sexta-feira, 19 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula não pode mais fugir ao imperativo fiscal

O Globo

Mais uma vez ele foi ambíguo sobre o assunto — mas a realidade aritmética cobrará o preço de seu governo

O Brasil vive uma crise fiscal aguda e, se as medidas necessárias não forem tomadas a tempo, terá de enfrentar um cenário duplamente catastrófico: estagnação no crescimento e alta na inflação. A tarefa inescapável para fugir desse prognóstico é ajustar as contas públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, não haverá conserto. Levando em conta o pagamento de juros da dívida, o buraco supera 6% do PIB. Sem os juros, está ao redor de 1%. Mantida a situação atual, a dívida como proporção do PIB crescerá em todos os anos do atual governo, mesmo que a economia registre expansão anual entre 2% e 2,5%. É real o risco de Luiz Inácio Lula da Silva terminar seu terceiro mandato presidencial com a dívida bruta em 82% do PIB, 10 pontos percentuais acima do patamar de 2022.

José de Souza Martins - Incoerência na política

Valor Econômico

A sociedade é relacional e há nela uma significativa dimensão invisível e silenciosa, base da consciência social. O que parece fragmentado e separado - religião, política, economia - está a ela unido

Em 24 de janeiro de 2022, no “cercadinho” do Palácio da Alvorada, Hadassa Gomes, de 19 anos, de Sorocaba, perguntou ao então presidente Jair Bolsonaro: “Presidente, posso falar um verso bíblico para o senhor?”. Tornara-se comum a ida de evangélicos ao cercado para orar com ele ou ler para ele um trecho da Bíblia.

“É aquele verso que você gosta muito e eu também. É um dos meus favoritos: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’. E a verdade é Jesus, a verdade é a justiça, a verdade é a honestidade. E sabendo disso, dá para considerar que o senhor é uma farsa, presidente, por um acaso.”

O diálogo que se seguiu demonstrou as referências limitadas de interlocução do presidente. “Você veio aqui para falar isso?” “Sim”, respondeu ela: “Aquele que crê na Bíblia também questiona”. Ao que ele retrucou: “Você usa a palavra de Deus para chegar a mim e vem com essa mentira?”. E Hadassa esclarece os fundamentos de seu direito de questioná-lo: “O senhor não é Deus presidente”. Alguém, do grupo do cercadinho, retruca: “É sim...”

Fernando Gabeira - Tributo à confusão

O Estado de S. Paulo

Um grande nível de caos existe não apenas no conjunto das leis tributárias, mas, principalmente, na cabeça das pessoas

A reforma tributária está sendo comemorada como um grande avanço. Os mais prudentes dizem que é uma reforma possível, longe da ideal.

Para mim, existem aspectos muito brasileiros em todo esse esforço. O que era destinado a superar a grande confusão tributária acabou resultando em algo muito confuso, apesar das melhoras. O que nos leva a suspeitar que um grande nível de caos existe não apenas no conjunto das leis, mas, principalmente, na cabeça das pessoas.

A primeira constatação aparece na maneira como querem simultaneamente uma ampla isenção e uma tarifa baixa. É evidente que, quanto maior o número de produtos excluídos da cobrança, isso vai refletir nos outros.

A solução mágica foi determinar uma tarifa máxima, de 26,5%. Uma vez determinado esse patamar, era possível incluir entre os isentos, por exemplo, a carne, inclusive os tipos mais caros, consumidos por pessoas de alta renda.

Andrea Jubé - O balanço das horas na sucessão da Câmara

Valor Econômico

Se no calendário faltam seis meses para a eleição do sucessor de Arthur Lira na presidência da Câmara, na prática essa conta reduz-se a três por causa das eleições municipais

Na política, a aritmética não é exata. Não raro, o placar do plenário subtrai os votos contabilizados nas planilhas dos líderes, e, nas eleições para as Mesas Diretoras, os votos até se multiplicam. Quem não se lembra da eleição para presidente do Senado em 2019, quando surgiram 82 votos na urna de apenas 81 senadores?

Nessa toada, na tabuada da política, seis podem ser três. Se no calendário faltam seis meses para a eleição do sucessor de Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados, na prática essa conta reduz-se a três por causa das eleições municipais. Uma arritmia temporal que esfria mais rápido o café do chefe do Legislativo.

Luiz Carlos Azedo - Estupros, a cultura que nasce dentro de casa

Correio Braziliense

A ideia de que mulher que se dá ao respeito não é estuprada é falsa, machista e misógina, porém, sedimentada

Um dos aspectos mais perversos e desumanos da polarização política e ideológica que desagrega o tecido social brasileiro é a cultura da violência, que está se tornando hegemônica na sociedade, a partir de alguns conceitos que se apropriam do senso comum, porém, fogem completamente ao bom senso. Nunca houve tanta gente armada no Brasil nem um sentimento tão amplo a favor de que isso ocorra, mas os indicadores de violência mostram que a outra face da justiça pelas próprias mãos, da suposta autodefesa e do prendo e arrebento é o aumento da violência doméstica, principalmente contra crianças, que é fruto de uma situação de opressão no âmbito familiar.

Bernardo Mello Franco - O país do 171

O Globo

Quadrilhas se modernizam, e golpes à distância ultrapassam roubos nos números do crime

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública informa: sai o roubo à mão armada, entra o golpe pelo celular. Em 2023, as polícias registraram quase 2 milhões de estelionatos. O dado mostra que o país virou um paraíso para criminosos especializados no trambique à distância.

De acordo com o relatório divulgado ontem, houve queda expressiva nos roubos a pedestres (-13,8%), lojas (-18,8%) e bancos (-29,3%) na comparação com 2022. No mesmo período, os estelionatos subiram 8,2%, sendo 13,6% na versão eletrônica.

Flávia Oliveira - Desaparecidos para sempre

O Globo

Chama a atenção que os casos cresçam simultaneamente à redução nos casos de letalidade violenta

Quando o presidente Lula assinou o decreto de reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, no início de julho, emergiu como prioridade na retomada dos trabalhos o cemitério clandestino conhecido como Vala de Perus. Na área, dentro do Cemitério Dom Bosco, Zona Oeste da capital paulista, foram encontrados, em 1990, 1.049 sacos com ossos humanos, resultado de uma reportagem iniciada dois anos antes por Caco Barcellos, da TV Globo. O jornalista investigava homicídios praticados por PMs, que resultaram no best-seller “Rota 66: a história da polícia que mata”. Encontrou laudos sobre corpos enviados ao IML pelo Dops, a polícia política do regime, com a letra “T”, de terrorista, escrita em vermelho. Partiu daí a confirmação de denúncias feitas, desde os anos 1970, por familiares de vítimas da ditadura militar.

Rogério Furquim Werneck - Haddad e Lula

O Globo

Os intrincados jogos simultâneos do ministro da Fazenda com o Planalto e o mercado

Para avaliar as possibilidades da política econômica, é preciso ter em mente a real natureza da relação de Fernando Haddad com Lula da Silva. E, para isso, é útil ter em perspectiva o leque variado de relações distintas que ministros da Fazenda estabeleceram com presidentes da República ao longo dos últimos 30 anos.

Tirando bom proveito das rememorações do Plano Real, vale a pena ter em conta, por exemplo, que, em mais de uma ocasião, entre maio de 1993 e março de 1994, FHC se viu obrigado a deixar claro ao presidente Itamar Franco que se demitiria do cargo de ministro da Fazenda, caso o plano de estabilização viesse a ser comprometido por interferências impensadas.

Salta aos olhos que a relação de Haddad com Lula é de natureza completamente distinta. A ninguém ocorre que o atual ministro da Fazenda possa vir a confrontar o presidente com uma ameaça de demissão desse tipo. Lula bem sabe que Haddad jamais faria algo parecido.

Alvaro Gribel - Falta metade do caminho para cumprir alvo fiscal

O Estado de S. Paulo

Haddad obteve pequena vitória ao convencer Lula sobre os cortes, mas muitas batalhas ainda virão

Os R$ 15 bilhões de bloqueio e contingenciamento anunciados pela equipe econômica ontem resolvem metade do problema do governo para cumprir a meta fiscal deste ano. Isso significa que um novo anúncio semelhante precisará ser feito em meados de setembro – o que implicará, na verdade, desafio maior, já que o Orçamento estará mais apertado.

A meta deste ano é chegar ao déficit primário zero, mas o que o governo ainda tenta cumprir é o piso da banda (intervalo de tolerância), que permite um déficit de R$ 28,8 bilhões (o equivalente a 0,25% do PIB).

Bruno Boghossian - Maduro contempla uma derrota

Folha de S. Paulo

Sobressaltar eleitores com alerta de 'banho de sangue' em caso de vitória da oposição não é pouca coisa para o regime

A 11 dias da eleição, Nicolás Maduro pediu a seus partidários que contemplassem o que seria uma derrota do chavismo. O presidente recorreu a um truque do alarmismo político durante um comício e disse que o triunfo dos opositores, a quem chamou de fascistas, produzirá um "banho de sangue" e uma "guerra civil".

Disseminar o medo da violência e tratar a votação como questão de vida ou morte não é exatamente uma inovação na cartilha do populismo autoritário. Falar em fiasco no contexto da campanha deste ano, porém, não é pouca coisa para um regime que controla a máquina eleitoral e praticamente transformou a escolha de presidentes num processo de confirmação de seu poder.

Hélio Schwartsman - Hierarquia criminosa

Folha de S. Paulo

Vai se configurando cenário em que Bolsonaro responderá por crimes menores, mas poderá escapar de acusações por tentativa de golpe e falhas na gestão da pandemia

De tempos em tempos, surgem notícias detalhando malfeitorias e atitudes antirrepublicanas dos Bolsonaros. Acho ótimo que essas coisas sejam divulgadas. O povo precisa de circo, e é sempre bom conhecer os caminhos dos descaminhos da política.

Também fico feliz com o fato de Jair Bolsonaro ter tido sua inelegibilidade decretada pelo TSE, o que nos poupa de um cenário semelhante ao da volta de Trump nos EUA, e de ele ter sido indiciado pela PF no âmbito das investigações sobre a venda de joias e a falsificação de certificados de vacinação. Ao contrário da Suprema Corte dos EUA, creio que imunidades presidenciais devem ser bem restritas e não se aplicam a situações de obtenção de vantagem pessoal.

Vinicius Torres Freire - 'Taxadd' e as mentiras sobre impostos

Folha de S. Paulo

Campanha contra Fernando Haddad frauda ou não compreende estatísticas e tributos

Em junho, explodiu uma revolta contra outra tentativa de Fernando Haddad de aumentar impostos, ainda que não mexesse em alíquotas —foi a história do PIS/Cofins. Desde então, se tornou mais intensa a campanha contra "Taxadd", na qual há mentiras ou distorções sobre os números mais elementares.

Para começar, por triste ignorância, má-fé ou as duas coisas, compara-se a carga tributária bruta do GOVERNO GERAL de vários anos. "Governo geral" quer dizer governo central (federal), governos estaduais e governos municipais.

Seja lá o que se queira dizer sobre a carga de Lula 3 ou do presidente X, o governo federal não é responsável direto pela tributação estadual ou municipal.

André Roncaglia - Sobre memes e justiça tributária

Folha de S. Paulo

Ao tachar Haddad de 'Taxad', os ricos passam recibo do receio de perder mais desonerações injustas

Nesta semana, as redes antissociais foram inundadas com memes de Fernando Haddad e sua suposta insaciabilidade tributária. Taxad foi o apelido criado para difamar o Ministro da Fazenda.

Isso não é novidade na carreira de Haddad. Quando era prefeito de São Paulo, a onda era chamá-lo de "Radard", por ter apertado a fiscalização do trânsito selvagem de São Paulo. Um levantamento de 2015 mostrou que menos de 5% dos carros cometeram mais da metade das infrações multadas. A este grupo não interessava ter uma cidade mais segura para pedestres e motoristas.

Novamente, a campanha caluniosa tenta contaminar a população com insatisfações sentidas por grupos específicos. A agenda de justiça tributária de Haddad sofre ataque da extrema direita, que usa a tática de seu ideólogo, Steve Bannon, de "inundar a zona" (flood the zone) com desinformação. Basta observar a evolução da carga tributária nos últimos anos. Ajudado pela grande inflação pós-pandemia, pela depreciação cambial e pelas receitas polpudas do setor mineral, Paulo Guedes deixou um pico recente de 33,1% de carga tributária. No primeiro ano de Haddad, a carga caiu para 32,4%.

Igor Gielow - Trump veste manto de mártir em discurso flácido

Folha de S. Paulo

Com tom abaixo do usual, ex-presidente aceita candidatura sem inflamar a plateia

Ao longo desta semana de Convenção Nacional Republicana, Donald Trump comportou-se de forma imperial. Sem proferir uma palavra, apenas com olhares de satisfação a cada discurso, compartilhando versões de sua bandagem na orelha com vários dos presentes.

Foi assim que ele viu antigos desafetos, como Nikki Haley, praticarem genuflexão política ante a aura de favoritismo que só fez crescer com o esfarelamento da candidatura de Joe Biden e o atentado em que milímetros separaram a vida da morte do republicano.

Ao mesmo tempo, foi apresentado como um ser humano sob a coroa, a considerar sua troca de experiências na prática do golfe com a neta um exemplo disso. Considerando seu histórico, dificilmente convencerá algum eleitor-pêndulo, mas isso pode ser irrelevante ao fim.

Em seu primeiro discurso após o incidente, ao aceitar oficialmente a candidatura para tentar voltar à Casa Branca nesta quinta, Trump tentou um malabarismo na noite desta quinta (18).

Poesia | Procura-se um amigo, de Vinicius de Moraes

 

Música | Edu Lobo e Maria Bethânia - Cirandeiro