segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque a Hezbollah era necessário para conter ameaça

O Globo

Agora, para conter danos aos civis e obter reféns de volta, as partes devem buscar um cessar-fogo

Horas depois do monstruoso ataque terrorista do grupo palestino Hamas em 7 de outubro do ano passado, quando nem se sabia ao certo quantas centenas de pessoas haviam sido massacradas, sequestradas ou abusadas sexualmente, o grupo xiita libanês Hezbollah — responsável por dezenas de atentados terroristas em vários continentes, inclusive na América Latina – começou a bombardear o norte de Israel de suas bases no sul do Líbano. Foram lançados desde então mais de 10 mil foguetes, forçando o êxodo de 67.500 habitantes da região. Foi esse o motivo para Israel atacar o Líbano nas últimas semanas, começando com a explosão sincronizada de perto de 3 milhares de pagers usados para comunicação entre integrantes do Hezbollah e culminando com a morte de seu líder, Hassan Nasrallah, atingido por um ataque em Beirute enquanto participava de uma reunião no subsolo de um prédio residencial na sexta-feira.

A ofensiva israelense deixou milhares de feridos e centenas de mortos, entre eles as principais lideranças do Hezbollah, representantes do governo iraniano e, lamentavelmente, civis inocentes, inclusive dois brasileiros. Ao contrário de Israel, que dispõe de um sofisticado sistema de defesa antiaéreo capaz de interceptar mísseis e foguetes ainda no ar — testado em seu limite por um ataque iraniano meses atrás —, o Hezbollah opera, a exemplo de seu congênere Hamas, infiltrado na população civil libanesa, usada como escudo humano para dissuadir ataques. Só que o Hezbollah é mais sofisticado e poderoso que o Hamas. Seu arsenal, estimado entre 150 mil e 200 mil foguetes, lhe confere dez vezes o poder de fogo do grupo palestino. O Hezbollah também é dependente militar e financeiramente de Teerã, mas os vínculos são mais fortes. Como o Irã, professa a vertente mais extremista do fundamentalismo xiita, almeja a destruição de Israel e está em conflito aberto com os valores (e países) ocidentais há décadas. O Hezbollah usufrui um status especial no Líbano, que lhe permite, ao mesmo tempo, manter representação política e uma milícia própria, além de comandar bancos, fornecimento de energia e um sistema econômico paralelo.

Fernando Gabeira - Todos os tons do setembro amarelo

O Globo

Não existe perigo de o planeta acabar, mas sim de a vida humana tornar-se inviável nele

Começou o outono em Nova York. Estive concentrado na cidade porque os líderes mundiais falariam na ONU. E também porque minha filha Maya estava por lá. O que tem a ver uma coisa com a outra? O trânsito. Ela precisava se deslocar entre um e outro evento sobre defesa do oceano e fez uma curta viagem à Califórnia. Sofreu com as longas viagens de táxi.

Os discursos na ONU se sucediam indiferentes aos pequenos transtornos urbanos. Imagino aquele prédio como um imenso transatlântico com seus oradores navegando num mar tempestuoso, repleto de icebergs.

Ouço uma voz em português de nosso presidente advertindo para a catástrofe climática. Soa sensato, mas, a 8 mil quilômetros de distância, o que sentimos ainda é o calor do fogo, o cheiro de fumaça. Estamos destruindo o planeta com regularidade, sem discriminação.

O outono começa por lá. Por aqui o inverno acabou. Ainda restam algumas folhas de amendoeira não recolhidas na Rua Almirante Saddock de Sá.

Preto Zezé - Rumo às urnas

O Globo

É preciso diferenciar a politização fácil das redes de discursos realmente conectados com a realidade

Com quase 20 milhões de pessoas, as favelas representam uma fatia importante a ser disputada pelos candidatos no próximo pleito. O futuro está nas mãos dessas populações, mais lembradas em tempos de eleição. Como dizia um professor meu:

— Favelado fica mais importante em época de eleição.

O favelado enfrenta dificuldade para participar da política. Há uma visão equivocada de que todos votamos nos mesmos candidatos.

A política tem sido a maior invenção de transformação social. Quando se participa dela, descobrem-se os caminhos dos espaços de poder e decisão. Com o advento das redes sociais, os excluídos, por um lado, ganharam voz, mas, por outro, viraram presas fáceis para todo tipo de aproveitador.

Os debates e apresentações são cada vez mais teatrais, buscando a espetacularização ou até ridicularização da política. Não há espaço para propostas sérias. Tudo parece girar em torno de curtidas que se convertem em votos.

Lygia Maria - Vícios sem paternalismo estatal

Folha de S. Paulo

Seja no caso das bets ou das drogas, poder público deve escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com os recursos escassos disponíveis

O gasto de R$ 3 bilhões em apostas online (bets) por beneficiários do Bolsa Família inflamou o debate público.

Produtos que causam externalidades negativas —como dependência física ou psicológica— tendem a ser tratados, pelo Estado e pela sociedade, por um viés moralista que incita medo. A consequência são políticas paternalistas e punitivistas que, geralmente, não apenas não contêm o problema como ainda o pioram.

guerra às drogas é o exemplo clássico. Quaisquer prejuízos que o consumo de maconha ou cocaína possam causar nem sequer chegam perto dos efeitos nefastos da proibição, como o monopólio pelo crime organizado, as disputas entre cartéis do tráfico e suas facções, a violência urbana que atinge sobretudo a população mais pobre e a corrupção policial e do sistema de justiça.

Ana Cristina Rosa - A marca das eleições municipais 2024

Folha de S. Paulo

A violência política mingua a democracia, e as condenações são irrisórias

Entre cadeirada, soco, cusparada, intimidações, ataques e ameaças de morte, a violência política tornou-se a marca das eleições municipais de 2024.

A menos de uma semana para o primeiro turno do pleito (no dia 6 de outubro), é difícil encontrar quem não saiba de alguma ofensiva criminosa contra postulantes a prefeituras ou câmaras de vereadores pelo país.

O caso mais estarrecedor foi transmitido ao vivo pela televisão e envolveu dois homens na disputa pelo comando da maior cidade da América Latina.

Mas, para além do matiz ideológico, gênero e raça têm servido de agravantes da violência política, fazendo das mulheres (em especial as negras) o principal alvo.

Camila Rocha - Mais de 1 milhão passam fome em São Paulo

Folha de S. Paulo

Assunto de vários níveis de governo parece ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais

Mais da metade da população da cidade de São Paulo possui algum grau de insegurança alimentar. É o que afirma a pesquisa intitulada "I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo", realizada neste ano por duas universidades paulistas, a Unifesp e a UFABC.

Segundo o estudo, divulgado em 20 de setembro, 12,5% dos moradores da cidade, cerca de 1,4 milhão de pessoas, experimentam insegurança alimentar grave. Ou seja, passam fome. A maioria (72%) vive nas periferias e é de trabalhadores informais (52%), principalmente mulheres que trabalham como faxineiras e diaristas (34%).

Marcus André Melo - Faoro, a túnica centralizadora e o STF

Folha de S. Paulo

O combate à corrupção é promessa não realizada da democracia

As decisões monocráticas de Dias Toffoli anulando provas inequívocas de corrupção envolvendo a OAS, e de Ricardo Lewandowski, ex-juiz do Supremo e agora ministro da Justiça, viabilizando nomeações na Petrobras, ao arrepio da Lei das Estatais, nos fazem lembrar a frase com que Faoro conclui Os Donos do Poder: "nossa sociedade –'um esqueleto de ar'— está coberta pela 'túnica rígida do passado inexaurível, pesado, sufocante'. E este passado é, em larga medida, o passado da impunidade e do estatismo intervencionista, ao qual está umbilicalmente interligado".

A Nova República foi inaugurada sob a consigna do combate à impunidade: "A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune toma nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública". As palavras de Ulysses Guimarães, em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988, atestam a centralidade que a questão assumira na agenda pública. E não podia ser diferente, pois a corrupção e a impunidade são faces da mesma moeda: abuso de poder. Na democracia ele não tem a visibilidade da violência e do arbítrio sob o autoritarismo; mais suave, é mais insidioso.

Carlos Pereira - Usurpação individual ou delegação?

O Estado de S. Paulo

Muito do que parece arroubo individual de um ministro do STF pode ser, na realidade, apenas delegação

Fica cada vez mais claro que o Judiciário tem exercido um papel proeminente na política brasileira. A maioria das interpretações deste fato, entretanto, se baseia quase que exclusivamente na perspectiva da personalidade individual de um juiz ou de um ministro do STF. Como se o protagonismo do Judiciário fosse consequência direta de características pessoais ou de um estilo próprio de atuação de alguns de seus membros, e não de elementos institucionais.

Na direção contrária a essas interpretações de enfoque individual, especificamente em relação ao desempenho arrojado do ministro Alexandre de Moraes, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que Moraes “tem tido condição de fazer esse papel porque essa é uma visão majoritária no Supremo”. “Portanto, não é uma coisa personalista, nem monocrática. Reflete um sentimento coletivo de proteção da democracia. É claro que cada um, quando conduz um inquérito, conduz com as características da sua personalidade, mas há uma institucionalidade por trás.”

Marcelo de Azevedo Granato - Marçal é sintoma de uma sociedade sem esperança

O Estado de S. Paulo

Onde um personagem com essas características pode florescer, se não num ambiente de desesperança na vida comunitária e na ação conjunta dos cidadãos, ou seja, na política?

O entusiasmo em torno da figura de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo quando da redação deste texto, tem algo de paradoxal. Afinal, é um entusiasmo que parece florescer não na esperança, mas na desesperança dos seus adeptos quanto à ação política.

Assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, Marçal se declara antissistema. Também como Bolsonaro, que teve sua candidatura à Presidência em 2018 viabilizada pelo então inexpressivo Partido Social Liberal (PSL), Marçal se candidata à Prefeitura paulistana pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), comandado até 2021 pelo falecido Levy Fidelix, proponente do “aerotrem”.

Ao contrário de Bolsonaro, porém, Marçal é realmente um outsider. O ex-presidente, como se sabe, vive da política há cerca de 30 anos. Ele próprio confirma sua procedência: “Eu sou do Centrão (...), eu nasci de lá” (22/7/2021).

Bruno Carazza - Para onde vai o maior fundão da história?

Valor Econômico

Prestação de contas mostram distorções das eleições municipais mais caras desde a redemocratização

Há quatro anos, Eduardo Paes (PSD) conquistou a prefeitura do Rio de Janeiro gastando R$ 11,2 milhões do fundo eleitoral (valores atuais). Em busca da reeleição, ao que tudo indica em primeiro turno, o atual prefeito recebeu até o momento R$ 21,3 milhões de seu partido - ou melhor, do contribuinte brasileiro.

O Congresso Nacional decidiu que o fundo eleitoral deste ano será de R$ 4,9 bilhões, o maior da história. Quatro anos atrás, o valor foi de R$ 2,035 bilhões - corrigido pelo IPCA, isso daria R$ 2,65 bilhões em dinheiro de hoje.

Ou seja, sem nenhuma justificativa plausível, os deputados e senadores (com a conivência de Lula, que não vetou a proposta) elevaram o volume de recursos públicos nas campanhas eleitorais em praticamente 85%.

Sergio Lamucci - O mercado de trabalho e a política monetária

Valor Econômico

O nível alto dos juros e uma inflação não explosiva recomendam cautela no aumento dos juros; incertezas fiscais, porém, são entraves à elevação moderada da Selic

A força do mercado de trabalho impressiona. A taxa de desemprego segue em queda, a população ocupada está em nível recorde, a criação de empregos no mercado formal continua forte e a massa de rendimentos cresce a um ritmo expressivo. Ao lado das transferências de renda do governo, esse desempenho é um dos motivos que fazem do consumo das famílias um dos principais motores do crescimento do PIB. Na outra direção, o endividamento elevado breca uma expansão mais forte da demanda.

Com essa pujança, o comportamento do mercado de trabalho é uma das justificativas do Banco Central (BC) para ter começado o ciclo de alta da Selic neste mês. No entanto, o nível já alto dos juros e uma inflação que não é explosiva, ainda que as expectativas estejam relativamente distantes da meta de 3%, recomendam cautela no aumento da taxa, para evitar uma dose excessiva de aperto monetário. Um problema é que as incertezas sobre as contas públicas continuam altas, o que impede uma queda mais forte do dólar, apesar do aumento da diferença entre os juros no Brasil e no exterior. Isso conspira contra uma subida mais moderada da Selic.

Poesia | Brisa, de Manuel Bandeira

 

Música | Marisa Monte e Adriana Calcanhoto - Beijo sem