quinta-feira, 27 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão do STF sobre maconha representa avanço

O Globo

Corte eliminou principal lacuna da lei ao estabelecer critério objetivo para distinguir usuário de traficante

Foi acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio e fixar uma quantidade — 40 gramas, o equivalente, segundo estudos, a 80 cigarros da droga — para distinguir usuário e traficante. Dependendo das circunstâncias (presença de balança, caderno de anotações e outros indícios), a prisão não dependerá da quantidade. A principal lacuna da legislação atual era a indefinição, responsável pelo encarceramento em massa — e injusto — de dezenas de milhares de usuários. A dificuldade de consenso e as pressões fizeram o julgamento se arrastar por mais de uma década.

O uso de maconha para consumo pessoal, dentro dos parâmetros e circunstâncias estabelecidos, deixa de ser crime. Fica sujeito a sanções administrativas, punidas com advertência ou medidas educativas, e à apreensão da droga. O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, fez questão de esclarecer no julgamento que a decisão não legaliza a maconha. O consumo de drogas em lugares públicos continua sendo ato ilícito. A decisão vigora até que o Congresso delibere sobre o assunto.

Maria Hermínia Tavares - Democracia à brasileira

Folha de S. Paulo

Para pesquisadores, modelo brasileiro se impôs ao autoritarismo de Bolsonaro

O modelo brasileiro de democracia se impôs ao autoritarismo de Jair Bolsonaro. Essa a conclusão do livro "Por que a Democracia Brasileira Não Morreu?", dos cientistas políticos Marcus André Melo (UFPe) e Carlos Pereira (FGV-RJ).

Do muito que se tem escrito sobre a turbulência política que engolfou o Brasil desde 2013, a obra é sem dúvida a mais ambiciosa e desafiadora. Na contramão do senso comum, sustenta que nossas instituições políticas são fortes —e o demonstra tratando não só dos quatro anos do governo Bolsonaro, mas de todo o agitado período que o antecedeu, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff e o curto mandato de Michel Temer.

O argumento central do livro é que o peculiar arranjo institucional do país freou o impulso autoritário cevado no Palácio do Planalto. Esse arranjo, que os cientistas políticos chamamos "consociativo", constitui um mecanismo eficaz para impedir a concentração de poderes em um único centro de decisões.

Merval Pereira - Supremo busca o equilíbrio

O Globo

A necessidade de autocontenção do plenário do STF nunca havia sido tão debatida abertamente

O que era falado nos bastidores, e não por todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), veio à tona na discussão sobre descriminalização do uso pessoal da maconha. O que era uma decisão de suma importância passou a ser, para alguns ministros, uma intromissão indevida do Supremo em decisões que deveriam ser tomadas pelo Congresso, com a ajuda de órgãos oficiais como a Anvisa, a agência de vigilância sanitária que decide questões ligadas à saúde da população.

Vários dos 11 ministros, em maior ou menor grau, pronunciaram-se afirmando que deveria caber ao Legislativo distinguir entre usuários e traficantes. O ministro Luiz Fux foi mais enfático, exortando seus colegas à autocontenção, afirmando que um “protagonismo deletério” corrói a credibilidade dos tribunais. Ele salientou que cabe aos Poderes eleitos pelo povo — Executivo e Legislativo — decidir questões “permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política”.

Míriam Leitão - O falso dilema do governo Lula

O Globo

As declarações ambíguas do presidente sobre a economia acabam alimentando a alta do dólar e o ambiente de crise

O presidente Lula deu mais uma declaração ambígua sobre economia. E isso num dia de aversão a risco com o dólar subindo. Subia por razões externas, mas a fala do Lula sobre a dúvida entre cortar gastos ou aumentar a arrecadação caiu mal. Primeiro porque era num dia ruim, segundo porque essa é a terceira declaração fora do tom em poucos dias. Isso alimenta a especulação. O problema é que o dólar bate na inflação, e quando ela sobe, diminuem as chances de os juros serem reduzidos. Lula acaba favorecendo o oposto do que quer. Este ano, o dólar já subiu quase 14% diante do real.

Bruno Boghossian - O general inconformado

Folha de S. Paulo

General palpitou sobre eleição, deu pitaco sobre decisão judicial, ameaçou usar a força e fracassou

O comandante do Exército da Bolívia acordou na segunda-feira (23) disposto a dar palpites sobre a política do país. O general Juan José Zúñiga foi a um canal de TV e afirmou que Evo Morales não tinha o direito de disputar a eleição de 2025. Depois, ameaçou prender o ex-presidente caso ele tentasse voltar ao poder.

Demitido na noite seguinte, Zúñiga apelou para uma intervenção direta. Na quarta (26), o general levou militares às ruas, usou um blindado para arrombar a sede do governo e pôs de pé uma tentativa de golpe contra o presidente Luis Arce. Declarou insatisfação com a situação da Bolívia e exigiu a troca de ministros.

Ruy Castro - A tornozeleira e a vida social

Folha de S. Paulo

Os acusados pelo 8/1 têm todas as oportunidades para se defender; na ditadura, não tinha disso, não

Os acusados pelo 8/1, respondendo no conforto do lar aos crimes que cometeram em Brasília, não estão satisfeitos com essa condição. E com razão. A tornozeleira eletrônica que são obrigados a usar restringe sua vida social. Dependendo da hora, impede-os de prestigiar rodeios, cultos evangélicos e shows de cantores sertanejos. Além disso, ela é difícil de acomodar dentro das botas de vaqueiro. E a proibição de se comunicarem com seus aliados golpistas é mais um suplício —se não puderem conversar com outros bolsonaristas, vão conversar com quem?

Luiz Carlos Azedo - Pode apertar, mas ainda não pode acender agora

Correio Braziliense

O samba de Bezerra da Silva continua atual, porque o Supremo apartou traficantes de usuários de drogas, mas o consumo de maconha continua sendo ilícito e proibido em locais públicos

Caso ainda fosse vivo, o cantor e compositor pernambucano José Bezerra da Silva (1938-2005) estaria cantando um dos seus sambas que falam da maconha, talvez até tivesse feito uma nova canção, para comemorar o resultado final do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha para o uso pessoal, encerrado nesta quarta-feira, após nove anos de discussão na Corte.

Para fugir da fome, Bezerra saiu do Recife (PE) aos 15 anos, apenas com a roupa do corpo, embarcado num navio que transportava açúcar para o Rio de Janeiro. Como outros sambistas, foi trabalhar na construção civil, como pintor de paredes. Exímio ritmista (tamborim, surdo e outros instrumentos), começou a carreira de músico na Rádio Clube, com Jackson do Pandeiro, para quem compôs suas primeiras músicas: O Preguiçoso e Meu veneno. Em 1969, pela gravadora Copacabana, lançou seu primeiro compacto. Depois de estudar oito anos de violão e harmonia, passou a fazer parte da Orquestra da Globo. Mas ficou famoso e ganhou dinheiro como o inventor do chamado sambandido, assim denominado porque seus sambas faziam muito sucesso nos presídios.

William Waack - Gogó cansado

O Estado de S. Paulo

Ações políticas de Lula pioraram para ele difíceis condições estruturais

Lula reclama das renúncias tributárias como se fosse um infortúnio recente trazido por alienígenas. Na verdade, elas mantiveram padrão razoavelmente constante nos últimos 20 anos, com ou sem PT no poder. Espelham fielmente o padrão do sistema político brasileiro, que é a acomodação de interesses setoriais ou privados à custa dos cofres públicos.

O palavrório em tom de esperneio do presidente é inconsequente, pois ele não tem condições de alterar os dois principais fatores que lhe causam tantos dissabores ao pretender que governa. O primeiro é o fato de que o patrimonialismo continua sendo a principal característica das relações público-privadas no País. O segundo é que o Legislativo mudou a relação de poder com o Executivo.

Eugênio Bucci - Bibliotecas secretas

O Estado de S. Paulo

As instituições democráticas não sabem o que elas pesquisam, testam e realizam. As agências reguladoras não conseguem inspecioná-las

Já é conhecido o poder econômico das empresas tecnológicas mastodônticas que revolucionaram o nosso tempo, as chamadas big techs. Na semana passada, tivemos mais uma prova de sua magnitude pecuniária: circulou a notícia de que a Nvidia – detentora de mais de 70% do mercado global de chips para inteligência artificial – conquistou o alto do pódio, a posição de mais valiosa do mundo, com um preço de US$ 3,33 trilhões. A Microsoft, dona do Windows, foi desbancada para o segundo lugar – vale “apenas” US$ 3,32 trilhões. Em terceiro segue a Apple, avaliada em US$ 3,21 trilhões. As três juntas somam uma cifra intergaláctica, que dá mais ou menos cinco vezes o PIB de um país do tamanho do Brasil.

José Serra - Indústria: refletir além da próxima esquina

O Estado de S. Paulo

A economia brasileira patina na incapacidade de avançar há tempos. Talvez pela falta de horizonte e pela doença da supremacia do curto prazo

A reflexão sobre o desenvolvimento da economia brasileira é algo que parece ter sido perdido no espaço e no tempo. No Congresso Nacional, infelizmente, a disputa por nacos dos orçamentos secretos e as pautas de costumes esgotam a agenda que, aliás, tem sido marcada pelo atropelo. Na gestão econômica, o jogo das expectativas de curto prazo e a desmedida atenção às taxas de juros impedem que políticas de alcance mais estrutural avancem ou até mesmo que sejam propostas. Talvez essa dificuldade de colocar o desenvolvimento no topo da pauta possa explicar as razões de amargarmos trajetórias de crescimento tão frágeis. Os últimos dias podem dar um bom exemplo disso.

O clima de otimismo que vinha dominando os dados recentes da conjuntura sofreu um expressivo revés em abril. As vendas reais da indústria de transformação do Estado de São Paulo recuaram 4,3%, relativamente ao mês anterior, eliminando o ganho registrado em março, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). As horas trabalhadas na produção caíram 2,1%, assim como o salário real médio (-3,1%).

Celso Ming - Tripé manco

O Estado de S. Paulo

Como afirmou um dos formuladores do Plano Real, o professor Edmar Bacha, depois de 30 anos duas das pernas do tripé da política econômica de então “pegaram”. Foram elas: o controle da inflação e o câmbio flutuante. Mas a terceira perna não “pegou”, a da responsabilidade fiscal.

Bem que, nos dois primeiros anos da administração Lula 1, a responsabilidade fiscal foi uma das pilastras do governo. Mas isso foi mais pelo compromisso eleitoral assumido na Carta ao Povo Brasileiro, de junho de 2002, do que por convicção pessoal. Uma vez instalados no Planalto, tanto Lula quanto Dilma desprezaram a tarefa de equilibrar as contas públicas, também não observada à risca por Bolsonaro.

Entre as esquerdas, o imperativo da responsabilidade fiscal nunca foi bem aceito. Foi tido como coisa dos neoliberais, do Fundo Monetário Internacional ou do chamado Consenso de Washington. O professor Celso Furtado, o economista brasileiro mais respeitado pelas esquerdas nacionais, já proclamava nos anos 1950 que, sem enormes despesas do Estado, o desenvolvimento econômico não aconteceria.

Maria Cristina Fernandes - O discurso que torna Lula sócio da inflação

Valor Econômico

Se a descriminalização da maconha reacende a polarização, o discurso de Lula sobre a economia coloca em risco até a estreita vantagem sobre o bolsonarismo

Com a descriminalização do porte de maconha, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão destinada a impedir a superlotação dos presídios com jovens negros de periferia. O caráter civilizatório da medida não impede a constatação de que o STF acendeu o fósforo no paiol da polarização.

Ainda que o faça por desconhecimento, a maioria da população é contrária. Campanhas de esclarecimento podem minorar esta percepção, mas há um risco de que a medida caia no colo do governo e dos seus candidatos às eleições municipais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia estar pisando nesse terreno movediço quando respondeu, ao UOL, que o Supremo fazia uma intervenção indevida em tema do Congresso.

César Felício - Fala tem consequências na economia, na política e nas relações externas

Valor Econômico

Fala sobre desvinculação de benefícios fecha uma porta em relação ao ajuste fiscal

Da longa entrevista desta quarta-feira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao menos quatro afirmações irão provocar consequências nos campos econômico, político e diplomático. Talvez a mais importante, porque impacta diretamente as expectativas do mercado financeiro, seja a afirmação taxativa do presidente de que não proporá a desvinculação do pagamento de benefícios previdenciários ao salário mínimo. "O mínimo é o mínimo para sobreviver", garantiu.

Uma porta foi fechada, portanto, em relação ao ajuste fiscal. Como o presidente também garantiu que não se deve também gastar mais do que se arrecada, o corolário óbvio é que o governo federal continuará buscando formas de arrecadar mais. E redobrará apostas no Estado indutor da economia. "Se o PIB não crescer, você não tem o que distribuir", disse.

Anne Krueger - Pelo fim do flagelo protecionista

Valor Econômico

Se o sistema comercial internacional continuar em seu rumo atual, o mundo ficará mais pobre, mais dividido e muito mais vulnerável a ameaças existenciais iminentes

A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma das maiores histórias de sucesso da era pós-Segunda Guerra Mundial. Ao criar regras baseadas em princípios, como a não discriminação entre parceiros comerciais e o tratamento equitativo para bens nacionais e internacionais, a OMC permitiu o florescimento do comércio exterior, com enormes benefícios para o crescimento econômico geral e a redução da pobreza. Nesse sentido, a OMC é como o oxigênio: essencial, mas muitas vezes dado como certo.

Antes de 1800, o comércio internacional representava uma parcela muito pequena da atividade econômica mundial, tanto porque os custos de transporte e comunicação eram altos quanto porque a maioria dos países adotava políticas mercantilistas. Ao longo do século XIX, porém, esses custos foram caindo e as barreiras comerciais sendo reduzidas - primeiro no Reino Unido, e depois em toda a Europa - e teve início uma era de crescimento econômico extraordinário nas economias avançadas de hoje.

Cora Rónai - A dialética do caos

O Globo

Soprar as chamas de uma situação já tensa com uma ameaça de guerra civil, como Macron está fazendo, realmente não é coisa de adulto responsável

É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que fica impossível prestar atenção a tudo. A França, por exemplo. A jogada de Macron, que até pareceu ousada num primeiro momento, agora parece inconsequência pura e simples. Adultos responsáveis não fazem apostas loucas quando estão no governo porque, ora, são adultos responsáveis, e vida de adulto responsável é mais Angela Merkel do que James Dean, mais trilha do que escalada, mais quarteto de cordas do que rock’n’roll.

Os eleitores do país votaram em massa na extrema direita para o Parlamento Europeu. O que faz um adulto responsável? Qualquer coisa, menos dissolver a Assembleia, convocar novas eleições e pagar para ver: “É direita mesmo que vocês querem?”

Marina Gonçalves - Fracasso de golpe de Estado revela força política de Arce na Bolívia

O Globo

Presidente disputa protagonismo interno com o ex-aliado, Evo Morales, e agora seu maior rival dentro do Movimento ao Socialismo (MAS)

A demissão do comandante do Exército boliviano, Juan José Zúñiga, após uma série de ameaças contra o ex-presidente Evo Morales, foi o estopim para uma tentativa fracassada de golpe de Estado, que durou poucas horas e terminou com o militar preso. Mas acabou revelando a força política do presidente Luis Arce — ex-aliado de Morales e agora seu maior rival dentro do Movimento ao Socialismo (MAS).

Na segunda-feira, Zúñiga fez ataques contundentes contra Morales durante uma entrevista na TV, quando disse que o líder do MAS “não poderia mais ser presidente deste país” — Evo já anunciou que será candidato ao pleito do ano que vem; Arce, por sua vez, vem mostrando a intenção de tentar a reeleição.

Poesia | Falhei em tudo, de Fernando Pessoa

 

Música | Tendência - Luciana Mello (Sambabook Jorge Aragão)