O Estado de S. Paulo
A política econômica não pode se dar ao luxo
de apenas assistir à deterioração dos cenários interno e externo, praguejando
contra o aumento da taxa de juros
Os últimos dias adicionaram muitas
interrogações sobre a condução da política econômica. As curvas de juros
futuros indicam que a expectativa do “mercado” é de que a taxa Selic suba a 14%
ao ano dentro do ciclo expansivo inaugurado pelo Banco Central. Certamente,
este não é o Brasil dos sonhos do presidente Lula que resolveu atacar o próprio
mercado.
As expectativas já vinham um tanto azedadas
por conta da situação fiscal, em meio às crescentes dúvidas sobre a capacidade
do governo Lula de controlar os gastos e colocar barreiras contra o enorme
apetite dos outros por recursos públicos. A desconfiança com respeito à
factibilidade das metas postas pelo arcabouço fiscal está em sintonia com o
descrédito em relação ao leque de gastos considerados como exceções aos limites
estabelecidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Às dificuldades fiscais vêm se somar as vulnerabilidades do nosso setor externo, especialmente refletidas no câmbio. A vitória de Donald Trump reforça o temor de que o protecionismo comercial e o dólar forte signifiquem grandes problemas para a política cambial.
Vale lembrar que a desvalorização do real é
uma alavanca para o aumento generalizado dos preços. Manter a inflação anual em
3% durante uma forte pressão cambial se traduz em taxa de juros mais elevada.
Essa, certamente, é a expectativa daqueles que apostam numa taxa Selic de 14%
ao ano.
Nessas condições, a política econômica
necessita avançar para além de medidas de corte que são questionadas a todo
momento, seja por dentro, seja de fora do governo. É pouco provável que a
leitura da política fiscal pelo mercado seja modificada sem que o arcabouço
fiscal ganhe novas ferramentas de governança.
Um novo mecanismo de controle da dívida
pública poderia assegurar mais credibilidade à gestão fiscal. Esse mecanismo
deveria estar inserido em um arranjo de governança baseado no conceito de
public net worth – patrimônio líquido público. Dessa forma, nossos governantes
retomariam os princípios propostos na reforma brasileira de 2000, que instituiu
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), inspirados no modelo neozelandês.
O conceito de public net worth é central na
estrutura fiscal neozelandesa. Em vez de focar apenas em receitas e despesas de
curto prazo, monitora a evolução de sua posição financeira líquida a partir da
diferença entre ativos e passivos, promovendo uma visão de sustentabilidade
fiscal mais abrangente, com foco na saúde financeira de longo prazo.
A Nova Zelândia não adota um teto rígido para
os gastos públicos. Em vez disso, a sustentabilidade da política fiscal é
monitorada por meio de metas para a dívida líquida que buscam limitar o
crescimento do endividamento em relação à capacidade de geração de receitas do
país. As metas são revisadas periodicamente para refletir o cenário econômico,
permitindo que o governo enfrente recessões e eventos extraordinários sem
perder o controle do endividamento público.
O arcabouço fiscal neozelandês respeita os
ciclos econômicos e o governo se compromete a gerar superávits e reduzir a
dívida em períodos de crescimento econômico, ampliando os gastos em períodos de
recessão para atuar de forma anticíclica. Nesse sentido, o governo persegue o
crescimento econômico ao longo do tempo.
A transparência e a prestação de contas são
fundamentais para o sucesso do modelo neozelandês. A lei de responsabilidade
fiscal neozelandesa exige a divulgação de projeções fiscais e econômicas, com
avaliações periódicas da sustentabilidade fiscal. Nesse contexto, o arcabouço
fiscal não impõe limites rígidos de despesa, mas os gastos precisam estar
alinhados com as metas de dívida e o patrimônio líquido do setor público.
Na Nova Zelândia, a dívida pública é das mais
controladas entre as nações desenvolvidas. A integração com o conceito de
public net worth estabelece uma relação direta entre a responsabilidade fiscal
e a capacidade do Estado de investir em infraestrutura e políticas sociais,
criando um ciclo de sustentabilidade e crescimento. Para o Brasil, um modelo
similar permitiria ajustes mais precisos, que não comprometessem as políticas
públicas essenciais.
A regra de dívida já está prevista na nossa
LRF, mas ainda não foi regulamentada. Articular uma regra de dívida ao
arcabouço fiscal daria ao Brasil mais flexibilidade e transparência. Os
investimentos públicos em infraestrutura seriam preservados, dado que aumentam
o patrimônio público. A saúde financeira do Estado estaria sendo tomada por seu
conjunto e não apenas pelos gastos correntes. Além disso, a regra da dívida
impediria o crescimento descontrolado dos passivos públicos, forçando o governo
a encontrar o equilíbrio entre a sustentabilidade e a execução de políticas
essenciais para a população.
A política econômica não pode se dar ao luxo
de apenas assistir à deterioração dos cenários interno e externo, praguejando
contra o aumento da taxa de juros. A chave é a construção da credibilidade, e
isso começa na sustentabilidade fiscal.
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