domingo, 1 de setembro de 2024

Opinião do dia – Antonio Gramsci (utopia)

"Todavia, se também a filosofia da práxis é uma expressão das contradições históricas — aliás, é sua expressão mais completa porque consciente —, isto significa que ela está também ligada à “necessidade” e não à “liberdade”, a qual não existe e ainda não pode existir historicamente. Assim, se se demonstra que as contradições desaparecerão, demonstra-se implicitamente que também desaparecerá, isto é, será superada, a filosofia da práxis: no reino da “liberdade”, o pensamento e as ideias não mais poderão nascer no terreno das contradições e da necessidade de luta. Atualmente, o filósofo (da práxis) pode fazer apenas esta afirmação genérica, sem poder ir mais além; de fato, ele não pode se evadir do atual terreno das contradições, não pode afirmar, a não ser genericamente, um mundo sem contradições, sem com isso criar imediatamente uma utopia. Isto não significa que a utopia não possa ter um valor filosófico, já que ela tem um valor político e toda política é implicitamente uma filosofia, ainda que desconexa e apenas esboçada. Neste sentido, a religião é a mais gigantesca utopia, isto é, a mais gigantesca “metafísica” que já apareceu na história, já que ela é a mais grandiosa tentativa de conciliar em forma mitológica as contradições reais da vida histórica: ela afirma, na verdade, que o homem tem a mesma “natureza”, que existe o homem em geral, enquanto criado por Deus, filho de Deus, sendo por isso irmão dos outros homens, igual aos outros homens, livre entre os outros e da mesma maneira que os outros, e que ele pode se conceber desta forma espelhando-se em Deus, “autoconsciência” da humanidade; mas afirma também que nada disto pertence a este mundo e ocorrerá neste mundo, mas em um outro (— utópico — ). Assim, as ideias de igualdade, liberdade e fraternidade fermentam entre os homens, entre os homens que não se veem nem iguais, nem irmãos de outros homens, nem livres em face deles. Ocorreu assim que, em toda sublevação radical das multidões, de um modo ou de outro, sob formas e ideologias determinadas, foram colocadas estas reivindicações."

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, Volume 1, p. 205. Editora Civilização Brasileira, 2006.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Política econômica de Lula volta a perder credibilidade

Folha de S. Paulo

Alta do dólar tem motivo mais amplo que o apontado para intervenção do BC; sem controle de gastos, juros tendem a subir

A nova escalada da cotação do dólar, que atingiu R$ 5,69 na sexta-feira (30) e recuou depois para R$ 5,61 devido à intervenção do Banco Central no mercado, é sintoma de mais um rodada de perda de credibilidade da política econômica.

O BC vendeu US$ 1,5 bilhão à vista, montante anunciado na noite anterior para fazer frente a uma saída pontual de recursos —uma prática que, em momentos assim, nada tem de anormal.

Entretanto, com a insistência da cotação em subir durante a manhã, acabou vendendo mais, o equivalente a US$ 765 milhões em contratos de swap cambial, um tipo de contrato que dá aos compradores proteção ante uma alta da moeda americana.

Não foi apenas o dólar que voltou a assustar. Juros de mercado também dispararam, já incorporando aumento de ao menos 1,5 ponto percentual, para 12% ao ano, da taxa Selic nos próximos meses. Juros de prazos mais longos também continuaram a subir.

A razão de fundo da desconfiança, como sempre, são as contas públicas em descontrole. A economia em ritmo relativamente forte até impulsiona a arrecadação de impostos, mas os gastos públicos crescem ainda mais. Nos últimos 12 meses, a despesa aumentou cerca de 15% acima da inflação, recorde na série histórica.

Dorrit Harazim - Rascunhos

O Globo

Ex-presidente, hoje, é um ser acuado por seus delírios e medos e, por isso mesmo, perigoso

‘Um ser que continua a mudar é um ser que continua a viver’, sustentava a escritora Virginia Woolf em suas infatigáveis, doloridas reflexões sobre a identidade e a natureza humana. Todos sabemos como é difícil alimentar a coragem de descartar ideias que vestimos como segundas peles. A própria noção que cada um faz de si se sustenta no frágil conceito de continuidade. Vivemos numa cultura cujos mitos de heroísmo e martírio valorizam consistência a qualquer custo — esquecendo que somos moldados pelo que queremos, e o que queremos é passível de mudanças à medida que vivemos. O aclamado psicanalista britânico Adam Phillips — editor da obra de Freud na coleção Clássicos da Penguin — dedicou um livro inteiro (“Sobre desistir”, 2024) a nossa perene dificuldade em aceitar chamados novos que exigem renúncias. E são renúncias muitas vezes amargas, cantadas em verso e prosa há milênios, em todas as formas de linguagem. Exceto na política.

Bernardo Mello Franco – Cidade tripartida

O Globo

Nos 30 anos de 'Cidade Partida', um Rio que não aparece na propaganda eleitoral

A ampla vantagem de Eduardo Paes nas pesquisas esvaziou o interesse pela eleição para a Prefeitura do Rio. É pena, porque os cariocas arriscam perder uma chance valiosa de discutir os problemas da cidade. Na semana que passou, um seminário e um novo livro debateram os 30 anos do lançamento de “Cidade Partida”, de Zuenir Ventura. As conversas iluminaram temas que não devem aparecer na propaganda eleitoral.

O best-seller de Zuenir descreveu uma cidade traumatizada pela violência e anestesiada pela desigualdade. Para produzi-lo, o jornalista frequentou por dez meses a favela de Vigário Geral, palco de uma chacina que matou 21 pessoas em agosto de 1993. Depois do banho de sangue, o autor acompanhou dois movimentos que ensaiaram uma reação à barbárie. O Viva Rio, que mobilizou classe média, empresários e meios de comunicação, e o movimento da comunidade de Vigário, que tentava projetar sua voz além dos becos da favela.

Míriam Leitão - Acertos e desafios de Gabriel Galípolo

O Globo

Novo presidente do Banco Central vai ter que superar a intimidade com o governo para preservar a independência das decisões de política monetária

O próximo mandato na presidência do Banco Central será um novo teste na autonomia. Roberto Campos Neto enfrentou a hostilidade da primeira travessia de governo, Gabriel Galípolo terá que superar a intimidade com o governo do presidente que o escolheu, para preservar a independência das decisões de política monetária. A conjuntura é desafiadora tanto pelos indicadores ruins quanto pelos bons. A inflação está perto do teto da meta e há dúvidas sobre os dados fiscais, mas o país cresce além do previsto e o mercado de trabalho vive seu melhor momento em dez anos, com desemprego baixo e alta de renda. No pano de fundo, a maior economia do mundo prepara uma queda de juros numa conjuntura com dados oscilantes.

Elio Gaspari - 60 milhões de escovas de dentes

O Globo

A repórter Andreza Matais revelou que a Justiça Federal suspendeu a licitação do Ministério da Saúde para a compra de 60 milhões — repetindo: 60 milhões — de kits com escova de dentes, fio dental e dentifrício. Acionado, o Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que o pregão estava viciado.

Pindorama tem uma estrutura robusta para defender o cofre da Viúva. É o Sistema U. Além do TCU, há a Controladoria-Geral da União (CGU). O TCU barrou a maluquice do trem-bala. Em 2019, a CGU detonou uma licitação de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, para equipar escolas públicas com laptops e computadores. Nessa festa, uma escola de Minas Gerais que tinha 255 alunos receberia 30.030 laptops.

Infelizmente, não foram responsabilizados os autores da malandragem.

Com o pregão dos 60 milhões de escovas de dentes, a Justiça e o TCU funcionaram, mas não basta.

Luiz Carlos Azedo - Musk fomenta uma crise pós-moderna no Brasil

Correio Braziliense

O magnata da tecnologia acredita que seu poder está acima das instituições brasileiras e que pode se relacionar diretamente com a nossa sociedade

A presença de magnatas na política norte-americana sempre teve forte influência na projeção de poder dos Estados Unidos no mundo, seja por meio de sua política de Estado ou pela presença de suas corporações nos outros países, principalmente onde há petróleo ou um grande mercado consumidor. Historicamente, esse é o caso do Brasil.

Alguns desses magnatas foram “self-made man”, alcançaram sucesso, riqueza e prestígio por conta própria. Andrew Carnegie começou como um operário têxtil e se tornou um dos magnatas do aço mais ricos do século 19; Thomas Edison superou muitos obstáculos como inventor para se tornar um empresário de sucesso.

Merval Pereira - Perdendo a razão

O Globo

Ao determinar a extinção do antigo Twitter no país, colocou-nos ao lado de países como Coréia do Norte, China, Irã, Miamar, Rússia e Turcomenistão. Companhias nada honrosas, não?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mais uma vez deu um passo maior que suas pernas ao, em vez de punir o X por querer funcionar no Brasil contra as exigências da legislação, passar a perseguir as empresas do mega empresário Elon Musk. Ao determinar a extinção do antigo Twitter no país, colocou-nos ao lado de países como Coréia do Norte, China, Irã, Miamar, Rússia e Turcomenistão.

Companhias nada honrosas, não? Mais de 20 milhões de brasileiros deixarão de usar o X, por determinação do STF, o que não fala bem da nossa mais alta Corte de Justiça, abrindo brecha para que as acusações de bolsonaristas e correlatos ganhem ares de verdade. O ministro Alexandre de Moraes, que atribui a todas as suas decisões o dom de defender a democracia, esquece-se de que a liberdade de expressão é a base dos direitos humanos numa democracia.

Vinicius Torres Freire - Guerra contra Musk, e a plutocracia tecno

Folha de S. Paulo

Reação a abusos e força de redes e ‘big techs’ tem prisão e bloqueios

Pavel Durov, dono do Telegram, passou três dias em uma cadeia da França, em agosto. Está sob vigilância estrita. É acusado, entre tantas outras coisas, de obstruir a Justiça e de administrar plataforma online para facilitar transações de quadrilhas envolvidas em crimes digitais, pornografia infantil, tráfico etc.

Em março de 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) mandou bloquear o Telegram. A ordem durou de uma quinta-feira a um domingo. Cairia antes do vencimento do prazo da suspensão efetiva do Telegram, que acabou por acatar ordens judiciais (o que não fizera até então, dizia, por ter perdido emails do STF).

Bruno Boghossian - As chances que restam a Ricardo Nunes

Folha de S. Paulo

Atropelada por prenúncios de uma tragédia, a candidatura de Ricardo Nunes parece dependente de um episódio ao estilo "deus ex machina". A expressão originada no teatro grego descreve uma intervenção inesperada e de última hora para resolver encrencas.

A campanha na TV vai ajudar o prefeito, mas dificilmente assumirá sozinha a dimensão de milagre. Ainda que Nunes tenha um latifúndio nas telas, a propaganda só será suficiente para mudar o jogo se o candidato for capaz de encaixar uma mensagem forte.

Nunes tem a vantagem de disputar a eleição sentado na cadeira. Ele usará a propaganda para tentar convencer o eleitor de que faz um bom governo e, na sequência, transformar uma avaliação positiva em voto.

Celso Rocha de Barros – Elon Musk e o Twitter

Folha de S. Paulo

Moraes tem bons argumentos, mas golpistas de Musk ganharão pontos

No próximo 7 de setembro, Jair Bolsonaro e seus golpistas protestarão na avenida Paulista. Se o fizerem pacificamente, terão o direito de fazê-lo.

A polícia de São Paulo estará lá para garantir que as coisas não saiam de controle. Se alguém levantar uma bandeira nazista, será preso. Se os manifestantes se virarem para fora da manifestação e passarem a ofender transeuntes com agressões racistas, serão presos. Se ninguém fizer nada disso, todo mundo voltará para casa normalmente.

Agora imagine como seria se um bilionário de extrema direita comprasse a avenida Paulista e decretasse que ela não é mais parte do Brasil. Para satisfazer as preferências ideológicas do bilionário, de agora em diante, seria permitido levantar bandeiras nazistas, discursar por golpe de Estado, chamar os negros paulistanos de macacos ou dizer aos judeus de São Paulo que eles deveriam ter sido mandados para as câmaras de gás. A polícia de São Paulo, os juízes brasileiros, não teriam mais poder de estabelecer qualquer limite, para qualquer manifestante, na nova avenida Paulista.

Muniz Sodré - O futuro é idiota

Folha de S. Paulo

Candidato mostra que idoneidade não atrai eleitores, voto não é selo de verdade, e o futuro é idiota

Ao pedir desculpas por sua postura na campanha pela prefeitura da maior metrópole brasileira, Pablo Marçal oferece uma via de compreensão da atualidade política. Admite ter-se comportado como idiota com o objetivo, vitorioso, de subir nas pesquisas. Sua retratação não é mudança de atitude, mas retrato de uma estratégia: idiotia como caminho para o poder.

Não é demais remontar à origem da palavra. "Idiotes", na Polis grega, eram aqueles centrados em negócios privados, alheios à vida pública, que interessava aos "politikós". Os significados atuais das duas palavras derivam dessa oposição. Mas se tornou pesado o atributo de idiota, pois implica ignorância, estreiteza mental e desconexão com o mundo.

Eliane Cantanhêde - Xandão x rei do universo

O Estado de S. Paulo

Brasil não é ‘casa da mãe Joana’, mas Xandão não pode fazer o jogo do inimigo

Assim como o ditador Nicolás Maduro confrontou e pôs o presidente Lula contra a parede, sem saída, o bilionário Elon Musk peitou o ministro do Supremo Alexandre de Moraes e transformou o Brasil num teste para seu poder mundo afora. A posição de Lula ficou mais complexa, tortuosa, mas a reação de Moraes foi rápida, direta e implacável: a suspensão das operações do X, exTwitter, no Brasil. Uma forma de dizer, interna e internacionalmente, que o País tem Constituição, leis e instituições, não é uma “terra de ninguém” ou “uma casa da mãe Joana”.

Lourival Sant’Anna - O limite entre crime e liberdade

O Estado de S. Paulo

STF deve dosar suas ações para que Brasil não seja confundido com ditaduras

A suspensão do X e a prisão do CEO do Telegram, Pavel Durov, representam uma escalada na guerra entre os Estados nacionais e as grandes plataformas digitais. O alcance supranacional dessas redes representa um desafio à imposição da lei em países democráticos, nos quais o direito à liberdade de expressão entra em choque com a proteção contra discursos de ódio, desinformação, pedofilia e outros crimes.

As acusações contra as plataformas de Elon Musk e de Durov são diferentes. O juiz brasileiro Alexandre de Moraes ordenou a suspensão do X depois que a plataforma se recusou a tirar contas do ar que disseminavam desinformação sobre as eleições de 2022, fechar seu escritório e retirar representantes do Brasil, de modo a não se sujeitar às punições da Justiça, como multa e, potencialmente, prisão.

Já o Telegram é usado para disseminar pornografia infantil, venda de drogas ilícitas e transações fraudulentas, e recusou-se a compartilhar com os investigadores informações e documentos sobre esses crimes, segundo a Justiça francesa.

Victor Missiato - Pablo Marçal e a Ágorapós-moderna

Correio Braziliense

O tempo da política passa a compor outras dimensões sensoriais e participativas, abrindo espaço para lideranças que, inclusive, rechaçam a política

Em entrevista ao projeto Fronteiras do Pensamento, o sociólogo Zygmunt Bauman, em 2011, afirmou que a pós-modernidade é responsável pelo descolamento da relação entre poder e política nas sociedades contemporâneas. Cada vez mais espetaculares e espetaculosos, os discursos políticos e a própria política foram abandonando a dimensão da transformação do poder para centralizar sua estratégia no empoderamento individual em detrimento dos sentidos de povo, revolução ou alargamento de um novo pacto republicano. 

No decorrer do século 20, homens e mulheres de partidos e associações conquistaram o poder por meio de golpes, revoluções e vitórias eleitorais, representadas por partidos que expressavam uma vontade coletiva, criando culturas políticas ligadas a um sentimento de libertação nacional ou um próprio desenvolvimento da cidadania moderna. No Brasil e no mundo, políticos e líderes revolucionários eram confundidos com as próprias causas nacionais que lideravam.

Ivan Alves Filho*- Por um entendimento entre Democratas e Humanistas

O papel das forças democráticas implica a defesa intransigente dos interesses da população, o que significa o reconhecimento sem arestas das instituições da República.

Mas não é difícil constatar a ambiguidade do comportamento de alguns setores se reivindicando do campo progressista quando recorrem à doutrina nacionalista, em período marcado pela globalização, para justificar seus equívocos e crimes. Não há como deixar de lembrar aqui a frase do escritor Samuel Johnson: "O nacionalismo é o último refúgio dos calhordas". Proferida no século XVIII, ela parece manter toda sua atualidade. Já foi dito por um grande estrategista político do século XX: "Não pintemos o nacionalismo de vermelho".

Para algumas instâncias políticas ocorre, visivelmente, um atrito entre  o plano nacional e a questão democrática. A História ensina. Vejamos o caso do governo populista de Getúlio Vargas. Ele subordina a Democracia a um propalado nacionalismo modernizador. Ocorre que a modernização desejada por ele se fazia em detrimento dos direitos humanos. Modernização com recurso sistemático a torturas e carta branca para a polícia política de Filinto Müller não dá. Astrojildo Pereira percebeu isso com muita acuidade à época, valorizando a Democracia entre nós desde os primórdios do movimento dos trabalhadores, nas primeiras décadas do século XX.

Poesia | Saudade, de Pablo Neruda

 

Música | Beth Carvalho - O meu guri ( Chico Buarque)