terça-feira, 28 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

São Paulo mostra a Brasília como fazer ajuste de gastos

O Globo

Enquanto governo Lula evita até falar em reduzir despesas, Tarcísio estabelece plano para gestão eficiente

O plano do governo de São Paulo ainda é incipiente, mas o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já merece crédito pela determinação em buscar maior eficiência nos gastos e na gestão pública. O contraste com as ações do governo federal não poderia ser maior. Em Brasília, muito se fala sobre monitoramento e avaliação de políticas públicas. De concreto, porém, nada acontece. Em São Paulo, Tarcísio ordenou a revisão de incentivos fiscais, contratos, despesas correntes, políticas de pessoal e a reestruturação das agências reguladoras. Como o plano ainda está em estágio embrionário e depende do Legislativo, é impossível prever se terá sucesso. É inegável, de todo modo, que é uma decisão sensata.

A máquina estatal brasileira, nos três níveis de governo, é pródiga em ineficiência. Incentivos fiscais são concedidos sem nenhum acompanhamento dos resultados. Quando dão errado, o desperdício continua, com variações da justificativa “sempre fizemos assim”. Algumas áreas do governo têm mais funcionários que o necessário, enquanto outras sofrem com escassez crônica. Agências reguladoras são capturadas por interesses políticos ou pelas empresas que deveriam vigiar. O resultado é uma burocracia cara, que entrega pouco ao contribuinte.

Manuel Castells - Ruptura - A crise da democracia liberal*

1. A crise de legitimidade política: Não nos representam Era uma vez a democracia

* Primeiro capítulo (parte) do livro. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2018

Democracia, escreveu faz tempo Robert Escarpit, é quando batem na sua porta às cinco da manhã e você supõe que é o leiteiro. Nós que vivemos o franquismo sabemos o valor dessa visão minimalista de democracia, que ainda não foi alcançada na maior parte do planeta. Contudo, após milênios de construção de instituições às quais possamos delegar o poder soberano que, teoricamente, nós cidadãos detemos, aspiramos a algo mais. E de fato é isso que o modelo de democracia liberal nos propõe. A saber: respeito aos direitos básicos das pessoas e aos direitos políticos dos cidadãos, incluídas as liberdades de associação, reunião e expressão, mediante o império da lei protegida pelos tribunais; separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário; eleição livre, periódica e contrastada dos que ocupam os cargos decisórios em cada um dos poderes; submissão do Estado, e de todos os seus aparelhos, àqueles que receberam a delegação do poder dos cidadãos; possibilidade de rever e atualizar a Constituição na qual se plasmam os princípios das instituições democráticas. E, claro, exclusão dos poderes econômicos ou ideológicos na condução dos assuntos públicos mediante sua influência oculta sobre o sistema político. 

Miguel Caballero * - Quando a água baixar

O Globo

Não haverá evolução sem inclusão das práticas de preservação nas prioridades de governos e legisladores

As enchentes no Rio Grande do Sul ficarão marcadas no Brasil também como o episódio em que os eventos climáticos extremos saltaram dos estudos de ambientalistas para bater às portas de centenas de milhares de pessoas. Temos visto, desde então, boa disposição dos governos federal e estadual de trabalhar em conjunto na emergência, uma bonita onda de solidariedade dos brasileiros e as comoventes histórias de superação de quem perdeu tudo. A reconstrução do estado levará anos, e é ainda incerto o que será de várias cidades mais afetadas. Mas, é da natureza humana, em breve o estágio de mobilização nacional passará.

O desafio é que a agenda de prevenção aos efeitos da crise do clima mantenha protagonismo quando a água baixar. Numa época em que as redes sociais são o campo de batalha na guerra diária do debate público, é tão inútil quanto sem sentido a pretensão de evitar a politização das questões ambientais. É desejável justamente o contrário, que elas tenham mais peso na política e que não se restrinjam a debates acadêmicos, a setores da gestão pública ou a cartilhas mais modernas de ESG em empresas privadas.

Míriam Leitão - Difícil debate do déficit

O Globo

O país precisa discutir o que fazer com um Orçamento engessado a um grau que não tem paralelo no mundo

Há um aumento da preocupação fiscal no Brasil, mas isso não está refletido nos números colhidos pelo Banco Central junto ao mercado financeiro nas projeções das contas públicas. O Brasil tem um problema fiscal, mas o curioso é que o mercado tem hoje o mesmo cenário que tinha há um mês para o déficit público deste ano e dos próximos. Algumas sombras pairam sobre as contas públicas. A rigidez do Orçamento é uma delas. As vinculações das despesas de saúde e educação, a indexação dos benefícios previdenciários vão provocar o fim do arcabouço fiscal. Mas dentro do governo o debate está longe de estar amadurecido porque isso atinge bandeiras caras ao PT.

Pedro Doria - Aquela voz suspirada no ouvido

O Globo

O conflito aberto entre a OpenAI e a atriz Scarlett Johansson pode abrir precedentes e definir muito da relação entre nós, humanos, e a inteligência artificial. Uma semana após o anúncio do ChatGPT 4o, Johansson denunciou a empresa por usar uma voz tão “sinistramente similar” à dela que seus amigos mais próximos e a imprensa ficaram em dúvida se não havia um acordo de cessão de direitos. Ocorre que Sam Altman, o CEO da OpenAI, havia mesmo tentado contratá-la para licenciar sua voz. Tentou primeiro num encontro pessoal há meses e, depois de ouvir o “não”, insistiu poucos dias antes de fazer o anúncio da nova versão. Scarlett é a atriz que dá voz a Samantha, a IA do filme “Ela”, do diretor Spike Jonze.

Luiz Carlos Azedo - Negócio milionário por trás da morte de Marielle

Correio Braziliense

"A economia informal que se forma nos loteamentos ilegais paga pedágio para as milicias, que ocupam o espaço deixado pelo poder público", lembra o jornalista

O vídeo da delação de Ronnie Lessa, um dos assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, exibido pelo Fantástico (Rede Globo) no domingo, revela a existência de negócios milionários dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão por trás dessas execuções. A vereadora atrapalhava a venda de terrenos e imóveis em loteamentos ilegais na região de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de janeiro, que poderiam render milhões de dólares. "Era muito dinheiro", disse o ex-policial militar, ligado ao chamado Escritório do Crime.

Na sua delação premiada à Polícia Federal (PF), Lessa disse que o crime foi encomendado por Domingos, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), e seu irmão, o deputado federal Chiquinho, sob promessa de que receberia um loteamento clandestino que poderia render até R$ 20 milhões, e passaria a ser um chefe de milícia.

"Na verdade, não fui contratado para matar Marielle, como um assassino de aluguel. Eu fui chamado para uma sociedade", disse. Segundo Lessa, houve três reuniões para discutir a execução de Marielle.

Arnaldo Lima - Vinculação do salário mínimo à Previdência é cláusula pétrea

Valor Econômico

Qualquer reforma fiscal que estabilize a dívida passa por aperfeiçoamentos contínuos da legislação previdenciária

É elogiável a disposição da ministra do Planejamento, Simone Tebet, em iniciar uma agenda de discussão sobre o aperfeiçoamento da qualidade do gasto público que reduza a rigidez orçamentária e impeça a trajetória explosiva do gasto obrigatório. Sem reformas estruturantes, qualquer regra fiscal que foque somente nas despesas discricionárias, como o teto dos gastos ou o arcabouço fiscal, terá efetividade limitada para se tornar uma âncora fiscal sustentável e permitir que tenhamos uma taxa de juros real compatível com o nosso desejo de nos tornarmos um país desenvolvido.

Porém, a ministra caiu em uma armadilha ao declarar que está estudando a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo, o que rememorou a célebre frase de H. L. Mencken: “Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”. Além de não ser nova, essa proposta teria sérias dificuldades para superar as resistências do próprio Poder Executivo, pois a grande maioria dos servidores da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) entende que a vinculação é cláusula pétrea, ou seja, é um direito constitucional que não pode ser alterado.

Gideon Rachman - EUA quebram regras internacionais enquanto defendem mundo livre

Financial Times / Valor Econômico

No mundo atual, os EUA estão mais uma vez fazendo concessões desconfortáveis como parte de uma luta maior contra as principais potências autoritárias

Como princípio organizador da política externa ocidental, a “ordem internacional baseada em regras” (OIBR) há muito tem sofrido de falhas desastrosas. A frase não significa nada para uma pessoa normal. Dessa forma, trata-se de um conceito nada inspirador. As pessoas podem ir à guerra para defender a liberdade ou a pátria-mãe. Ninguém vai lutar e morrer pela OIBR.

Ainda assim, algumas autoridades ocidentais de alto escalão parecem apaixonadas pelo conceito. Antony Blinken, o secretário de Estado dos Estados Unidos, gosta de fazer apelos à OIBR quando visita a China. Rishi Sunak, premiê britânico, a colocou no cerne da política externa do Reino Unido. Seu provável sucessor, Keir Starmer, um ex-advogado, terá o mesmo compromisso com a ideia.

Quando critica a agressão russa, Blinken argumenta que os EUA defendem um mundo baseado em regras, e não no poder bruto. É uma ideia atraente. Mas as regras são feitas para serem coerentes. E as próprias ações dos EUA vêm enfraquecendo partes vitais da ordem baseada em regras.

Pedro Cafardo - Gastos catastróficos e dívidas põem idosos em apuros

Valor Econômico

Como é possível um reajuste de um plano de saúde mais de cinco vezes acima da inflação?

Francisco e Amélia estão em apuros. Na semana passada, o casal recebeu o boleto do plano de saúde com uma surpresa de tirar o sono: a mensalidade aumentou 22%. Ambos têm mais de 70 anos e acompanham os telejornais que, quase diariamente, falam em uma inflação anual na casa dos 3% a 4%. Como é possível um reajuste de um plano de saúde mais de cinco vezes acima da inflação?

Francisco trabalhou no comércio por 40 anos e encerrou a carreira em 2021 como gerente. Sempre teve um salário razoável, com carteira assinada, contribuiu para a Previdência e aposentou-se com benefício integral. Em meados de 2021, quando começou a receber a aposentadoria, o valor era de R$ 6.433,57 mensais. Hoje está em R$ 7.786,02, com reajuste de 21% em três anos, que mais ou menos acompanhou a inflação oficial (IPCA) do período.

Marcus Cremonese - Quando a verdade vale mais que um salário ou posição

Com o avanço gradual e cada vez mais intenso das mudanças climáticas, água e fogo vêm gerando tragédias. Tragédias que, como temos visto, vêm se tornando campos férteis para a semeadura de mentiras.

Enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta as consequências das enchentes deste mês, os australianos começam a se preparar, ainda em junho, para a estação de fogo nas florestas, evento que ocorre todo ano entre novembro e janeiro do ano seguinte.

Os fogos nas matas da Austrália acontecem há milhões de anos e contribuíram até mesmo para criar características próprias da fauna e da flora deste continente. Os incêndios mais destrutivos são precedidos por altas temperaturas, baixa umidade relativa do ar e ventos fortes. Estes três fatores encontram seu "prato-feito" nas florestas de eucaliptos – a maior parte do ano extremamente secas e sempre impregnadas de seu óleo natural.

Cláudio Carraly* - O Orgulho da ignorância na sociedade contemporânea

A presença da ignorância na condição humana é um fenômeno complexo e multifacetado, revelando-se de maneiras intrigantes e diversas ao longo da história. Este ensaio se propõe a explorar e aprofundar a compreensão dos fatores subjacentes a esse, indo além da mera análise dos desafios cognitivos e vieses culturais que podem contribuir para sua perpetuação, além disso, busca-se examinar fenômenos contemporâneos que têm impactado a disseminação coletiva dessa ignorância, como a crescente confiança dos ignorantes em suas próprias convicções, baseadas tão somente em sua própria opinião ou daqueles que fazem parte do seu grupo de contato.  

Carlos Andreazza -Corregedor-universal do jornalismo

O Estado de S. Paulo

Nota intimidadora do ministro, que não gostou de reportagem sobre o TSE, veio após STF declarar inconstitucional o assédio judicial a jornalistas

Alexandre de Moraes, gestor de inquéritos onipresentes e infinitos, também, claro, corregedor-universal do jornalismo, enviou nota ao UOL para lhe acusar de ser falsa uma reportagem. Não indica quais seriam as mentiras. Não precisa.

Trata-se de um de nossos salvadores. Pode tudo – os colegas togados, formalmente, e nós mesmos, imprensa, o legitimaram. Vige sobre este 8 de janeiro permanente. Líder do estado de vigília contra o golpe. Donde crava: “fake news e notícias fraudulentas não ficam restritas apenas às redes sociais”. Não está errado.

O que crava sendo o mesmo que tem cravado o que será fake news e notícias fraudulentas.

Em defesa sempre da democracia, autorizado, pois, à aplicação de autoritarismos, escreveu: “Sob o manto do sigilo de fonte, a jornalista inventou fatos e versões”.

Hélio Schwartsman - O calor cozinha nossos miolos?

Folha de S. Paulo

Estudos mostram que aumento da temperatura piora performance cognitiva, e isso é fonte de desigualdades

O clima tropical "amoleceu" os brasileiros, como sugeriu Albert Einstein em seus politicamente incorretos diários de viagem? O pai da Teoria da Relatividade foi aqui um gênio presciente ou apenas preconceituoso?

A viagem de Einstein à América do Sul ocorreu em 1925. À época não havia estudos rigorosos que pudessem amparar suas observações sobre os efeitos do clima na inteligência, de modo que o físico alemão apenas ecoava o determinismo geográfico de tons racistas que era moeda corrente à época.

Dora Kramer - Faz de conta

Folha de S. Paulo

Na chamada pré-campanha, políticos e Justiça vivem na ilegalidade consentida

Paulo Vanzolini conta em um de seus memoráveis sambas que, na praça Clóvis paulistana (posta abaixo nos idos dos anos 1970 para dar passagem ao metrô), um dia a carteira dele foi batida. "Tinha 25 cruzeiros e o teu retrato", relata. E, em mágoa de amor, conclui: "25, francamente achei barato pra me livrar do meu atraso de vida".

É o que ocorre com os infratores da regra da chamada pré-campanha eleitoral, cuja penalidade máxima é uma multa de R$ 25 mil para quem pedir votos para si ou para apadrinhados. Sai quase de graça a infração para quem deseja se livrar do atraso de vida que a lei impõe no período antecedente ao início oficial da corrida eleitoral, neste ano marcada para 16 de agosto.

Alvaro Costa e Silva - O negócio dos clãs

Folha de S. Paulo

Ambos construíram um patrimônio financeiro com a compra de imóveis e a ajuda de milicianos

Em seu livro "O Negócio do Jair", Juliana Dal Piva mostra como Bolsonaro usou a política —nomeação de funcionários-fantasmas, apropriação de seus salários e avanço sem freios em recursos públicos— para construir um patrimônio financeiro que lhe permitiu a compra, em dinheiro vivo, de pelo menos 151 imóveis. O esquema de corrupção, capitaneado pelo ex-presidente desde os tempos em que se elegeu vereador "contra o sistema", envolveu centenas de pessoas: os filhos, a ex-primeira-dama, ex-mulheres, parentes, amigos e os imprescindíveis milicianos. Quando Juliana publicou sua reportagem, em 2022, o escândalo das joias árabes e do esconderijo de presentes ainda não havia sido revelado.

Joel Pinheiro da Fonseca – A universidade é de esquerda?

Folha de S. Paulo

Instituições falham em se comunicar com população e mostrar sua relevância

Um dos sintomas mais miseráveis da polarização que vivemos é a tentativa, por parte de ambos os lados dela, de empurrar quem não está 100% com eles para o lado contrário da disputa política. Este é o ponto em que a adesão política passa a funcionar como uma religião exclusivista. Não é mais uma proposta de transformação do mundo, que precisa buscar novos defensores para que seja implementada na democracia, e sim uma maneira do indivíduo se sentir moralmente superior, levando-o, portanto, a excluir de seu círculo quem não pertence ao grupo dos puros.

Poesia | Amor é fogo que arde sem se ver, de Luís Vaz de Camões

 

Música | Mariana Aydar e Dió de Araújo - Onde está você