domingo, 30 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Espírito do Plano Real é inspiração para outros desafios

O Globo

Derrota da hiperinflação mostra que soluções de problemas aparentemente intratáveis estão ao alcance do Brasil

O aniversário de 30 anos do Plano Real, amanhã, prova que o Brasil, quando unido em torno de uma meta, tem plena capacidade de superar a realidade mais adversa. A comemoração desmente a crença derrotista, popular em alguns círculos, de que os avanços por aqui são de pouca monta. Um exame do passado ensina que o maior dos problemas pode ser vencido se houver clareza de propósito e determinação. É preciso resgatar o espírito que animou o Real para encarar os desafios do futuro, independentemente da dificuldade que aparentem. Seu maior legado é comprovar o poder das ideias e da perseverança.

A nova moeda entrou em circulação em 1º de julho de 1994. Nos 12 meses anteriores, a inflação alcançara inacreditáveis 4.922%. Para as novas gerações, o número — mais de mil vezes o atual — pode soar abstrato. Na época, era bem concreto. A maioria dos assalariados, sem a proteção das aplicações financeiras, corria aos supermercados depois de receber, pois comida e itens básicos estariam mais caros no dia seguinte. Estocar alimentos era uma espécie de poupança. Passado o dia de pagamento, os varejistas ficavam vazios.

Merval Pereira - A voz do povo

O Globo

Em seu primeiro mandato, Lula teve o bom senso de dar continuidade à política de equilíbrio fiscal iniciada no governo FH e teve sucesso

Um dos maiores legados do Plano Real, trinta anos depois, foi fazer com que a sociedade compreendesse a importância do controle da inflação. O plano só deu certo porque a população já não aguentava mais viver sob a hiperinflação, e aceitou todas as mudanças, inclusive aprendeu a lógica da URV - Unidade Real de Valor -, ponto crucial para a implementação do plano.

O país viveu muitos anos sem entender que a desvalorização da moeda prejudicava o dia a dia da população, e por isso os governadores usavam e abusavam de seu poder para ganhar eleições. Ficou famoso o comentário atribuído ao então governador de São Paulo Orestes Quércia, ao eleger Luiz Antonio Fleury Filho seu sucessor no governo de São Paulo em 1990: “Quebrei o banco, mas elegi meu sucessor”.

Referia-se ao Banespa, um dos mais potentes bancos públicos do país, que Quércia utilizou para financiar obras na campanha para governador. Com o Plano Real, todos os bancos estaduais foram privatizados, mais uma das ações para consolidar o combate da inflação, pois, praticamente sem exceção, os bancos estaduais eram usados para ações políticas, especialmente em vésperas de eleição.

Esse detalhe de um vasto plano econômico demonstra que a sociedade em geral não ligava para os efeitos desses gastos públicos nas campanhas eleitorais, pois não entendiam que aqueles “investimentos” a longo prazo teriam como contrapartida o aumento da inflação, voltando-se contra ela.

Luiz Carlos Azedo - Para não sucumbir, Lula precisa adaptar-se à nova realidade

Correio Braziliense

Joe Biden, aos 81 anos, após perder o debate com Trump, resiste às pressões para desistir da reeleição. Repete o roteiro dos que não querem se retirar antes de o sol se pôr

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa hoje 546 dias de governo, 34 dias a menos do que o período em que esteve preso em Curitiba. São, portanto, 78 semanas, quase 18 meses e pouco menos do que um ano e meio de poder. Ao contrário de seus governos anteriores, divide o protagonismo político da nação com um Congresso conservador, que muitas vezes lhe dá uma invertida; um ex-presidente capaz de lhe fazer oposição de massas, o que antes era uma quase exclusividade do petismo; e governadores adversários — em São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR); Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); e Paraná, Ratinho Jr. (PSD).

Eliane Cantanhêde - O corte de gastos é para valer?

O Estado de S. Paulo

Das cinco medidas de Haddad e Tebet, sobra uma, a que não tem a ver com corte nem gasto

Além de descumprir uma regra elementar de política externa, ao apoiar Joe Biden contra Donald Trump e correr o risco de trazer problemas para o Brasil, o presidente Lula está desmontando, uma a uma, as medidas dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet para cortar gastos. Das cinco, sobra uma, exatamente a que não caracteriza corte nem gastos, só combate a fraudes, que deveria ser mera rotina.

Se Lula de fato aprovou a lista em reunião com os ministros, como anunciado, ele disse uma coisa em privado e está fazendo outra em público. Ou... é tudo um jogo de cena, em que os ministros assumem medidas impopulares, dando a Lula a chance de vetá-las. Eles levantam a bola, Lula corta, a torcida aplaude. O foco continua sendo na receita, os gastos ficam pra lá.

Elio Gaspari - A PF e o MP no teste das Americanas

O Globo

É nas duas instituições que se depositam as esperanças de que a maior fraude corporativa da história seja exposta ao público

Houve algo de teatral na operação da Polícia Federal (PF) para trazer de volta à vitrine o escândalo da rede varejista Americanas. Depois do vexame da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não identificou responsáveis por um calote de R$ 47,9 bilhões, é nela e no Ministério Público que se depositam as esperanças de que a maior fraude corporativa da história de Pindorama seja exposta ao público. É coisa de R$ 25,2 bilhões.

Na sua expressão mais simples, já se sabe o seguinte:

1) Miguel Gutierrez, o CEO da Americanas por mais de uma década, tinha uma sala exclusiva no prédio da empresa, onde só ele entrava. A partir de julho de 2022, quando soube que seria substituído no comando da empresa, começou a transferir bens para parentes e vendeu ações da Americanas no valor de R$ 171,8 milhões. Com nacionalidade espanhola, Gutierrez deixou o Brasil em 2023. Na semana passada foi expedido um mandado de prisão contra o doutor.

Dorrit Harazim - O naufrágio?

O Globo

Pelo futuro dos Estados Unidos, presidente não deveria correr o risco de eleger Donald Trump

Faltam dois meses até a convenção nacional do Partido Democrata, marcada para os próximos dias 19 a 22 de agosto, em Chicago. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vencedor das arrastadas eleições primárias em que foi praticamente candidato único, aguardava apenas a consagração formal. A participação da escritora e líder espiritual Marianne Williamson foi efêmera, entrou em colapso na largada. E a tentativa do congressista pelo estado de Minnesota Dean Phillips, de 55 anos, para se manter no páreo chegou a ser considerada insolente pelos caciques do partido.

Tudo mudou ao longo dos 90 minutos de agonia e choque, na noite de quinta-feira, quando 47,9 milhões de telespectadores assistiram a um presidente dos Estados Unidos de esgar opaco, aspecto confuso e vulnerável, em busca de um raciocínio perdido. O naufrágio de Biden no primeiro debate com o oponente republicano, Donald Trump, sacudiu os democratas de alto a baixo. As primeiras horas após a debacle foram de “barata-voa”.

Bernardo Mello Franco - Apagão de Biden

O Globo

Debate escancarou fragilidade de democrata para milhões de eleitores americanos

O debate ainda não contava dez minutos quando Joe Biden sofreu o primeiro apagão. Questionado sobre o déficit público, o presidente tentou articular um raciocínio sobre impostos e o sistema de saúde. No meio da fala, cerrou os olhos, baixou a cabeça e pareceu esquecer o que queria dizer.

A desorientação se repetiu outras vezes ao longo do duelo televisivo. Com olhar perdido, Biden se enrolou com as palavras, teve lapsos de memória, deixou frases pela metade. Donald Trump tripudiou da situação e desafiou o rival a fazer um teste cognitivo. “Eu realmente não sei o que ele disse no fim da última frase. E acho que ele também não sabe”, debochou.

Vinicius Torres Freire - Derrotas de Macron são mais um capítulo do fracasso do centro liberal

Folha de S. Paulo

Presidente da França queria reduzir esquerda e direita a extremos minoritários

A ultradireita deve ter perto de 37% dos votos no primeiro turno da eleição legislativa da França, neste domingo. A coalizão de esquerda, ecologistas e centro-esquerda teria 29%. A coalizão de centro, liderada pelo presidente da República, Emmanuel Macron, ficaria com 20%. O que restou da centro-direita, 7%. É o que diziam pesquisas (Ifop, Ipsos).

Suponha-se que viesse a ser essa a composição da Assembleia Nacional, o que é bem incerto, dado o sistema eleitoral. Seria o resultado, em parte, do fracasso político de Macron.

Seria também mais um capítulo dos fracassos de público dos partidos de centro. Isto é, dessa convergência de centro-esquerda e centro-direita no centrismo liberal-tecnocrático, evidente desde os anos 1990 no mundo rico.

Macron teria de chamar a ultradireita para formar um governo minoritário, a Reunião Nacional, de Marine Le Pen. Apenas por milagre haveria aliança do "Juntos" de Macron com a salada da esquerda (socialistas, ecologistas e "França Insubmissa", esquerdona tradicional, majoritária nessa coalizão).

Míriam Leitão - O Plano Real e a democracia

O Globo

Um fio liga as duas maiores conquistas brasileiras: o real é obra da democracia e ajudou a consolidar a democracia

Persio Arida sempre diz que o Plano Real foi obra da democracia. Há um fio que liga as duas conquistas. A estabilização também consolidou a democracia. Vivíamos o caos monetário e se aquela devastação continuasse o país perderia a confiança nos governos civis. O próprio plano, ao ser explicado antecipadamente por Fernando Henrique e, depois, por Rubens Ricupero, virou uma obra coletiva. Não haveria sucesso do plano sem o povo. Conceitos complexos foram entendidos pela população. FHC chamou isso de pedagogia democrática.

A alta dos índices de preços ficou maior na democracia. Saiu do patamar das centenas para o de milhares por cento. Contudo, a gênese daquele horror econômico ocorreu na ditadura que escolheu, através da correção monetária, conviver com inimigo tão perigoso. Havia ainda a humilhante dívida externa também herdada dos militares. A destruição de valores que a hiperinflação produz, num país desigual, demoliria a confiança na democracia nascente. Seria fácil prosperar o discurso autoritário.

Roberto Luis Troster - 40 anos do real

Correio Braziliense

O correto seria falar do processo do real, e de 40 anos em vez de 30. A bem da verdade, começou em 1984, com a publicação do trabalho conhecido como proposta Larida, de Pérsio Arida e André Lara Resende

Mais do que plano, o correto seria falar do processo do real, e de 40 anos em vez de 30. A bem da verdade, começou em 1984, com a publicação do trabalho conhecido como proposta Larida, de Pérsio Arida e André Lara Resende, e teve como última medida a publicação do decreto presidencial oficializando a meta de inflação contínua em 3%, na quarta-feira passada, 26 de junho de 2024.

Não foi uma ideia mágica que fez a mudança. Foi um trabalho que combinou teoria econômica, habilidade política, aprendizado com os erros e criatividade. Além da proposta Larida, que inspirou o Plano Real, houve um processo de aprendizado com o Plano Cruzado, em 1986, depois o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor I e o Plano Collor II. Todos fracassaram em acabar com a inflação, mas deixaram ensinamentos para a formulação do Plano Real.

Aloizio Mercadante - O Real não foi só um plano econômico

Folha de S. Paulo

Programa teve êxito contra a inflação, mas não garantiu a retomada do crescimento

Plano Real teve sucesso em acabar com a alta inflação, diminuindo o grau de indexação da economia brasileira. A Unidade Real de Valor (URV) permitiu a saída de forma criativa e organizada da alta inflação inercial, sem congelamento de preços. Outro elemento crucial foi a renegociação e a securitização da dívida externa pelo Plano Brady.

Na preparação do Real, o governo renegociou a dívida externa velha, abriu a conta de capitais e elevou brutalmente o juro real, para evitar fuga de capitais domésticos e atrair capital de curto prazo, o que viabilizou a transição da URV para o Real.

A valorização inicial do câmbio foi essencial para a rápida redução da inflação, mas trouxe um alto custo: o início da era de elevados juros reais. De 1994 a 1999, a taxa básica média de juro real foi de 22% ao ano.

Para atrair recursos externos e promover o ajuste fiscal, o governo liquidou ativos estatais por preços reduzidos, sem o planejamento de uma política industrial e sem avaliação estratégica dos desdobramentos.

Depois de 30 anos, a história mostra que o Plano Real teve êxito ao reduzir a inflação, mas não em garantir a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Para reeleger FHC, a âncora cambial foi prorrogada, com a apreciação do câmbio e a deterioração das contas externas, empurrando o país para grave crise cambial, econômica e social.

Celso Rocha de Barros - Brasil está fazendo o certo com proposta de taxar os riquíssimos

Folha de S. Paulo

País vai apresentar ao G20 ideia de taxação dos bilionários globais

O mundo tem cerca de 3.000 pessoas com patrimônio superior a US$ 1 bilhão. Se esse número fosse o público pagante de um jogo de futebol, seria um dos menores do atual Brasileirão. Esse pequeno grupo tem abocanhando uma parte cada vez maior da riqueza mundial. Em 1987, os 0,0001% mais ricos do mundo controlavam cerca de 3% da riqueza do mundo. Em 2024, esse número subiu para 13%. É muito pouca gente controlando muito dinheiro.

Os números são do estudo encomendado pelo governo Lula ao economista francês Gabriel Zucman, um dos grandes estudiosos de desigualdade de renda do mundo. O estudo, "A blueprint for a coordinated minimum effective taxation standard for ultra-high-net-worth individuals" ("Proposta para um padrão de taxação efetiva mínima para os indivíduos de riqueza ultra-alta"), foi publicado nos últimos dias.

Bruno Boghossian - Lula escolhe seu jogo

Folha de S. Paulo

Falas das últimas semanas indicam um presidente convencido a depositar mais fichas na clivagem socioeconômica

O falatório de Lula sobre economia nas últimas semanas revela mais que a tática para enfrentar as pressões por um corte nos gastos do governo. A maneira como o presidente enquadra esse conflito define seu jogo para o restante do mandato e aponta para um ajuste na base de eleitores com que ele pretende chegar a 2026.

Na campanha passada, o petista concorreu com um programa que reproduzia sua plataforma de redistribuição de renda. A disputa, no entanto, carregou outros fatores que ganharam relevo em grupos estratégicos, notadamente a repulsa à gestão Bolsonaro, o assalto ideológico daqueles anos e o risco à democracia.

Lula não abandonou esses últimos elementos, mas se mostra convencido a depositar uma quantidade crescente de fichas na clivagem socioeconômica. Em reação ao Banco Central e às oscilações do mercado, o presidente escolheu uma contraposição clara entre elite e povo.

Muniz Sodré - Na gaiola patriarcal, as mulheres são culturalmente anuladas

Folha de S. Paulo

A manutenção do patriarcado está na raiz da feroz política de Estado antifeminista

"Homens sem mulheres, uma piada cruel", esta frase de história passada num campo de prisioneiros aliados na Segunda Guerra pode ser interpretada como machista. Seria mera queixa de carência sexual. No texto, porém, soa como aguda reflexão sobre a condição masculina entregue a si mesma, sem a alteridade feminina.

A democracia liberal e a vulgarização da psicanálise habituaram a consciência moderna a apostar na diferença genital como marca exclusiva de uma ética da alteridade sexual. No entanto, "há situações em que a diferença não é a priori recusa de similaridade" (Achile Mbembe em "La Domination Universelle"). Quer dizer, é preciso buscar além da genitalidade pontos comuns entre os sexos.

Oscar Vilhena Vieira - Supremocracia desafiada

Folha de S. Paulo

Tensão entre Legislativo e STF não parte só de ressentidos com golpe frustrado contra a democracia

Temos testemunhado uma crescente tensão entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão não decorre, no entanto, apenas do ressentimento de alguns inimigos da democracia, contra um tribunal que frustrou suas expectativas de rasgar o pacto constitucional de 1988, em 8 de janeiro de 2023.

Há também um movimento bastante intenso por parte de um grupo mais amplo de parlamentares desconfortáveis com o controle exercido pelo Supremo sobre a conduta da classe política, assim como em decorrência do que reputam ser avanços indevidos do tribunal sobre as esferas de competência reservadas ao legislador.

Até o presidente Lula, aliado da hora do Supremo, resolveu dar conselhos ao Supremo, afirmando que o tribunal não deveria se meter em tudo, em reação à decisão do STF de despenalizar o porte de maconha para consumo próprio.

Poesia | Papel, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Zeca Pagodinho - Saudade louca / Part. especial: Seu Jorge