quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Diminuir o rombo do INSS exige mudança no BPC

O Globo

Mesmo que pente-fino proposto pelo governo dê certo, despesa com programa continuará crescendo

Uma estimativa do próprio governo reconhece que o anunciado pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, será insuficiente para barrar a expansão do gasto no programa, um dos responsáveis pelo rombo crescente do INSS. Na melhor das hipóteses, a despesa saltará de R$ 106,6 bilhões neste ano para R$ 140,8 bilhões em 2028, contabilizando a economia de R$ 47,3 bilhões esperada com o corte de benefícios irregulares.

Dois fatores explicam a previsão de alta feita pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. Um é o crescimento vegetativo do número de beneficiários. Na questão demográfica, obviamente não há nada que o governo possa fazer.

Maria Cristina Fernandes - A chance de o governo sair das cordas

Valor Econômico

Cerco do Judiciário às emendas parlamentares cobrará um preço mas é o que há para hoje se o Executivo quiser sair das cordas

No dia seguinte ao garrote que o ministro do Supremo Tribunal FederalFlávio Dino, colocou nas emendas parlamentares pelo descumprimento dos requisitos de transparência e rastreabilidade, o Tesouro bloqueou R$ 3 bilhões que seriam destinadas às emendas de comissão e R$ 1,2 bi devido àquelas de relator. Esses R$ 4,2 bilhões excedem o contingenciamento de R$ 15 bilhões imposto pelo arcabouço fiscal.

Na tarde desta quarta, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fechou o cerco. Entrou com uma ação para sustar o pagamento de emendas Pix, aquelas que são da dotação individual dos parlamentares e vão direto para o caixa das prefeituras sem convênios que permitam o acompanhamento mais transparente da execução.

O cerco sobre o Congresso oferece ao presidente, que reúne hoje seu ministério, uma oportunidade de sair das cordas. O semestre anterior à eleição das mesas do Congresso sempre oferece uma chance de o Executivo ganhar governabilidade ou afundá-la de vez. Funciona mais ou menos como as eleições legislativas de meio de mandato nos EUA. No cerco em questão, operado pelos 11 votos do STF, crescem as chances de o Executivo ganhar governabilidade.

Eduardo Belo - Colapso fiscal à espreita

Valor Econômico

Economista e professor Paulo Paiva sugere nova reforma da previdência além de mudanças na governança do orçamento e na lei de finanças públicas

A solução para a questão fiscal no Brasil passa por um novo conjunto de reformas que melhore a capacidade do Executivo de gerir o Orçamento, desate várias amarras do gasto público e abra espaço para despesas não obrigatórias.

Sem isso, o país caminha para um colapso fiscal, defende Paulo Paiva, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-ministro do Trabalho e do Planejamento e Orçamento no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Se nada for feito, em menos de uma década toda a receita será insuficiente para cobrir as despesas obrigatórias, argumenta o economista.

Maria Clara R. M. do Prado - Uma armadilha conveniente

Valor Econômico

Sem rumo definido, o governo parece confinado às elocubrações do presidente da República e a atitudes descompensadas

Na escala que mede o nível da riqueza dos países, o Brasil está não apenas estagnado há anos, mas tende a chegar a 2100 ainda mais distante do líder mundial, os Estados Unidos. Ou seja, faça sol faça chuva, se mantiver os mesmos estímulos com vistas ao crescimento econômico adotados nas últimas décadas, a maioria dos países de renda média - em que se inclui a economia brasileira - passará muito provavelmente por processo de desaceleração nos próximos 75 anos.

O prognóstico é do Banco Mundial. A partir do modelo de crescimento no longo prazo baseado em Solow-Swan - que busca medir a expansão das economias em um largo horizonte de tempo considerando a acumulação de capital, o aumento da população e da produtividade com progresso tecnológico - a instituição avaliou 108 países atracados na armadilha da renda média (com renda per capita no intervalo extenso que vai de US$ 1.136 a US$ 13.845).

José Luis Oreiro - A natureza da desindustrialização brasileira

Correio Braziliense

A combinação de juros altos e câmbio sobrevalorizado dos últimos 30 anos desestimula o investimento em máquinas e equipamentos e, dessa forma, a modernização da indústria brasileira

O debate sobre a desindustrialização da economia brasileira tem início no ano de 2005, quando o economista Chileno Gabriel Palma apresentou um seminário na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) em que ele desenvolveu pioneiramente o conceito de desindustrialização precoce que afetou os países da América Latina a partir da adoção dos preceitos do Consenso de Washington no início dos anos 1990. Para Palma, a redução das tarifas de importação realizada pela maior parte dos países da América Latina nos anos 1990,  em um contexto macroeconômico marcado pela adoção de planos de estabilização com âncora cambial, gerou uma redução da participação da indústria de transformação no PIB dos países da América Latina a um nível de renda per capita bastante inferior ao observado pelos países do G7 quando eles passaram por um processo de desindustrialização nos anos 1970 e 1980. A desindustrialização da América Latina seria, portanto, precoce na comparação com o ocorrido com os países de alta renda, nos quais a desindustrialização poderia ser vista como decorrência natural do aumento do nível de renda per capita, o qual tende a fazer com que, após certo nível, uma parte crescente da renda das famílias seja alocada em serviços em vez de produtos manufaturados. 

José Serra - Técnica e política na reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Uma economia cada vez mais complexa e um mundo político marcado pela fragmentação fazem das mudanças do sistema tributário um ótimo campo para a reflexão

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) que regulamenta a Emenda Constitucional 132/2023, que modificou radicalmente a tributação sobre bens e serviços na economia brasileira. A proposta proveniente do governo federal foi a base do substitutivo aprovado, que segue para o Senado Federal, podendo retornar à Câmara, em caso de modificações.

A leitura que muitos fizeram sobre as modificações que a Câmara dos Deputados propôs ao texto do PLP 68/2024, na forma do substitutivo, apontou para a desfiguração completa da proposta de reforma tributária. Muitos chegaram a apontar que a política deturpou a proposta que os técnicos formularam.

Não acho que seja relevante tomar o partido de algum lado dos críticos. Mas é crucial avaliar o processo de mudança dos pilares do sistema tributário e a forma como a decisão política é conduzida na tramitação de um projeto que afeta tantos interesses. Uma economia cada vez mais complexa e um mundo político marcado pela fragmentação fazem das mudanças atuais do sistema tributário um ótimo campo para a reflexão.

Eugênio Bucci - Gestos fotogênicos

O Estado de S. Paulo

Assim como a ciência, a religião, a política e a guerra, também o atletismo se traduz em melodrama lacrimoso, seja para o mal, seja para o bem

Veio na primeira página do Estado de anteontem. Você viu a foto, uma cena verdadeiramente olímpica. Ao centro do pódio, a brasileira Rebeca Andrade ergue as duas mãos para o céu, volta o rosto para o alto e sorri como quem não deve mais nada a ninguém. Está lá para receber a medalha de ouro na modalidade solo da ginástica artística. Uma glória. A seu lado, duas outras atletas, uma à esquerda e outra à direita, fazem reverência à campeã, como súditas de uma rainha. A já lendária Simone Biles, medalha de prata, e Jordan Chiles, bronze, ambas dos Estados Unidos, abaixam a cabeça e se inclinam à majestade da brasileira.

A imagem denota grandeza, generosidade e espírito solidário, sem vaidade alguma. Essas virtudes não eram frequentes nem mesmo no Olimpo. Zeus e seus convivas, dados a rompantes de ciúmes e inveja, promoviam intrigas e urdiam vinganças inomináveis. Simone Biles e Jordan Chiles, quando se dobraram em mesura para homenagear a vitória de uma adversária, foram mais olímpicas que os deuses gregos. A televisão mostrou. As duas, em seguida, deram as mãos a Rebeca e trocaram olhares de quem se admira na alma. Juntas, mostraram que o importante não é competir, mas poder superar com alegria o estado de competição.

William Waack - O grande jogo na Venezuela

O Estado de S. Paulo

O Brasil vê a Venezuela como parte do lado que vai vencendo o conflito geopolítico

Visto da perspectiva do Planalto, o ditador Nicolás Maduro está do lado certo da história. O que o chavismo não conseguiu há 20 anos está acontecendo agora: o fim do império americano. Lula e suas posturas de política externa – o Brasil se mete onde nada tem a dizer e onde tem muito a dizer quase nada consegue – são inconsequentes no caso da crise da Venezuela, pois virou briga de cachorro grande. Rússia e China dão ao chavismo um extraordinário grau de conforto.

Também nesse sentido Lula e sua assessoria internacional se sentem do “lado certo”, o vencedor. Entendem a grande ruptura geopolítica atual em linha com um “determinismo” no sentido de que é inevitável o triunfo do “Sul” (os pobres, os emergentes, os espezinhados pela hipocrisia ocidental) conduzido pela China.

Maria Hermínia Tavares - Muito além da Venezuela

Folha de S. Paulo

PT precisa deixar de viver nos tempos da Guerra Fria

A crise em curso na Venezuela traz um grande desafio para o Brasil —maior até do que possa fazer por uma solução civilizada do conflito no país fronteiriço. Afinal, trata-se de definir o lugar que a defesa da democracia e da proteção aos direitos humanos ocupa na agenda externa nacional. A questão é a um só tempo antiga e enroscada.

Brasília de há muito se pauta pela não ingerência nos assuntos internos de outras nações ­­—atitude que deriva da aceitação da soberania como princípio ordenador das relações internacionais. Em consequência, como cada país se organiza politicamente e como os respectivos governos tratam seus cidadãos são realidades irrelevantes para orientar as ações do Itamaraty; relevante, mesmo crucial, é identificar aliados e os competidores, de quais deles se aproximar ou tomar distância.

Bruno Boghossian - Realismo de Brasília a Caracas

Folha de S. Paulo

Com insistência do ditador, governo precisa reduzir de forma enfática a boa vontade com o regime

O governo brasileiro teve que fazer alguns ajustes de posição diante da teimosia de Nicolás Maduro. A principal sinalização foi empurrar com a barriga um telefonema que o ditador pediu a Lula na semana passada. A ligação só deve ocorrer se também tiver a participação dos presidentes da Colômbia e do México. Depois, o trio ainda conversaria com o opositor Edmundo González.

O Brasil incorporou em seus cálculos a necessidade de dizer ao mundo que o esforço para solucionar a crise não será pautado por predileções particulares. Os generosos comentários de Lula sobre a situação da Venezuela levaram o governo a assumir uma dose mais alta de realismo.

Luiz Carlos Azedo - O imponderável da política externa para Lula

Correio Braziliense

Lula se meteu numa enrascada ao se posicionar de forma "neutra" em relação à eleição fraudulenta de Maduro. O distanciamento diplomático não basta à opinião pública

Tudo indica que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai empurrar com a barriga uma definição sobre reconhecer ou não a vitória da oposição ao governo de Nicolás Maduro. No limite, tem até o fim do atual mandato do ditador venezuelano, que vai até março de 2025, para tomar uma decisão. É uma eternidade para a oposição, liderada por María Corina e Edmundo González, que sofrem forte perseguição policial e jurídica. Ambos estão na clandestinidade.

Tarek William Saab, procurador-geral da Venezuela, abriu investigação criminal contra os dois opositores por seis delitos, incluindo instigação à insurreição. O Tribunal Supremo de Justiça intimou Edmundo a comparecer, nesta quarta-feira, de não reconhecer ninguém enquanto as atas das mesas de votação não forem divulgadas.

Merval Pereira - O peso da leniência

O Globo

O Brasil armou todo esse imbróglio diplomático ao colocar suas fichas num político grosseiro e autoritário

O assessor internacional da Presidência, ex-chanceler Celso Amorim, tem razão de temer uma guerra civil na Venezuela, como disse ontem em entrevista ao Estúdio i da GloboNews. Mas a situação escalou nessa direção também por culpa do governo brasileiro, que passou anos respaldando um governo claramente autocrático, que desmontou todas as instituições do Estado venezuelano para impor sua vontade no simulacro de democracia que o presidente Lula sempre elogiou.

Se Lula não tivesse avalizado a relatividade da democracia que o chavismo implantou no país vizinho, as manobras de Maduro para chegar a uma eleição fraudulenta não teriam sido facilitadas. O protoditador Maduro é tão rude e violento que já se fala com uma certa nostalgia canhestra de Chávez, que iniciou esse processo, mas tinha um pouco mais de pudor do que seu sucessor. Uma leniência com os crimes de Maduro que está custando caro ao Brasil.

Malu Gaspar – Não é sobre relógios

O Globo

Não deixa de ser insólito que a discussão do momento na política brasileira seja sobre Lula devolver ou não um relógio de R$ 60 mil recebido de presente da Cartier em 2005 numa visita à França. Não que o episódio seja irrelevante. Se o Brasil ficasse na Escandinávia, o caso teria sido motivo de escândalo.

Mas não há escândalo hoje, não houve lá em 2005, e a única razão pela qual o assunto entrou na pauta do Tribunal de Contas da União (TCU) foi a representação de um deputado do PL que pedia que o presidente devolvesse o relógio, mas que no fundo torcia para que o TCU livrasse Lula e, por tabela, ajudasse também Jair Bolsonaro a se safar de uma denúncia por se apropriar dos presentes do príncipe da Arábia Saudita e tentar vendê-los depois de deixar o governo.

Míriam Leitão - STF e o direito dos indígenas

O Globo

Os indígenas enfrentam novos conflitos de terras e uma comissão do STF reabre discussão sobre marco temporal, que já estava resolvida pelo próprio Supremo

O secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o advogado Eloy Terena, estava na segunda-feira no Supremo Tribunal Federal, onde se discutia o marco temporal. Na terça-feira, foi ao Mato Grosso do Sul com a ministra Sonia Guajajara para falar com ruralistas e indígenas sobre o confronto que deixou dez feridos e voltou na madrugada de quarta-feira a Brasília. A complicada questão indígena está tendo uma semana intensa. Eloy avalia que o STF está misturando temas que precisam ser debatidos com cláusulas pétreas, que são inegociáveis, referindo-se à Comissão de Conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes. Alerta ainda que, se os indígenas saírem da comissão, não haverá razão para que ela continue.

George Gurgel de Oliveira* - Brasil: Ciência, Tecnologia e Inovação para a Sustentabilidade

O imperativo da mudança: quais os desafios?

A dinâmica das relações entre a sociedade e a natureza muda qualitativamente a partir da revolução industrial. As inovações científicas e tecnológicas, através das máquinas incorporadas aos processos produtivos, modificam exponencialmente a escala de produção e consumo, colocando-se a necessidade de ampliação dos mercados, além do Estado Nacional, criando-se novas relações políticas, econômicas e sociais.

Desde então, desencadeou-se um processo de mundialização, transformando o modelo de ser e agir da humanidade nas suas relações entre si e com a própria natureza, impactando, como nunca antes na história, os ecossistemas, colocando em risco a sobrevivência da própria humanidade. Construiu-se uma lógica de produção e consumo que historicamente e atualmente mostrou-se insustentável.

Portanto, coloca-se a necessidade de construir uma outra perspectiva de sociedade, ampliando as formas e os conteúdos da democracia, a partir de novas relações políticas, econômicas e sociais, onde a ciência, a tecnologia e a inovação (C&T&I) podem e devem cumprir um papel de destaque.

Poesia | Os três mal amados, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Mônica Salmaso - O velho Francisco