domingo, 19 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ajuste fiscal é imperativo para o país

O Globo

Diante da deterioração das contas públicas, Executivo e Legislativo não podem ignorar a tarefa

Não foi surpresa que o governo tenha enviado ao Congresso uma proposta orçamentária relaxando as metas fiscais que ele próprio propusera um ano antes. Desde o início havia dúvidas sobre a viabilidade das regras que substituíram o antigo teto de gastos. Além de afrouxar as metas, o Planalto se esforçou por mexer no novo arcabouço fiscal nem bem ele entrara em vigor, para antecipar despesas extraordinárias de R$ 15,7 bilhões, inserindo um jabuti numa lei sobre seguro obrigatório de veículos. Diante do recado que transmite a mudança de regras com o jogo em andamento, quem acreditará que o governo leva a sério o ajuste fiscal? Ao protelar qualquer perspectiva de equilíbrio para 2027, Executivo e Legislativo revelam não ter noção da dimensão dos riscos que criam para o país.

Míriam Leitão - Discutir tudo menos o essencial

O Globo

Se não houver uma agenda de futuro, todo o país pagará um preço alto. A longa agonia dos gaúchos deveria nos ajudar a ver o essencial

Petrobras está no centro do debate, de novo. E, como das outras vezes, não se discute o essencial. Qual o futuro de uma petrolífera num mundo em que a mudança climática já está cobrando uma conta alta do país em vidas humanas e em devastação material e econômica? Esse é o essencial, mas não é uma questão que tenha provocado a troca de Jean Paul Prates por Magda Chambriard. A mudança na estatal tem a ver apenas com o grau de simpatia ou antipatia que cada pessoa desperta no Palácio do Planalto. Ambos têm a mesma agenda e a mesma aceitação de interferências políticas na gestão.

Bernardo Mello Franco - A desconstrução de Castro

O Globo

Desembargador disse ter certeza “plena e inequívoca” de que político montou esquema criminoso para desviar recursos e se reeleger; ele nega irregularidades

Cláudio Castro passou a semana em Nova York, onde se vendeu como um gestor empenhado em “reconstruir” o Rio de Janeiro. Enquanto o governador palestrava, o Tribunal Regional Eleitoral iniciou o julgamento que pode desconstruir seu mandato.

Na sexta-feira, o desembargador Peterson Barroso Simão leu um voto arrasador. Disse ter certeza “plena e inequívoca” de que Castro montou um esquema criminoso para desviar dinheiro público e garantir a reeleição em 2022.

O relator votou pela cassação de Castro, do vice-governador Thiago Pampolha e do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. O julgamento foi interrompido por pedido de vista e deve ser retomado na próxima quinta.

Ana Lucia Azevedo – Hostilidade não é só do Clima

O Globo

Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas

O clima nunca esteve tão hostil no Brasil. O Rio Grande do Sul submergiu na maior catástrofe climática da História do país. A água que afoga o Sul falta no Sudeste e no Centro-Oeste. Em São Paulo, o reservatório Cantareira recebeu só 6% do volume de chuva esperado para abril. O Pantanal está sob seca excepcional.

A previsão do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para o trimestre de maio a julho é de agravamento dessas condições. Mais chuva no Sul e menos nessas duas regiões, com o Pantanal caminhando para um recorde histórico de seca. Há ainda 5 milhões de quilômetros quadrados de áreas ameaçadas pelo fogo, com risco especial para a Amazônia.

A hostilidade não está apenas no clima. O Congresso Nacional tem se mostrado preponderantemente avesso à segurança ambiental. O ser humano não tem o poder de controlar extremos de chuvas associados às mudanças do clima que ele mesmo fomentou. Mas os efeitos dos extremos podem ser amenizados ou amplificados ao sabor de decisões humanas. Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas. Ou, ao contrário, contribuir para a adaptação.

Dorrit Harazim - Fábula

O Globo

Como já disse um sábio, a verdadeira generosidade com o futuro consiste em dar o melhor de si no presente

A história circulou no rastro do Furacão Katrina, que em 2005 devastou Nova Orleans e deixou a cidade 80% submersa. Também foi lembrada em várias línguas durante a pandemia mundial de Covid-19 e seu agoniante corolário de mais de 7 milhões de mortos. Agora, diante da destruição pelas águas de todo um modo de viver gaúcho, ela volta à baila. Compreende-se: em tempos de dor coletiva, referências edificantes viram bálsamo — mesmo quando não são, necessariamente, verdadeiras. Conta-se que a cultuada antropóloga americana Margaret Mead, quando questionada sobre que marcador da evolução considerava ser a primeiríssima evidência de uma sociedade civilizada, citou um fêmur humano de 15 mil anos atrás, encontrado num sítio arqueológico. Nem ferramenta primitiva, nem artefato religioso, nem qualquer forma rudimentar de organização comunal, mas um fêmur — um fêmur fraturado que havia sarado.

Eliane Cantanhêde - Na direção certa

O Estado de S. Paulo

Se Lula acertar no Sul, sobe nas pesquisas; se errar, cai. É do jogo

O pior já passou? Não, não passou. A previsão é de tempos ainda muito difíceis e dolorosos no Rio Grande do Sul, com chuvas e enchentes ao sul do Estado e aumento do risco de doenças por toda parte onde a água começa a secar e a lama fica, com uma profusão de bactérias, dejetos e dor. O foco, neste momento, está na saúde e na ajuda emergencial para famílias, municípios, Estado e produtores, sem descuidar da reconstrução.

Em Pelotas e Rio Grande, cidades banhadas pela Lagoa dos Patos, atenção total para a piora da situação, com mais água escoando para o oceano e os níveis da lagoa subindo, ameaçando com inundações, deslizamentos e a destruição de casas, comércios, empresas. Logo, a vida de pessoas.

Celso Lafer - Vencer pela ciência: Fapesp

O Estado de S. Paulo

Redução dos recursos previstos à fundação na Constituição estadual compromete seu papel estratégico para a sustentabilidade do amparo à pesquisa e dos seus tempos próprios

Os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra conceberam um bem-sucedido sistema de ciência e inovação, levando em conta a complementaridade entre governo, indústria e universidades. Esse foi um dos componentes do seu poder no plano internacional.

O sistema norte-americano motivou os proponentes da criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Constituição paulista de 1947, que estipularam os meios para efetivar seus objetivos: uma renda especial de sua privativa administração, proveniente de uma porcentagem do total da receita ordinária estadual.

A ideia a realizar de amparo à pesquisa levou o seu tempo. Tornou-se uma realidade graças ao descortino do governador Carvalho Pinto, que teve a iniciativa da lei autorizando o Poder Executivo estadual a instituir a Fapesp, que passou a existir em 1962.

Luiz Carlos Azedo - Um novo desafio do SUS para Nísia Trindade

Correio Braziliense

O Ministério da Saúde está diante de outro desafio, que não tem a mesma escala da pandemia, mas é de inédita complexidade: o colapso do sistema de saúde gaúcho

O sanitarista e cirurgião Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, lançou em Brasília, no dia 8 de maio, um pequeno grande livro: SUS, uma biografia, lutas e conquistas da sociedade brasileira (Record). Entre outras coisas, conta os bastidores da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituinte de 1987.

Desde 1977, a saúde pública no Brasil estava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Para o grande público, era um órgão totalmente desmoralizado pelas inúmeras denúncias de corrupção e absurda ineficiência na administração direta de hospitais e contratação dos serviços privados aos segurados da Previdência. Prestava péssimo serviço a 20 milhões de brasileiros, apenas, de um total de 135 milhões. Só atendia quem tinha vínculo empregatício e dependentes.

Vinicius Torres Freire - O país da soja se torna o país do petróleo

Folha de S. Paulo

Exportações petrolíferas podem passar as de soja; país depende mais do ouro preto

Que a Petrobras tenha estado no centro do noticiário e das controvérsias políticas sociais é um sintoma de que o Brasil se tornou um país petroleiro. Mas talvez não tenhamos percebido o quanto o ouro preto é central na economia brasileira.

No entanto, já está na pauta do debate se devemos dar fim à exploração do petróleo e começar uma transição energética, para a qual também ainda não há rumo. Enquanto isso, torramos as receitas petrolíferas públicas, "do governo", no dia a dia, sem que o país invista em capacidade produtiva e em transição verde ou melhore a situação das contas públicas.

Nos anos do governo das trevas (2019-2022) e no início de Lula 3, a Petrobras era notícia por causa do preço dos combustíveis. No momento, discute-se outra vez se a petroleira deve bancar investimentos e subsídios de acordo com os planos do presidente da República. Não é por menos, pois a estatal prevê investir cerca de R$ 100 bilhões anuais de 2023 a 2028, quase o dobro dos recursos que o governo dispõe para investimentos.

Celso Rocha de Barros - Resposta a Eduardo Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Na pandemia, Lula seguiria as recomendações dos cientistas, compraria vacina e cooperaria com governadores

Na semana passada, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tuitou: "Imagina o que seria do Brasil e dos brasileiros com Lula presidindo-o na pandemia!".

Já vou imaginar, Eduardo, mas, antes, vamos começar imaginando como seria o desastre no Rio Grande se o golpe de seu pai, denunciado pelos ex-chefes do Exército e da Aeronáutica, tivesse dado certo.

Nesse cenário, e só nele, Jair Bolsonaro ainda seria presidente em 2024.

Quando as enchentes começassem, Jair negaria a existência de enchentes e as chamaria de "chuvazinha". Em suas lives de quinta, divulgaria teorias da conspiração sobre como a China causou a enchente. Com base em uma estimativa de Osmar Terra, afirmaria que menos chuvas cairiam no Rio Grande em 2024 do que no ano anterior. Ao lado de Paulo Guedes, declararia que a evacuação das áreas inundadas seria completamente desnecessária e atrapalharia a economia.

Bruno Boghossian - As duas trilhas do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Pesquisa da Quaest sobre desempenho de Michelle e Tarcísio ilustra desafio de transferência de votos e rejeição

A passagem de bastão no bolsonarismo envolve um aspecto peculiar. A derrota em 2022 refletiu o descolamento de uma parte da base eleitoral de Jair Bolsonaro e levou a direita a encarar duas trilhas distintas (embora convergentes em preferências e no destino) rumo a uma recomposição para a próxima disputa.

Números de uma pesquisa da Quaest compilados para a coluna indicam fatores que devem pesar nesse caminho. O instituto testou os nomes de Michelle BolsonaroTarcísio de Freitas e outros bolsonaristas. A ex-primeira-dama aparece como um fenômeno completo de recall: herda os votos do marido em nichos estratégicos, mas também carrega sua rejeição.

Hélio Schwartsman - A gangue de três

Folha de S. Paulo

Livro descreve as ideias de Sócrates, Platão e Aristóteles e as põe no contexto histórico e biográfico

Neel Burton (Oxford) escreve copiosamente sobre psiquiatria, filosofia e vinhos. "The Gang of Three: Socrates, Plato, Aristotle" é o primeiro de seus livros que leio. Gostei. Não é que Burton ofereça uma nova interpretação revolucionária sobre o pensamento desses filósofos. Pelo contrário, ele vai numa linha bem clássica, que descreve o surgimento da filosofia como uma passagem do "mýthos", isto é, do discurso poético ou religioso, para o "lógos", a razão.

Muniz Sodré - Valente Caramelo

Folha de S. Paulo

A reação do senso comum ao perigo inclui sempre os animais

Ainda corre mundo, comovendo, a foto de Caramelo quatro dias equilibrado no telhado de uma construção submersa em Canoas, na calamidade gaúcha. No Vale do Taquari, uma mãe agarrou-se a seu bebê num telhado durante o mesmo tempo. Mas a imagem do animal, valente resiliência, circula como símbolo do desespero assim como do afeto em meio à catástrofe.

A reação do senso comum ao perigo inclui sempre os animais. Há bases materiais e emocionais: mais de 60% das famílias brasileiras possuem pets. Cada vez mais se recorre a cães e cavalos para terapias psicológicas de idosos e crianças excepcionais. No âmbito dos jovens, pertence ao folclore roqueiro dos anos 1970 a imagem do gótico Alice Cooper vestido apenas por sua jiboia de estimação.

Poesia | Sou guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa

 

Música | Xote das Meninas - Petrobras Sinfônica e Lucy Alves