segunda-feira, 15 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Numa democracia, a violência não pode ter espaço

O Globo

Atentado contra Trump é um alerta sobre riscos da radicalização política e um ataque ao regime democrático

Os tiros disparados contra o ex-presidente americano Donald Trump neste sábado num comício em Bulder, na Pensilvânia — um dos estados críticos na eleição de novembro —, puseram a violência no centro da campanha eleitoral. Um integrante do público morreu, mas Trump felizmente sofreu apenas ferimentos leves. As manifestações unânimes de chefes de Estado e governo mundo afora, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, traduzem uma indignação mais que justa contra o atentado. Num momento de forte pressão para a desistência do democrata Joe Biden em razão de suas repetidas demonstrações de declínio cognitivo, os olhos se voltam agora para o republicano Trump e para a convenção que, a partir desta segunda-feira, deverá sagrá-lo candidato.

Nos últimos anos, os atentados contra presidentes ou candidatos à Presidência nos Estados Unidos se tornaram menos frequentes. Um levantamento do Congresso elencou 15 tentativas de assassinato ao longo da História, cinco delas bem sucedidas. Dos 46 presidentes americanos, dez foram alvo de ataques e quatro foram mortos no cargo — Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy. As últimas tentativas frustradas alvejaram George W. Bush (uma granada que não explodiu em 2005), Bill Clinton (tiros contra a Casa Branca que não o atingiram em 1994) e Ronald Reagan (ferido a bala em 1981, sobreviveu).

Miguel de Almeida - Temas desprezados na política

O Globo

Tragédia climática no RS, até hoje a maior em grandes metrópoles brasileiras, não ocupa os discursos

Houvesse maturidade política, as próximas eleições municipais deveriam ser encaradas muito além da disputa entre os maridos da Janja e da Michelle. As urgências são maiores que a pinimba. Se interessa aos dois, sob diferentes adjetivos, a rinha maldosamente esconde os problemas mais candentes já encarados pelas cidades brasileiras. São questões de vida e morte, de presente e futuro, mas a polarização forçada não se mostra compungida com o bem-estar alheio. A temperatura indica, o ramerrão deve continuar o mesmo, sem avanços. De quem é a culpa?

Os rios gaúchos nem bem baixaram a níveis toleráveis, ainda existem desaparecidos tragados pelas águas, mas a tragédia climática, até hoje a maior em grandes metrópoles brasileiras, não ocupa os discursos dos candidatos. Desculpe, eles não sabem o que fazem. Mais fácil é proibir livros (que não leram) nas escolas ou exibir fotos de suspeitos (pretos e pobres) mortos à queima-roupa. Como outra distração, vale também querer explorar petróleo em região de recifes de corais na Foz do Amazonas.

Fernando Gabeira - Todos os irmãos Batista

O Globo

Joesley e Wesley podem cantar de novo, e ficaremos sabendo que, no fundo, nada mudou: o país continua sendo saqueado

Faz bastante tempo, e muitos de vocês nem eram nascidos, havia duas irmãs muito famosas. Eram as irmãs Batista, Dircinha e Linda, cantoras. Havia uma outra chamada Odete, mas que não entrava na história.

As irmãs Batista da minha infância eram rainhas do rádio. Pode não parecer nada hoje, mas o título importava na época em que o rádio era a única diversão. As irmãs Batista cantavam em filmes de carnaval. Se me lembro bem, elas puxavam um pouco nos erres. O pai foi ventríloquo e cantor. Fez tudo para que as filhas seguissem a carreira artística.

É coisa de velho, eu sei, mas cada vez que falam nos irmãos Batista, o que me vem à lembrança são as irmãs Batista da minha infância. Os irmãos Batista, Joesley e Wesley, não são cantores, embora os nomes sugiram uma dupla de sertanejo universitário. Vendem carne para o mundo e surgiram num grande escândalo no governo Temer. Foi gravada uma conversa com o presidente em que um deles falava de suas visitas e de seus agrados a Eduardo Cunha, para que ele não contasse todas as aventuras do PMDB com os empresários.

A frase de Temer ficou muito conhecida:

— Tem que manter isso aí, viu?

Bruno Carazza - Mercadores de influência desembarcam em Brasília

Valor Econômico

Capital federal atrai lobistas de todo o Brasil às vésperas de grandes votações

A primeira vez que o termo “lobbyist” apareceu no arquivo do “New York Times” foi em 6 de fevereiro de 1857, num texto de opinião contrário à aprovação do Pacific Railroad Bill, um projeto que autorizava o governo americano a doar terras públicas e a financiar a construção das estradas de ferro que cruzariam o país, do Atlântico ao Pacífico.

A matéria denunciava as intensas negociatas ocorridas no âmbito do Comitê de Terras Públicas, que estava prestes a autorizar a concessão de extensas faixas de terras em Minnesota e Iowa para a instalação dos trilhos e o desenvolvimento urbano nesses territórios ainda inóspitos. O autor designado como “S.” expõe o fenômeno de objetivos privados colocados acima do interesse público. No Brasil, pesquisando no acervo da Biblioteca Nacional e de “Estadão”, “Folha” e “O Globo”, a referência mais antiga que encontrei a “lobista” foi em coluna de Nahum Sirotsky (1925-2015), então correspondente do “Jornal do Brasil” em Nova York, em 8 de dezembro de 1963.

Edward Luce - Tentativa de assassinato de Trump torna eleição americana ainda mais conturbada

Financial Times / Valor Econômico

Atentado terá profundas repercussões para a democracia dos EUA. Convenção Nacional Republicana em Milwaukee (EUA) esta semana será dominada pela quase fatalidade do ex-presidente americano

Não foi apenas Donald Trump que escapou por pouco. Se a bala que passou de raspão na orelha de Trump tivesse acertado meia polegada à esquerda, ele teria se tornado um mártir. Não se pode prever o que sua morte teria desencadeado.

Tal como está, a reprovável tentativa de assassinato de Trump terá profundas repercussões para a democracia dos EUA. Em segundos, cercado por agentes do serviço secreto, Trump estava gritando “lutem, lutem, lutem” para a multidão. A foto instantaneamente onipresente dele levantando o punho contra o fundo da bandeira americana se tornará o emblema de sua campanha.

Uma sociedade de alta confiança — onde os valores éticos são fortemente compartilhados pela população — aguardaria os fatos do tiroteio antes de tirar conclusões. Por esse critério, os Estados Unidos estão perto do abismo. Dois dos republicanos cogitados ao cargo de vice-presidente de Trump culparam os democratas por incitar o ódio contra Trump.

Marcus André Melo - Cadê o centro nos EUA?

Folha de S. Paulo

Três explicações rivais sobre a extrema polarização nas eleições americanas

polarização política nos EUA vem desafiando o conhecimento acumulado na ciência política. No pós-guerra, a tendência nas democracias foi de formação de partidos cada vez mais fluidos programaticamente e com uma base social mais ampla (catch-all parties).

Isto resultou em uma convergência ideológica em direção ao centro (a rigor, a mediana da distribuição de preferências). Neste contexto, a disputa política tende a se concentrar nos eleitores voláteis que exibem baixa lealdade política e menor identificação partidária (swing voters).

Ana Cristina Rosa - Ultraje à democracia

Folha de S. Paulo

Sem a regra da proporcionalidade, parte significativa dos candidatos negros não terá recursos públicos para financiar suas campanhas

Em 2022, o número de candidaturas negras superou o de candidaturas brancas pela primeira vez na história do Brasil. Os registros da Justiça Eleitoral apontam que 50,27% dos inscritos para disputar as eleições gerais se autodeclaram pretos ou pardos. E o total de pessoas negras eleitas aumentou 11,4% em relação a 2018.

Esse desempenho foi fruto direto de mudanças promovidas na lei eleitoral. Em 2020, o TSE decidiu que o dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e o tempo de propaganda eleitoral gratuita seriam distribuídos proporcionalmente ao total de candidatos negros dos partidos.

Lourival Sant’Anna - Combustível para o papel de vítima e herói

O Estado de S. Paulo

Trump contribui para que os rivais contestem a superioridade do sistema americano

O atentado contra Donald Trump representa um impulso formidável para a jornada do ex-presidente de volta à Casa Branca. A tentativa de assassinato de um dos principais candidatos a presidente dos EUA a menos de quatro meses das eleições reforça também a percepção de desfuncionalidade da democracia americana, fartamente utilizada pelos adversários do país.

Do ponto de vista eleitoral, não é uma mudança de rumo: é um combustível potente e inesperado para o papel de vítima e de herói que Trump já havia adotado desde a campanha de 2020, que coincidiu com a pandemia de covid.

O ataque, cuja autenticidade e gravidade são inquestionáveis, dá materialidade à ideia de uma conspiração nacional e internacional para impedir que o bilionário salve os americanos da esquerda, do establishment e da China, e “faça a América grande de novo”.

Diogo Schelp - O atentado e o mártir

O Estado de S. Paulo

O atentado pode ser a motivação que faltava para o eleitor sair de casa e votar em Trump

O poder eleitoral da martirização é inegável. Jair Bolsonaro sobreviveu a um grave atentado a faca em 2018 e isso contribuiu para sua vitória eleitoral por pelo menos três motivos.

Primeiro, porque serviu à narrativa de que ele enfrentava interesses obscuros e poderosos e estava disposto a se sacrificar por essa luta. Segundo, por colocá-lo no centro das atenções da campanha. Terceiro, por eximí-lo da obrigação de participar de debates.

Os dois últimos pontos não se aplicam ao americano Donald Trump, que escapou por um triz de ser assassinado durante um comício eleitoral no sábado, dia 13. Mas o primeiro, o da martirização, tem tudo para ser decisivo para a volta do ex-presidente à Casa Branca.

Denis Lerrer Rosenfield - Alergia ao mercado

O Estado de S. Paulo

Lula e o PT terminam por impor o ‘seu’ mercado, o do compadrio, em que os ‘compadres’, espécie de companheiros, são líderes empresariais assim beneficiados

Lula da Silva nem bem ouve a palavra mercado que já imediatamente tem uma reação alérgica, cujos sintomas mais evidentes são uma verborreia incontida sobre as forças oposicionistas capitaneadas pelo que compreende ser esse tal mercado. Isso se qualquer compreensão é possível, salvo se considerarmos um esquerdismo anticapitalista dos mais rudimentares, no que é seguido pelo seu próprio partido. É como se fosse o novo líder, a ser reconhecido, de um novo movimento global, cujas ideias atrasadas levaram aos desastres comunistas do século 20. O atraso aparece com a roupagem do progresso. Progressistas são, nesse sentido, regressistas.

Luto | Desbravador de carioquices: relembre trajetória de Sérgio Cabral, que colecionou marcas na cultura do Rio

João Vitor Costa, Madson Gama e Maria Fortuna / O Globo

Jornalista e escritor, que morreu na manhã deste domingo, também foi Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado

Sérgio Cabral nasceu em Cascadura, no subúrbio do Rio. Mas em um bairro vizinho, Cavalcanti, que moldou sua personalidade, onde aprendeu a soltar pipa e a jogar bola. De lá, a bordo dos trens da chamada “linha auxiliar”, atual ramal de Belford Roxo, ele balançava pelos trilhos para desbravar a cidade. Vascaíno e mangueirense, mas com apreço pela Portela, ganhou o país como jornalista, escritor, compositor e pesquisador. Empregou sua verve e seu intelecto para se tornar um defensor (ferrenho!) da cultura carioca, além de um guardião da memória da Música Popular Brasileira.

A carreira de jornalista começou em 1957, como estagiário do Diário da Noite. O “foca” (como são chamados os repórteres iniciantes) chamou a atenção ao resolver um problema. O então redator-chefe João Rocha sofria para reduzir a chamada de uma matéria sobre a liberação de verba do então presidente Juscelino Kubitschek para uma cidade de Minas Gerais, após fortes chuvas. Escondido, Cabral fez o título “JK promete dar o que temporal tirou” e colocou na mesa do chefe.

“Sou jornalista graças a este título”, relembrou ele em uma entrevista à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 2008. “Ele (João Rocha) olhou aquilo espantado e perguntou quem tinha feito o título. Quando respondi que tinha sido eu, ele virou-se imediatamente para o Geraldo de Barros, secretário de redação, e indagou: ‘O Sérgio Cabral já foi registrado?’ Com a resposta negativa, sentenciou: ‘Então, registra amanhã!’”, contou Cabral à ABI.

Sérgio Cabral - O Partido do samba (Brasileiros e Militantes)

 

Poesia | Ó Eu! Ó Vida! - Walt Whitman

 

Música | Tom, Vinicius, João Gilberto & Os Cariocas - Garota de Ipanema / Devagar com a Louça