do PCC
como autores de uma pletora de crimes.
Essa guarida, é claro, teria sido regiamente
remunerada pelo PCC. Consta que apenas um dos criminosos protegidos por esses
policiais suspeitos de estarem a serviço do crime organizado teria pagado,
segundo Gritzbach, nada menos que R$ 70 milhões a título de propina. A SSP,
como não poderia deixar de ser, afastou todos os policiais citados na delação
até que as investigações sejam concluídas.
Outra questão a ser esclarecida pela SSP é a
razão de ao menos oito policiais militares da ativa terem sido contratados por
Gritzbach para servirem de seguranças particulares, o que é proibido pelo
regimento da PM. Ainda que o indigitado fosse o mais imaculado dos cidadãos, e
não um criminoso, policiais militares não podem prestar serviços de segurança
privada. A bem da verdade, esses policiais já eram investigados por isso pela
Corregedoria da PM. Agora, passaram a ser investigados também pela suspeita de envolvimento
na morte do “patrão”.
Como se vê, são gravíssimos os indícios de
conluio entre policiais civis e militares de São Paulo e o PCC, o que não chega
a ser novidade, haja vista que a facção só acumulou tanto poder porque contou
com a leniência ou a cumplicidade de agentes do Estado para chegar aonde
chegou. Este jornal espera, porém, que a investigação da desabrida execução de
Gritzbach, um teste para a colaboração entre as polícias estaduais e a Polícia
Federal, como deseja o governo federal, sirva como um ponto de inflexão nessa
promiscuidade entre policiais supostamente a serviço da lei e aqueles que a
violam de forma atrevida.
A sociedade não exige muito no que concerne à
segurança pública: só espera que policiais ajam como policiais, não como
bandidos. Sem o básico, não há política nessa área que dê resultado.
Geopolítica na montanha-russa
O Estado de S. Paulo
Linhas mestras do primeiro mandato de Donald
Trump se mantêm. Mas um Trump imprevisível como sempre encontrará um mundo
imprevisível como nunca
O gabinete de Donald Trump está sendo formado
mais rápida e ordenadamente do que em 2016. Ainda faltam indicações importantes
para completar o quadro, como a equipe econômica, para inferir até onde ele
pretende levar suas ideias heterodoxas. Já o time da política externa está
escalado, assim como o futuro responsável pelo Departamento de Justiça, um
trumpista radical de quatro costados.
Há uma linha de continuidade com seu primeiro
mandato: a guerra comercial com a China, a hostilidade ao multilateralismo, a
diplomacia transacional – além do embaraçoso apreço por “homens fortes”. Mas há
duas grandes diferenças em relação a 2016.
Internamente, sua equipe é mais
ideologicamente homogênea, ou seja, mais leal ao movimento MAGA (Make America
Great Again). Isso vale para os republicanos, que já têm maioria no Senado e
devem alcançá-la na Câmara. Mais importante: o mundo mudou, a começar por duas
guerras em que os EUA estão profundamente envolvidos.
No confronto com a China, Trump retoma o
bastão que passou a Biden. A diferença é de estilo. Biden investiu em alianças
no Pacífico. As armas de Trump estão no comércio. Os membros de sua equipe
claramente favorecem uma linha-dura. Se as promessas de uma ofensiva tarifária,
a pretexto de segurança nacional, intensificarem a dissociação das duas maiores
economias do mundo, os americanos pagarão literalmente um preço alto, e o
enfraquecimento das demandas chinesas por commodities custará aos exportadores para
a China, incluindo vizinhos e aliados dos EUA.
Em um Oriente Médio muito mais volátil, saem
as tentativas pouco frutíferas de Biden de desescalada e volta a “pressão
máxima” sobre o Irã. Isso não significa que Israel terá luz verde. Não porque
Trump vá derramar uma só lágrima pelos palestinos, mas ele não quer os soldados
americanos tragados em mais “guerras intermináveis”, buscará revitalizar uma
das conquistas de seu primeiro mandato – os Acordos de Abraão entre Israel e os
sunitas – e deve evitar distrações à disputa com a China.
Este último ponto tem implicações para a
Ucrânia. Trump sugeriu que terminaria a guerra antes até de tomar posse. Muitos
republicanos consideram um desperdício de dinheiro o apoio a uma Ucrânia que, a
seu ver, não tem como vencer. Seu vice, J. D. Vance, sugeriu um acordo em que a
Ucrânia cederia territórios e permaneceria neutra, ou seja, não aliada à Otan
ou à União Europeia. Em outras palavras, tudo o que Vladimir Putin quer. Mas,
por isso mesmo, esta proposta não está garantida. Trump quer se livrar do estorvo,
mas ceder a Putin ameaça seu valor maior: a imagem de si mesmo como um
“vencedor”.
A Europa, de todo modo, terá de cuidar da
própria segurança em um momento em que seus principais governos, a França e a
Alemanha, enfrentam uma crise de credibilidade e são pressionados por facções
nacional-populistas afins ao trumpismo. Bruxelas e a Otan provavelmente serão
ignoradas em favor de transações bilaterais. Quanto à economia global, a
reeleição de Trump abre um novo capítulo na degradação da globalização. A
dúvida é quão acelerada ela será.
Isto posto, qualquer pessoa que diga saber
com confiança o que Trump fará não merece confiança. Seu interesse por política
externa e seus instintos diplomáticos são voláteis. O Trump “isolacionista” é
refratário às ambições “neocons” de imiscuir o país em todo tipo de conflito em
lugares distantes, mas o Trump “unilateralista” gosta de se exibir como uma
figura poderosa capaz de intervir em grandes questões globais. Ele não só tem
uma personalidade errática, cuja disciplina e foco estão sendo visivelmente erodidos
pela idade, mas vê a imprevisibilidade como um ativo estratégico. No primeiro
mandato, era mais fácil entregar essa imprevisibilidade à retórica e
travesti-la de “doutrina”. Agora, ele pode ser forçado a reagir no improviso
aos eventos de um mundo muito mais instável.
Ninguém pode saber se suas promessas e
ameaças são blefes ou convicções até o jogo começar. Mas agora o jogo é outro.
Trump segue instável como sempre, mas o mundo está instável como nunca desde o
pós-guerra.
Autoridade Climática em ponto morto
O Estado de S. Paulo
COP-29 começou e órgão prometido por Lula da
Silva em 2022 continua no gogó do petista
O Brasil chegou à 29.ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, e a
Autoridade Climática segue no umbral das promessas vãs do presidente Lula da
Silva. Enquanto líderes de vários países já estão à frente e discutem
sofisticados mecanismos de financiamento de ações de mitigação dos efeitos da
mudança do clima, o petista nem sequer consumou a criação de um órgão que
aparentemente teria essa finalidade no País – e que, ademais, fora prometido
por ele ao longo da campanha eleitoral de 2022.
O governo, ao que parece, não sabe exatamente
o que será nem como será estruturada a tal Autoridade Climática, pressupondo, é
claro, que algum dia o órgão sairá do papel. Consta que ela serviria, em linhas
gerais, para direcionar as ações de adaptação às mudanças do clima no âmbito do
Poder Executivo federal e conduzir essa agenda de forma transversal entre todos
os Ministérios, o que seria positivo para o País e, em boa medida, para o
mundo. Mas uma plêiade de entraves, a começar pela falta de convicção do
presidente da República sobre a questão, tem mantido a Autoridade Climática em
ponto morto até agora.
A cada dia que passa, fica mais claro que a
promessa de criação da Autoridade Climática parece ter sido uma espécie de
chamariz para a adesão de Marina Silva ao primeiro escalão do governo que ainda
se formava no fim de 2022, um movimento de Lula da Silva para sinalizar que sua
nova administração representaria a chamada “frente ampla” que o elegeu.
Ademais, o movimento pode ter se prestado a evidenciar que um tema de
importância global teria lugar de destaque em seu terceiro mandato
presidencial.
Marina Silva, como se sabe, preferiu o
ministério, mas quer que o órgão seja parte da estrutura de sua pasta. Na vida
real, porém, a criação da Autoridade Climática não tem passado de uma cartada
do presidente da República sempre que ele se vê às voltas com uma crise
ambiental para administrar e/ou é instado a demonstrar compromisso e,
principalmente, ação nessa seara.
Recentemente, a ministra condicionou a
criação da Autoridade Climática à aprovação prévia do arcabouço legal sobre
emergências climáticas, ora em tramitação na Câmara (PL 3961/2020). O próprio
presidente já indicou que editaria uma medida provisória de mesmo teor. O fato
é que ambas as iniciativas – a criação da Autoridade Climática e a aprovação do
chamado Estatuto Jurídico das Emergências Climáticas – poderiam perfeitamente
caminhar pari passu. Afinal, é de “emergência” que se está tratando.
Tanta procrastinação escancara entraves
políticos que contaminam um debate que não pode ignorar suas imposições de
ordem técnica. Vale dizer, sem vontade política não haverá defesa genuína da
agenda ambiental. Sem ações eficazes para enfrentar tantos desafios na proteção
do meio ambiente, Lula da Silva só demonstra que muito fala e pouco faz. O que,
para lhe fazer justiça, é coerente. Afinal, a chamada “questão ambiental” nunca
interessou ao petista, a não ser quando a conveniência de seus interesses eleitorais
se impôs com a força dos fatos da natureza.
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