sexta-feira, 7 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo erra ao vender arroz importado tabelado

O Globo

Desabastecimento, se houver, será consequência do controle de preços, pois 84% da safra gaúcha está colhida

Não se pode dizer que o governo federal não tenha agido em resposta às chuvas que arrasaram o Rio Grande do Sul. Entre outras iniciativas, anunciou a concessão de um vale-reconstrução para cerca de 200 mil famílias, um programa para compra de imóveis por meio do Minha Casa, Minha Vida e créditos para empresas atingidas. Mas o Planalto erra feio ao intervir no mercado com a desnecessária importação de arroz, sob pretexto de equilibrar os preços.

Depois de um vaivém de liminares, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) realizou nesta quinta-feira um leilão para comprar 263 mil toneladas de arroz importado, movimentando R$ 1,3 bilhão. Poderá haver outros. A Medida Provisória 1.217/2024 autoriza a compra de até 1 milhão de toneladas em 2024. O argumento do governo é que o Rio Grande do Sul produz quase 70% do arroz do Brasil, e os estragos causados pelas chuvas poderiam desestabilizar o mercado, favorecendo a especulação e encarecendo o produto.

Vera Magalhães - Eleições juntas e misturadas

O Globo

Presidente parece ter despertado para o crescimento dos nomes da direita nas cidades mais importantes

Depois de tentar ao máximo adiar a discussão da própria sucessão, Arthur Lira surpreendeu a todos ao anunciar, durante o jantar de aniversário de um deputado nesta semana, em Brasília, que em agosto anunciará o nome que apoiará à presidência da Câmara.

Também afastou a ideia de Lula vir a vetar o nome. Das duas, uma: ou Lira acredita que o presidente abrirá mão completamente de ter qualquer voz na escolha do comandante da Casa onde vem enfrentando mais problemas de governabilidade, ou desistiu de bancar a postulação do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), que Lula já disse aos quatro ventos não aceitar de jeito nenhum.

Ao antecipar uma escolha que pretendia postergar ao máximo, Lira demonstra que pretende selar um acordo com o governo para a eleição interna: 1) enquanto sua caneta ainda está cheia, e a pauta do Executivo no ano não foi votada; e 2) simultaneamente às eleições municipais, e não depois.

Bernardo Mello Franco - Um dia na Câmara

O Globo

Internação de deputada, hostilizada pela tropa bolsonarista, abortou movimento na Câmara para anular delação de Mauro Cid

A confusão começou pouco antes do meio-dia de quarta-feira. O Conselho de Ética, que deveria zelar pelo decoro na Câmara, virou palco de insultos e agressões entre deputados.

“Você quer testosterona? Vamos lá fora para eu te dar”, desafiou o lulista André Janones. “Bate aqui em mim”, devolveu o bolsonarista Nikolas Ferreira, campeão de votos em 2022.

Os dois ensaiaram um confronto físico, mas se deixaram separar por assessores e seguranças. A Polícia Legislativa escoltou Janones para fora da sala, arrastando o tumulto para o corredor.

“Ladrão! Vagabundo!”, berrava o deputado Zé Trovão, chapéu de boiadeiro na cabeça e celular na mão. Preso há três anos por incitar a violência contra o Supremo, ele agora dispõe de gabinete e imunidade para radicalizar.

Bruno Boghossian - O jogo no RS mudou de fase

Folha de S. Paulo

Em 48 horas, Lula e Eduardo Leite deram sinais de que o jogo político da crise no Rio Grande do Sul mudou de fase. Na quarta (5), o governador foi a Brasília com uma lista de reivindicações. Não foi recebido em audiência e teve que se contentar com alguns minutos de tête-à-tête num evento no Planalto.

No dia seguinte, Lula deu a Leite uma carona no avião presidencial. No voo, os dois conversaram e seguiram rumos distintos. Num ato sem a presença do governador tucano, o petista fez um discurso sob medida para os prefeitos gaúchos e anunciou um pagamento para conter demissões nas empresas do estado.

Vinicius Torres Freire - Revolta contra imposto de Lula 3

Folha de S. Paulo

Governo faz bem de cortar privilégios, mas seu plano é fraco e não tem força política

Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad enfrentam uma revolta contra o aumento de impostos. A mais recente medida para elevar a arrecadação, baixada na terça, bateu também em um setor econômico em que o governo é malvisto ou odiado, o agronegócio, ora em fúria.

A revolta se espraia para outros (supostamente) afetados. Vai servir de mote para uma campanha contra o aumento da carga tributária. Por que "supostamente afetados"?

A medida provisória que exige mais pagamento de impostos mexe com a legislação do PIS/Cofins, que é alucinadamente confusa, o que suscita espertezas de contribuintes e governos, além de conflito no tribunal da Receita e na Justiça.

André Roncaglia - Tire as construções da minha praia

Folha de S. Paulo

Ideia de criar uma 'Cancún brasileira' é o retrato de elites econômicas predatórias

Há pouco mais de um ano, chuvas torrenciais e deslizamentos de terra deixaram 64 mortos e milhares de desabrigados na Vila do Sahy, em São Sebastião, no litoral paulista. A desigualdade de riqueza se traduziu em focalização da tragédia nos mais pobres, desproporcionalmente vulneráveis às intempéries climáticas causadas pelo consumo desenfreado dos ricos.

O Senado agora deseja liberar a selvageria do mercado imobiliário sobre nossas praias. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou, na semana passada, uma proposta de emenda à Constituição que busca transferir a jurisdição das áreas de Marinha da União para estados, municípios e proprietários privados.

Luiz Carlos Azedo - PF fecha cerco aos golpistas de 8 de janeiro

Correio Braziliense

A Polícia Federal corre contra o tempo para encerrar as investigações que envolvem Bolsonaro e seus principais assessores

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime e destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido. São essas as acusações que pesam contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), naquele domingo de 2023, uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No âmbito da Operação Lesa-Pátria, desde esta quinta-feira a Polícia Federal cumpre 208 mandados, em 18 estados e no Distrito Federal — 49 pessoas já foram presas e 160 são consideradas foragidas —, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, responsável pelo inquérito. Todos descumpriram medidas cautelares judiciais ou até fugiram para outros países. Violação de tornozeleira eletrônica, mudança de endereço sem comunicação e o não comparecimento à Justiça foram as principais causas das ações policiais desta quinta-feira. Estima-se que 60 acusados estejam refugiados na Argentina.

Fernando Gabeira – Congresso e governo: enigmas de Brasília

O Estado de S. Paulo

O debate necessário passa por algo bem mais profundo do que eficácia de uma articulação política. É um debate sobre a sobrevivência da política

Cientistas políticos devem entender melhor que eu. Acho estranho o que está acontecendo entre este governo chamado de frente democrática e o Congresso.

As recentes derrotas do governo foram interpretadas como fragilidade na articulação, relativa distância do presidente. Esses argumentos não me convencem totalmente.

O Congresso é conservador, sempre foi. Desta vez, é um pouco mais. Derrotas aqui e ali sempre vão acontecer. A análise me parece limitada se avaliamos apenas por que o governo perdeu, e não como perdeu.

Na verdade, quando se perde uma votação no Congresso, quase sempre isso significa uma derrota também de um setor da sociedade que apoia a proposta vencida. Essas pessoas nem sempre se incomodam apenas com o resultado, mas sim com a forma como se perde. É um pouco como no futebol. Seu time pode perder lutando e jogando bem, e isso é um consolo. Mas, quando perde de uma forma burocrática e sonolenta, quebram-se os laços de confiança.

Eliane Cantanhêde - Do escaninho de Arthur Lira

O Estado de S. Paulo

O interesse em derrubar as delações premiadas, antes do PT, hoje é do PL

Os extremos não apenas se atraem como, muitas vezes, têm interesses e métodos comuns. É o que ocorre agora entre PT de Lula e PL e aliados de Bolsonaro, adversários ferozes que atuaram firmemente contra a Lava Jato, tentaram juntos a cassação do mandato do senador Sérgio Moro, ex-juiz e ex-ministro, e, neste exato momento, invertem posições numa empreitada muito estranha, que pode ter um efeito devastador: o veto a delações premiadas de presos.

Do nada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, reúne o conselho de líderes e a Câmara tira da gaveta e põe em votação a urgência para um antigo projeto acabando com as delações, de autoria do petista, advogado e sindicalista Wadih Damous, que nem deputado é mais. A quem interessa?

Flávio Tavares - A tragédia gaúcha ao olho vivo

O Estado de S. Paulo

As águas não são más nem assassinas. Têm força, porém. Se forem contínuas, exigem cuidados dos governantes, algo que faltou no Sul

Escrevo de Porto Alegre, onde a vida se confunde com a hecatombe. Mais de dois terços do Rio Grande do Sul estiveram literalmente submersos por mais de 30 dias. Agora, em muitas localidades, nas cidades e nos campos, as águas baixaram, mas a enchente continua, mesmo em menor intensidade e extensão. Invadidos pelas águas, até hospitais estão sem funcionar. O aeroporto da capital gaúcha está totalmente alagado, da pista de pouso à estação de passageiros. E mais ainda: a inundação também soterrou, no sentido literal do verbo. Morros despencaram, soterrando o que encontravam pela frente – pessoas, residências, fábricas, árvores, plantações, animais, móveis e automóveis.

Dos objetos pessoais, como carteiras de identidade, fotografias familiares, títulos eleitorais e outros documentos, tudo desapareceu. Nos prédios que sobraram, a água invasora rachou as paredes.

O panorama é de guerra, mesmo sem bombardeios e canhões, como se a destruição da Ucrânia ou da Faixa de Gaza tivesse se instalado no sul do Brasil. Ou como se o terrorismo do Hamas tivesse mudado de fisionomia e adotado a forma de chuva.

César Felício - MP 1.227 forja frente contra o governo

Valor Econômico

Polêmica em torno da taxação das ‘blusinhas’ mostra os limites e as nuances da direita no Congresso Nacional

A polêmica a respeito da taxação de 20% das compras internacionais pela internet até US$ 50 mostra os limites e as nuances da direita no Congresso Nacional. O liberalismo irrestrito é uma bandeira bastante comum no segmento conservador e está bastante em voga no Legislativo, mas não se sobrepõe quando se unem dois vértices, o da defesa de interesses empresariais organizados e o do reforço de caixa para o governo.

Esses dois vértices uniram-se em relação a esse tema, mas a edição da Medida Provisória 1.227, que acaba com o crédito de PIS/Cofins para uma série de setores, restabeleceu o padrão de vento de lado que o Palácio do Planalto se defronta no Legislativo.

José de Souza Martins - Revelações sociais do baixar das águas

Valor Econômico

A natureza tem suas próprias leis e se manifesta em função de fatores e causas que não são apenas naturais. Ela não é conformista com a prepotência e os abusos do homem

Novas revelações, de interesse para vários campos do conhecimento, são feitas à medida que as águas baixam no Rio Grande do Sul, nos diferentes lugares em que inundaram e devastaram. Porém, vão ser reconhecidas como revelações quando as diferentes ciências se interessarem por elas e as interpretarem e explicarem cientificamente por que são revelações: causas e consequências do que ocorreu.

As equipes de intervenção contam com os profissionais costumeiros e necessários, independentemente das peculiaridades do desastre e dos âmbitos da realidade natural e social atingidos. Mas nem todas as áreas do conhecimento científico e técnico, que poderiam e deveriam nelas estar, lá estão. De certo modo há muito de senso comum na sua formação e mobilização.

Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, defende limites para a liberdade e condena a defesa do Estado mínimo

Célia de Gouvêa Franco / Valor Econômico

Em vez de o excesso de governo levar à tirania, a mudança para o neoliberalismo reduziu a liberdade e ‘forneceu um terreno fértil para os populistas’, escreve o ex-economista-chefe do Banco Mundial em seu mais recente livro

O novo livro de Joseph Stiglitz, economista americano que ganhou o Prêmio Nobel em 2001, joga ainda mais lenha na fogueira do debate, já incendiário, sobre liberdade e a necessidade — ou não — de estabelecer limites para ela. Desde o início da obra, ainda no prólogo, ele deixa claríssimo em que time joga, ao citar uma frase do filósofo Isaiah Berlin, professor da Universidade de Oxford: “Liberdade para os lobos tem significado, com frequência, morte para as ovelhas”.

Além de defender que haja limitações para o exercício da liberdade para que não prejudique outros, Stiglitz condena, com igual veemência, quem defende um Estado enxuto, mínimo, como a bandeira de muitos liberais. As duas questões estão indelevelmente ligadas, escreve ele.

Na sua opinião, em vez de o excesso de governo levar à tirania, a mudança para o neoliberalismo reduziu a liberdade e “forneceu um terreno fértil para os populistas”. A social-democracia, ao dar ao Estado um papel maior, gera sociedades mais livres e robustas que são resilientes a autoridades autoritárias, como o ex-presidente americano Donald Trump.

José Pastore - Demografia e tecnologia desafiam a Previdência Social

Correio Braziliense

As reformas dos sistemas previdenciários terão de ser executadas como um processo contínuo. Os países, o Brasil inclusive, terão de partir para outras bases de financiamento da Previdência Social

As sociedades humanas estão envelhecendo muito depressa. No Brasil, entre 2010 e 2022, os idosos passaram de 10,5% para 16% da população. Consequência: o sistema previdenciário está novamente sob estresse. Esse quadro é geral. O número de países que têm deficits na Previdência Social é enorme. Em primeiro lugar, está a Espanha, seguida por outros países da Europa — Áustria, Itália, Holanda, França, Eslovênia e Portugal. No Brasil, espera-se um deficit de quase R$ 400 bilhões em 2024.

Na base da pirâmide populacional, ocorre uma dramática diminuição da taxa de natalidade, o que também agrava o deficit previdenciário. Para compensar o aumento de idosos inativos e a escassez de jovens ativos, cresce o uso de tecnologias que substituem mão de obra, como sempre ocorreu na história. Entretanto, essa compensação traz efeitos secundários de grave consequência.

Flávia Oliveira - Cuidar dá trabalho

O Globo

Saiu da Justiça de São Paulo uma tão inédita quanto bem-vinda decisão de reconhecimento de atribuições familiares das mulheres, sempre exigidas, nunca valorizadas. Um juiz antecipou em dois meses a progressão para o regime semiaberto de uma detenta condenada por roubo a seis anos e oito meses de prisão, em razão dos 180 dias de amamentação do bebê que gestou e pariu no cárcere. A 12ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP acolheu o pedido da Defensoria Pública do estado de considerar o período como trabalho, válido, portanto, para a remição da pena.

A decisão do desembargador Sérgio Mazina Martins é de fins de abril, mas se tornou pública nesta semana. A jornalista Isabela Leite reportou no portal g1 a história de LKSO, cuja progressão foi rejeitada na primeira instância e concedida na segunda. O defensor público Douglas Schauerhuber Nunes alegou que a detenta permaneceu com o filho na ala de amamentação da unidade prisional e, com o entendimento de que a atividade está compreendida na economia do cuidado, pleiteou a antecipação da vigência do regime fechado para o semiaberto. O conceito engloba as funções desempenhadas por pessoas que se dedicam às necessidades físicas e psicológicas de terceiros, sendo as tarefas remuneradas ou não.

Marcus Cremonese* - A internet e seus danos colaterais

Durante todo o primeiro semestre de 1985 (com apenas uma mochila nas costas, o que era comum na época), eu e a parceira Beth percorremos por terra todo o sudeste da Ásia. Tínhamos já nossos dois filhos, de doze e de sete anos, que ficaram aos cuidados dos avós maternos. Viajamos de barco, ônibus, bicicleta, de trem ou mesmo a pé – como os 240 quilômetros feitos em volta dos Annapurnas, no alto dos Himalaias.

Chegando à Índia, resolvemos nos concentrar no norte, no estado de Uttar Pradesh, por umas boas três semanas. Ali se veem preciosidades como o rio Ganges em Varanassi, o Taj Mahal e o rubro forte de Agra, entre outras.

Não apenas templos ou palácios retinham nossas atenções. Já sendo pais, instintivamente nós olhávamos as crianças com uma atenção especial, talvez tentando levar a elas uma forma de carinho transmitida pelo olhar. É comum na nossa cultura brasileira passar a mão na cabeça de uma criança recém-conhecida, como uma expressão de afeto. Mas isso não pode ser feito na Indonésia. Ali, a mão passada sobre uma cabecinha estaria obstruindo a relação dessa criança com os entes superiores que olham e cuidam dela lá do alto. Viajando e aprendendo.

Poesia | Luzes da Ribalta. Aprendi, de Charles Chaplin

 

Música | Mariana Aydar e Jazz Sinfônica - Espumas ao Vento (Encontros Históricos)