sexta-feira, 14 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Propostas para aborto e drogas ignoram realidade

O Globo

Textos da Câmara desprezam caráter de saúde pública e conhecimento acumulado sobre ambas as questões

É preocupante que a Câmara tenha dado celeridade a duas propostas que mereceriam mais discussão com a sociedade e deveriam seguir todo o trâmite legislativo, com debates exaustivos em comissões antes de irem a plenário. A primeira é o Projeto de Lei (PL) que equipara o aborto depois da 22ª semana de gravidez ao crime de homicídio. A segunda é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza posse e porte de qualquer quantidade de droga. As mudanças são inspiradas mais em convicções políticas, ideológicas ou religiosas que no conhecimento acumulado sobre ambos os temas.

De acordo com o PL que trata do aborto, mesmo nos casos em que o procedimento é hoje legal — estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia do feto —, ele seria considerado homicídio depois da 22ª semana de gravidez. É verdade que o Código Penal não impõe limite de tempo nos casos previstos em lei e que abortos com gestação avançada suscitam uma discussão que mexe com convicções morais e religiosas profundas. Por isso mesmo, a questão merece debate exaustivo.

Ruy Castro - Desmemória coletiva

Folha de S. Paulo

Por esquecer ou desconhecer o passado, as pessoas querem a volta de um país que nunca existiu

Ivan Lessa se queixava de que, no Brasil, a cada 15 anos esquecemos o que aconteceu nos 15 anos anteriores. Ivan, sempre tão rigoroso com o Brasil. Mas, digo eu, em outros lugares, até mais cultos, não é muito melhor. Só varia o tempo da desmemória. Muito do que de pior acontece hoje no mundo tem como causa o fato de grande parte da população ignorar o passado de seu país, dando de barato certos privilégios e conquistas e achando que é preciso mudar tudo.

Essa desmemória parece coletiva na Europa, com a extrema direita a ponto de tornar-se a segunda força política do continente. Já está no poder na Hungria, Eslováquia, Itália, Finlândia, República Tcheca e Países Baixos e começa a chegar perto em Portugal, Áustria, França, Espanha e, incrível, a Alemanha. Em todos, a mesma receita: populismo, nacionalismo, negacionismo, xenofobia, racismo, homofobia, ódio ao imigrante e slogans neonazistas.

Bruno Boghossian - A ressaca dos lulistas

Folha de S. Paulo

Antigos conselheiros do presidente buscam remédios para a ressaca das últimas semanas

Ninguém poderia descrever a ressaca do governo com tanta franqueza. O líder de Lula na Câmara, José Guimarães, reclamou de uma falta de comando e cobrou mudanças. "O risco de acomodação do governo é muito grande", disse. Já o chefe da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o presidente enfrenta um cenário de governabilidade "muito difícil".

A dupla verbalizou uma leitura comum entre personagens próximos de Lula. Guimarães fez o desabafo numa reunião interna noticiada pela Folha. Costa lançou o diagnóstico numa entrevista ao G1. Os dois foram até mais brandos do que outros petistas influentes, que andam fazendo queixas a portas fechadas.

Hélio Schwartsman - Escrito nas estrelas

Folha de S. Paulo

Governo Lula vive espécie de inferno astral porque não dá sinais críveis de que problema fiscal será equacionado

O governo Lula vive uma espécie de inferno astral. Uma conjunção de reveses políticos se somou à lenta mas constante degradação das contas públicas para converter-se num teste de estresse imposto pelo mercado. É cedo para decretar que o governo acabou, mas não seria inteligente ignorar os sinais de que o caldo da inflação poderá entornar.

É fato que o ministro Fernando Haddad, até um par de meses atrás celebrado como gênio pela Faria Lima, bobeou ao enviar para o Congresso a MP do PIS/Cofins sem combinar o jogo com quem manda no Parlamento, mas o verdadeiro problema atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente é um apóstolo da escola do "gasto é vida" e bloqueia na origem todas as propostas da equipe econômica para controlar o déficit pelo lado das despesas.

Vinicius Torres Freire - Lula, Haddad e a sonegação

Folha de S. Paulo

Há 'uso indevido' de isenção tributária, disse o ministro em fevereiro e agora

Fernando Haddad disse nesta semana que empresas estão pagando menos impostos por meio do "uso indevido" de créditos do PIS/Cofins. Esses créditos são imposto pago ou presumidamente pago a mais e que as empresas podem receber de volta ou abater do pagamento de outros tributos.

O assunto ficou meio esquecido porque a medida provisória que pretendia limitar o uso desses créditos foi recusada pelo Senado, entre outros motivos porque houve revolta de empresas, o que deu no tumulto sabido.

Quando tentou acabar de vez com os benefícios tributários para o setor de eventos (Perse), no início do ano, o ministro da Fazenda também falou em "irregularidades".

Se há rolo da ordem de dezenas de bilhões de reais, é preciso fazer um estardalhaço com isso. Como o próprio governo diz, trata-se também de fraude contra a concorrência, de esteio de atividade criminosa, de motivo indevido para aumento de carta tributária sobre empresa honesta etc.

André Roncaglia - Adeus a Maria da Conceição Tavares

Folha de S. Paulo

Seu legado nos desafia a buscarmos sempre fugir dos lugares-comuns

Maria da Conceição Tavares nos deixou no último sábado (8), aos 94 anos de idade. Pensadora original e professora admirada, Conceição respirava política e bravejava contra as injustiças sociais. Intelectual pública de língua afiada, fugiu da ditadura de Salazar, em Portugal, para cair nos porões da ditadura militar brasileira. Viu renascer a democracia formal, elegeu-se deputada federal e nos deixou a tarefa de construir a democracia multirracial brasileira, ainda tão distante.

Seu curso de economia política em 1992 se tornou referência popular na internet, pela erudição ácida e impactante de suas tiradas, as quais anteciparam em décadas a "lacração" das redes antissociais.

Fernando Abrucio - Só resta o longo prazo aos gaúchos

Valor Econômico

O Rio Grande do Sul sempre se caracterizou por uma forte reverência ao passado, mas o desastre climático de maio de 2024 condena o povo riograndense a viver, daqui para diante, em prol do longo prazo

O Rio Grande do Sul ainda vive sob o signo da emergência. Vai demorar um tempo para que tudo seja limpo, o básico seja reconstruído e que a vida volte ao normal, com aquela rotina de escola, trabalho e lazer. Embora nem todos tenham sido atingidos do mesmo modo, há um sentimento comum de perda e haverá um empobrecimento maior do que havia antes da tragédia. Com tantas tarefas e problemas ali na esquina, fica difícil vislumbrar o que será o futuro. Mas, para superar de maneira estrutural o imenso desastre que ocorreu, a única saída é construir uma resposta de longo prazo.

Evidentemente que as questões de curto prazo vão dominar, por alguns meses, a agenda gaúcha. Não só porque é preciso reconstituir a economia e a normalidade da vida cotidiana, mas também porque os primeiros passos são importantes para os demais. Uma medida básica é garantir renda às pessoas para que não haja um colapso econômico.

José de Souza Martins - Retrocessos na função social da terra

Valor Econômico

Para muitos, a emenda constitucional que trata das terras de marinha e o Projeto de Lei nº 709/2023 usurpam direitos sociais historicamente reconhecidos

Nas últimas semanas, duas propostas legislativas, apresentadas em casas do Congresso Nacional, suscitaram inquietações sociais e debates porque, para muitos, usurpam direitos sociais historicamente reconhecidos.

Uma, que tem por objetivo declarado privar os que são beneficiados pela reforma agrária de direitos a ela vinculados. Os relativos a medidas de apoio à consolidação dos assentamentos, necessárias a que a reforma produza os efeitos sociais e econômicos a que ela se destina. A outra, a emenda constitucional que trata das terras de marinha e supostamente privatiza as praias brasileiras.

César Felício - Controle de sucessão pode explicar nova pauta de Lira

Valor Econômico

Presidência da Câmara é o caminho para explicar mudança de agenda

O deputado Arthur Lira (PP-AL) é presidente da Câmara dos Deputados desde 2021. Durante seus três primeiros anos na presidência da Casa - 2021, 2022 e 2023 - a pauta de costumes não transitou na Casa e, com muita negociação e colocação e retirada de bodes na sala, a Câmara votou tudo o que os governos Bolsonaro e Lula quiseram na esfera econômica.

Essa toada não se alterou nem mesmo quando Lira perdeu um naco do poder que tinha sobre o Orçamento em dezembro de 2022, com a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com o Orçamento secreto. Aumentou-se o volume e o caráter impositivo das emendas parlamentares e o barco seguiu.

Luiz Carlos Azedo - Valdemar é o artífice da aliança com Lira e Pacheco

Correio Braziliense

Quando se olha para o tabuleiro político, o que se vê é a forma eficiente como os aliados do ex-presidente Bolsonaro operam posições estratégicas no Congresso

Pode-se avaliar que existe um descolamento do Congresso, principalmente de seus líderes, dos interesses da grande massa de eleitores que os colocaram nos devidos assentos. Entretanto, a única métrica disponível para essa avaliação são as pesquisas de opinião, que mandam um sinal contrário: segundo o Datafolha de abril passado, o trabalho do Congresso Nacional é avaliado como ótimo ou bom por 22% (eram 18%), como regular, por 53% (eram 43%) e, como ruim ou péssimo, por 23% (eram 35%). Uma parcela de 2% não opinou (eram 4%).

Por ironia, essas taxas de aprovação são mais altas entre os simpatizantes do PT (31%), entre os que avaliam como ótimo ou bom o governo Lula (36%), entre os que avaliam que a situação econômica do país melhorou (31%), e entre os que avaliam que a situação econômica pessoal melhorou (31%). O resultado dessa pesquisa mostra a zona de conforto que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desfrutam para pôr em votação agendas conservadoras e de oposição ao governo Lula.

Eliane Cantanhêde - O guarda-costas da viúva

O Estado de S. Paulo

Queimar Haddad enfraquece ainda mais o governo, deixa Lula sem herdeiro e o PT sem candidato

Fernando Haddad é uma espécie de guarda-costas da viúva que, além de enfrentar adversários e especuladores, acumula cicatrizes dos tiros que leva pelas costas do próprio governo, especialmente do presidente Lula. Quanto mais fraco Haddad fica, ou parece ficar aos olhos do mercado, dos políticos e da opinião pública, o governo fica mais vulnerável e Lula se torna alvo fácil do faroeste em que se transformou o Congresso.

Toda vez que o ministro da Fazenda viaja, vem um tiro pelas costas e, dessa vez, foi pior. Ele estava no Vaticano, onde discutiu inclusão e o bate à pobreza com o papa Francisco, quando o projeto alterando regras do PIS-Cofins chegou o Congresso e virou um deus-nos-acuda, unindo todos contra um - ele, Haddad. Assim como ele não estava por perto para presentear o projeto, também não estava para defendê-lo.

Celso Ming – O governo Lula, perdidaço

O Estado de S. Paulo

Desencontros e trapalhadas do governo têm desgastado a imagem de ministros, a confiança no arcabouço fiscal e derrubado o mercado

governo Lula perdeu o rumo da política econômica. Não sabe mais onde e para onde navega e, o que é pior, parece não se dar conta de que está perdido. Vamos aos fatos.

Diante da necessidade de arrumar cobertura para os favores prestados a 17 setores da economia e principais municípios com a desoneração dos encargos sociais, o governo Lula editou uma medida provisória que limitava o uso dos créditos acumulados de PIS/Cofins e, assim, surrupiava das empresas em um ano algo em torno de até R$ 29,2 bilhões.

O presidente do Senado, Rodrigo Pachecodevolveu para o governo os trechos mais importantes da medida provisória, sob o argumento de forte inviabilidade política e de inconstitucionalidade da matéria, uma vez que não previa a carência de 90 dias para início de vigência (noventena). A medida provisória foi rejeitada por ser inviável.

Laura Karpuska – O direito das meninas

O Estado de S. Paulo

Congresso avançou no projeto que equipara aborto a homicídio, o que é um retrocesso; governo federal ignora o debate

Há poucos dias, uma menina de 12 anos foi estuprada por um homem de 30 anos em Teresina. Ela está grávida. Os jornais chegaram a relatar que o homem “mantinha uma relação” com a vítima. De forma pouco sutil, emancipa-se erroneamente o poder de uma criança de compreender o mundo e as relações complexas que ele possibilita. Uma menina de 12 anos não possui a capacidade cognitiva adequada para distinguir uma violência.

Vera Magalhães - Mulheres na fogueira da sucessão de Lira

O Globo

Presidente da Câmara rasga a fantasia de defensor dos grandes temas que chegou a envergar e mergulha a Casa no pior do atraso

Arthur Lira passou 2023 fazendo retrofit de sua imagem: de rei do baixo clero — alcunha, aliás, que nunca fez jus à extensa carreira de cacique na Casa —, passou a atuar como avalista das grandes questões econômicas e acabou o ano incensado pelo mercado. À medida que se aproxima sua sucessão, no entanto, Lira se volta ao perfil de presidente do “sindicato dos deputados”, como ele mesmo designa o grupo amplo e heterogêneo que aglutinou em torno de si.

Ao ceder à pressão para aprovar a urgência na apreciação do Projeto de Lei 1.904, foi longe demais. Por mais que tente minimizar a gravidade do que a matéria propõe, na prática ele mergulhou a Casa no obscurantismo total e jogou as mulheres, sobretudo as mais vulneráveis, na fogueira.

Flávia Oliveira – Brutalidade legislativa

O Globo

Além de restringir direito, constranger mulheres, intimidar equipes médicas, projeto impõe às vítimas pena maior que a dos agressores

É sórdido e apequena a política o Projeto de Lei que ameaça condenar por homicídio meninas, jovens e mulheres que interromperem gestações, ainda que decorrentes de estupro. O PL 1.904/2024, de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), entre outros parlamentares (homens e mulheres), impõe marcha à ré num direito previsto em lei desde 1940. É uma bofetada em quem ousou crer no efeito cliquet. A expressão, de origem francesa, vem do alpinismo: define o ponto em que uma escalada não pode mais retroceder, só avançar. No Brasil, se chama princípio de vedação do retrocesso. Direitos humanos não podem ser suprimidos nem enfraquecidos.

Bernardo Mello Franco – Relação abusiva

O Globo

Caso ilustra dois problemas do governo: paralisia decisória e dependência de aliados infiéis

Ao iniciar o novo giro pela Europa, Lula indicou que não pretende demitir o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. “Ele tem o direito de provar que é inocente”, justificou.

O argumento do presidente valeria na esfera criminal, onde a regra é a presunção de inocência. No serviço público, soa como desculpa para proteger um auxiliar que já deveria ter sido afastado.

A Polícia Federal indiciou o ministro pela suposta prática de seis crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, falsidade ideológica, violação de sigilo e fraude em licitação.

Ainda que não houvesse trambique, a obra já seria indefensável. Juscelino torrou R$ 7,5 milhões do orçamento secreto para asfaltar a estrada que passa em frente à sua fazenda. Um caso típico de apropriação do dinheiro público para fins particulares.

Poesia | Seu Jorge - ''Rosa de Hiroshima'' (Vinicius de Moraes) no programa Altas Horas do dia 25/05/2024

 

Música | Alceu Valença - Coração Bobo (Ao vivo na Fundição Progresso)