domingo, 11 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ainda é urgente conter violência contra as mulheres

O Globo

Nos 18 anos da Lei Maria da Penha, questão virou assunto de Estado. Mas é preciso avançar muito mais

Não há como não reconhecer que a Lei Maria da Penha, que completou 18 anos na quarta-feira, representa um avanço no combate à violência contra a mulher. Sancionada em 2006, ela foi batizada com o nome da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que se tornou paraplégica após ser baleada nas costas durante um assalto forjado pelo marido. Como se a violência fosse pouca, dias depois ele ainda tentou eletrocutá-la no banho. A demora para julgar o caso rendeu ao Brasil uma condenação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Merval Pereira - A linguagem política

O Globo

O atributo necessário do texto político está na eficácia para formar opinião e cooptar adesões, o que teria uma “função apelativa”

Nesses tempos de eleições, a linguagem política que começa a invadir nossas casas em debates e propaganda eleitoral ganha espaço próprio no cotidiano do brasileiro, e por isso merece atenção especial. Foi o que fez o linguista e filólogo Ricardo Cavalieri, membro da Academia Brasileira de Letras, em recente palestra, lembrando que o político e diplomata francês Charles-Maurice Talleyrand definiu que a linguagem política serve mais para ocultar o pensamento do que manifestá-lo.

O atributo necessário do texto político está na eficácia para formar opinião e cooptar adesões, o que, na definição do linguista alemão Karl Bühler, teria uma “função apelativa”. Cavalieri lembra que, entre as estratégias para montar um texto político, está “escamotear a verdade dos fatos”. “A falácia, a falsidade e a desfaçatez, que seriam condenadas em outros gêneros textuais, figuram como ingredientes naturais do texto político”, ressalta o filólogo.

Luiz Carlos Azedo - Quem sabe o destino das emendas secretas?

Correio Braziliense

O ministro do Supremo Flávio Dino baixou duas liminares duríssimas para acabar de vez com o “orçamento secreto”. Deputados e senadores têm R$ 49 bilhões em emendas

Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski, baseado na vida real, é um clássico da literatura universal, escrito no século 19, a partir de uma história policial: o caso de um crente antigo (raskolnik em russo) que matou duas mulheres com um machado, cujo julgamento teve cobertura jornalística. A partir desse crime, Dostoiévski retrata a crise de consciência de Rodion Raskolnikov, o protagonista do romance.

O romance é uma resposta atemporal de Dostoiévski a ideais niilistas da juventude radical nos anos 1860. O escritor queria mostrar o que a perda da fé em Deus e o abandono da base moral poderiam causar, a partir da história de Rodion Raskolnikov, que deixa a universidade por falta de dinheiro para pagar os estudos. Algumas pessoas pensam que podem ser melhores do que as outras. O jovem concluíra que há dois tipos de pessoas: as comuns e as extraordinárias. Se julga o segundo caso, mas precisa provar a si mesmo.

Elio Gaspari - Lula 3.0 bloqueia dados de pesquisas

O Globo

O repórter Mateus Vargas revelou que o governo decidiu impor pelo menos dois anos de sigilo para os resultados de 33 pesquisas que custaram à Viúva R$ 13 milhões. Alguns desses levantamentos foram realizados no governo de Bolsonaro.

Segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto, o conhecimento dos resultados dessas pesquisas pode “trazer maiores prejuízos à sociedade do que os benefícios de sua divulgação”. Diante de um recurso da “Folha de S. Paulo”, a Controladoria-Geral da União, entrou na questão e defendeu o sigilo:

“A sua disponibilização possui o potencial de trazer à tona informações distorcidas referentes a uma política pública a ser implantada, frustrar expectativas e gerar a propagação de informações equivocadas.”

Sabe-se que algumas dessas pesquisas referiam-se às falas de Lula sobre a guerra de Gaza e sobre as ações do governo contra o crime organizado.

O governo que atacava os sigilos impostos por Bolsonaro, bloqueia o conhecimento de simples pesquisas de opinião. Nada a ver com o segredo sobre ações sigilosas.

Tudo coisa de burocrata onipotente, pois o embargo incluiu até o preço do serviço, disponível em outra base de dados.

Luiz Marinho, Nomakhosazana Meth e Yolanda Díaz* - Combater a desigualdade trabalhista é o desafio atual

O Globo

Uma parcela menor da renda econômica chega aos trabalhadores, enquanto a maior parte é destinada aos proprietários do capital

Num mundo cada vez mais globalizado e interconectado, repleto de crises sobrepostas, a desigualdade trabalhista permanece como um desafio urgente e não enfrentado em muitas sociedades. Para combatê-la, é necessário abandonar modelos tradicionais de desregulamentação e buscar uma resposta social expansiva e consensual.

Numa demonstração de cooperação entre três continentes, Brasil, África do Sul e Espanha buscam promover uma distribuição mais justa dos produtos do trabalho. O compromisso busca expandir os direitos trabalhistas em todo o mundo, reconhecendo que a participação da renda do trabalho na economia tem diminuído desde a década de 1980. Isso significa que uma parcela menor da renda econômica chega aos trabalhadores, enquanto a maior parte é destinada aos proprietários do capital.

Míriam Leitão - Saída difícil na Venezuela

O Globo

Aposta do Brasil de manter a posição de mediador é de alto risco. Mas tem uma lógica: de não ser mais um a apontar a fraude e tentar dialogar 

Não é trivial decidir como agir em relação à crise na Venezuela. O Brasil tem procurado manter sua posição e preservar o espaço para negociação. Se o governo brasileiro fizesse uma declaração dizendo que o processo foi fraudulento e condenando Nicolás Maduro seria mais um a fazer o mesmo movimento. Porém não condenar é uma aposta de alto risco. Aposta que ele tem perdido desde que patrocinou o acordo de Barbados, desrespeitado por Maduro com atos como o de impugnar candidaturas de oposição. Se tudo der errado, como parece o mais provável, não será desonroso ter ficado na posição de tentar uma solução negociada para a crise.

Eliane Cantanhêde – Dor e tristeza

O Estado de S. Paulo

Acidentes aéreos horrorizam, mas os aviões são o meio de transporte mais seguro

Acidentes como o desta sexta-feira, com 62 mortos, mudam a vida de parentes e amores, causam enorme tristeza em amigos e colegas e abalam o País, mas é importante lembrar que aviões são o meio de transporte mais seguro e é muitíssimo mais perigoso viajar por terra, de motocicleta, carro ou ônibus, do que voar numa aeronave -- de fabricante, empresa, tripulações, equipes técnicas, documentação e manutenção garantidas.

Lourival Sant’Anna - O namoro de Lula com o autoritarismo

O Estado de S. Paulo

Lula fecha os olhos para a opressão e continua apegado aos populistas de esquerda

A crise entre Brasil e Nicarágua revelou o tamanho da resistência do presidente Lula em se distanciar dos regimes ditatoriais de esquerda que ele apoia há duas décadas. Só um pedido irrecusável, do papa Francisco, pôde mover a balança do governo em favor da democracia, em detrimento das afinidades ideológicas. Ainda assim, com muita hesitação.

O embaixador do Brasil em Manágua, Breno Costa, não compareceu à comemoração, no dia 19 de julho, do 45.º aniversário da Revolução Sandinista, liderada pelo ditador Daniel Ortega. Foi avisado de que seria expulso. Em vez de vir logo embora, como faria o funcionário de uma diplomacia “ativa e altiva”, esperou duas semanas, até a expulsão ser consumada.

Rolf Kuntz - Lula e Maduro, um vizinho complicado

O Estado de S. Paulo

Não há, nesta altura, razões estratégicas ou diplomáticas para disfarçar o repúdio ao ditador venezuelano

A tolerância de Luiz Inácio Lula da Silva com o companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, é explicada por alguns analistas como diplomacia de boa convivência. Relações amigáveis com o governo de um país vizinho atendem a interesses nacionais, acrescentam esses analistas. Falta mostrar por que interessa ao Brasil a vizinhança de um país comandado por um autocrata violento, responsável por dezenas de mortes e milhares de prisões e apoiado por governos autoritários, como os do Irã, da Rússia e da China.

Pedro Malan - É assustador 4

O Estado de S. Paulo

Chegamos a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as eleições de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

Celso Rocha de Barros - Por que a democracia brasileira sobreviveu?

Folha de S. Paulo

Vale a pena discutir como o país se mostrou e e ainda se mostra pronto a acomodar golpistas

Em "Por que a democracia brasileira não morreu?", os cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira discutem por que a democracia brasileira sobreviveu à crise política que começou com os protestos de 2013 e durou até o fracasso da tentativa de golpe de Jair Bolsonaro.

O livro tem duas teses. Uma é muito mais bem demonstrada que a outra.

Os autores estão certos quando dizem que a culpa das últimas crises políticas não é do presidencialismo de coalizão. Aqui Melo e Pereira jogam em casa: são autores de um livro clássico sobre como o sistema político brasileiro funciona melhor do que se pensa ("Making Brazil Work", de 2013).

Embora acertada, a análise merece um matiz: além dos choques externos, sofremos com legados históricos que enviesaram nosso sistema para a direita. Fizemos nossa transição à democracia com a classe política herdada da ditadura, fortemente conservadora (pois a esquerda foi perseguida) e bastante corrupta (pois na ditadura conviveram grandes projetos de desenvolvimento e ausência de controle institucional).

Muniz Sodré - A gaiola de Maduro

Folha de S. Paulo

Enquanto protoditador diz falar com passarinho, cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra

Tempo biográfico de infância, interior nordestino. Bastava Seo Zezinho, o barbeiro local, estender a mão para que um passarinho, qualquer um, na rua ou no quintal, nela pousasse. Coisa bizarra, mas ninguém falava em poderes, nem o confundia com São Francisco. Era só a natureza de Seo Zezinho.

Mas existe segunda natureza. Nas autocracias sul-americanas é a bizarrice enganosa, manipulada pelo marketing político. Na Argentina, o presidente aconselha-se com um cachorro morto. Na Venezuela, um protoditador diz falar com um passarinho, suposta reencarnação do predecessor. Maduro, claro, autor do prodígio de vencer eleições antes do total apurado, bizarramente referendado por uma gaiola ideológica brasileira. Ideologia de asas curtas.

Bruno Boghossian - A extrema direita vai às ruas

Folha de S. Paulo

Derrotada na eleição, ultradireita do Reino Unido tenta tirar proveito de um espetáculo de racismo

A extrema direita foi às ruas no Reino Unido para propagar uma onda de ódio contra imigrantes. O bando espalhou medo e fúria, mas não fez muito sucesso. Depois de invadir abrigos, incendiar carros e agredir policiais, a turma despertou grandes atos antirracistas que, na prática, frearam os ataques. A maioria da população condenou a violência.

Mesmo assim, os políticos que usam a xenofobia como língua corrente não acharam que era o caso de voltar para a toca. O desprezível Nigel Farage tentou convencer o público de que repudia a violência, mas aproveitou para dizer que os protestos exigiam uma iniciativa urgente para conter a imigração.

Hélio Schwartsman - Alexandre no fim do mundo

Folha de S. Paulo

Nova biografia de rei macedônio recorre a fontes orientais e à arqueologia

Você sabe que vive tempos interessantes quando até o passado se torna incerto. Avanços no campo da arqueologia, da antropologia e até da linguística vêm fazendo com que a história, particularmente a de períodos mais antigos, passe por uma pequena revolução. O best seller "O Despertar de Tudo", de David Graeber e David Wengrow, é talvez o melhor exemplo disso, mas nem de longe um caso isolado.

Esse movimento de ampliação das fontes de pesquisa afeta até biografias. Acaba de sair "Alexander at the End of the World", de Rachel Kousser.

Poesia | Ausência, de Vinícius de Moraes

 

Música | Milton Nascimento & esperanza spalding: Tiny Desk (Home) Concert