sábado, 2 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Pente-fino no BPC é fundamental para desmascarar fraudes

O Globo

Apesar de tardia, é bem-vinda ideia de integrar programa a cadastro de benefícios sociais e ampliar exigências

Depois da descoberta de fraudes no auxílio-doença pago pelo INSS, o alvo do pente-fino que o governo tem passado sobre os gastos sociais agora é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que paga um salário mínimo mensal a deficientes e idosos de baixa renda. Não é preciso ter contribuído à Previdência para receber o BPC, corrigido pelas mesmas regras generosas do salário mínimo.

Apenas neste ano, o BPC representará uma despesa de R$ 111,5 bilhões, um aumento de 20,3% sobre o gasto de 2023. No primeiro semestre, ele custou R$ 44,1 bilhões, alta de 19,8% em relação ao período em 2023. Os novos benefícios somaram 1,1 milhão nos primeiros seis meses de 2024, 40% acima do verificado no ano passado. Não há fila de espera que justifique o salto.

O terror do ataque ao Capitólio - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Instituições americanas podem não resistir a uma nova tentativa de golpe

O pior do 6 de Janeiro foi ver o voto de 139 republicanos contra a certificação da eleição

Conforme a eleição se aproxima e as pessoas consideram os prós e os contras dos dois candidatos, tenho de confessar: para mim, um evento se destaca em luzes brilhantes, um acontecimento que não consigo esquecer: o dia 6 de janeiro de 2021. Não estou pensando muito na violência que eclodiu naquele dia, por mais terrível que tenha sido. Essas ações foram rapidamente condenadas por pessoas de todo o espectro político. Pelos democratas, é claro, mas também pelos republicanos, como o então líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, o senador Ted Cruz, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley e o senador Lindsey Graham.

Para mim, o aspecto mais assustador do que aconteceu no 6 de Janeiro não foi o evento fora do Capitólio, mas o que aconteceu dentro dele – depois que a ordem foi restaurada. A Câmara se reuniu novamente naquela noite para certificar os resultados das eleições enviados pelos Estados. Lembre-se, isso foi depois que dezenas de objeções em muitos Estados foram consideradas e rejeitadas e dezenas de processos judiciais foram arquivados e rejeitados. Depois que todos esses procedimentos legais foram seguidos, após um ataque violento ao Capitólio, Donald Trump e seus aliados ainda instaram seus apoiadores a rejeitar os resultados, rejeitar o colégio eleitoral e, na prática, anular a eleição. E a maioria dos republicanos da Câmara – 139 deles – prontamente consentiu e votou contra a certificação da eleição. Se tivessem votos suficientes, bem, não sabemos o que teria acontecido.

Trump, fascista? – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Discurso de ex-presidente configura desafio existencial à democracia americana

Na reta final, diante de uma coleção de pesquisas assustadoras, Kamala Harris reverteu aos sombrios alertas de Biden, desistindo da linha de reduzir Trump a uma figura "esquisita", "bizarra", quase risível. Nasceu daí a decisão de classificá-lo como "fascista" e, na sequência, através de terceiras vozes, a de traçar paralelos hiperbólicos entre o comício do rival no Madison Square Garden e a manifestação nazista, no mesmo local, em 1939, que exibiu no palco um retrato de George Washington emoldurado por suásticas.

Erro tático, concluíram analistas independentes e mesmo alguns estrategistas democratas. A radicalização retórica presta desserviço à imagem de candidata "unificadora" que Harris tenta projetar e a seu intento de persuadir eleitores indecisos. No fim, ela estaria submetendo-se às regras do jogo de um rival que aposta na desqualificação e no insulto. Mas, de fato, independente das conveniências da disputa por votos, seria verdadeiro o adjetivo? Trump deve ser, objetivamente, definido como fascista?

A primeira classe também cai - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

O quadro infesto, praticamente sinônimo de estagnação, já deveria ser suficiente para meter medo, não fora toda a tragédia que ele oculta

A tortura de quem escreve para o público é a véspera, quando bate o fantasma da repetição. Desde anos atrás, toda a imprensa do mundo discorreu sobre um confuso conceito de “populismo” todos os dias do ano. Nomes como Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia) e Narendra Modi (Índia) se espicharam nos sofás de nossas salas e nada faz crer que tão cedo consigamos apontar-lhes o caminho da rua. A tentativa russa de massacrar a Ucrânia e a guerra de Israel contra os grupos terroristas mantidos pelo Irã vieram complementar e elevar à enésima potência a tortura do “populismo”.

A política dos parlamentares - Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

Ao contrário da política dos governadores, hoje com o Centrão 2.0 e as emendas parlamentares realça-se o Legislativo e enfraquece-se o Executivo

As recentes eleições municipais consolidam a “política dos parlamentares”, uma inversão da “política dos governadores”, predominante na República Velha, de 1899 a 1930, mas ambas imbuídas do mesmo espírito: o fisiologismo.

Com Campos Salles, presidente eleito no final de 1898, instituiu-se a “harmonia” entre os Poderes e as forças sociais dominantes, em uma troca vantajosa e segura para todos os partícipes da trama política. O governo federal assegurava apoio aos governos estaduais e aos chefes oligárquicos – os “coronéis” – que, em contrapartida, garantiam o controle da eleição de deputados que seriam fiéis correligionários do presidente.

Haddad viaja - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Fernando Haddad viaja. O corte de gastos fica. O ministro vai à Europa. O pacote espera. Na hipótese de que (já) exista, talvez – otimismo – decante. O chá revelação maturando.

Haddad já dissera que não haveria prazo para divulgar o conjunto. O chá revelação sem agenda. O mercado reagiu mal. Fazenda e Planejamento puseram influente blitz de comunicação na pista, prometeram o troço com urgência – e nada. Donde o mau humor. O chá revelação azedado.

Veio, então, a conversa de convergência. Para (tentar) aliviar. O papo de harmonia com a Casa Civil – um advento. Rui Costa, a antessala de Lula, de súbito fechado com o programa do – perdão pelo oximoro – fiscalismo petista. Alinhamento de astros que fez (ao menos vendeu) a luz. Havendo concordância, ora, a lista de medidas seria apresentada na semana que vem.

O chá revelação marcado. Seria, pois, sem Haddad. É improvável. O chá revelação no telhado.

Falta base política para o ajuste – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Não se faz corte sem afetar programas sociais, coisa que o presidente Lula não quer. Daí as incertezas

Considerem o MDB, um dos vencedores nas eleições municipais. Uma ala do partido, pessoal do Norte e Nordeste, acha que o resultado dá o lugar de vice na chapa de Lula em 2026. Outra ala considera uma candidatura de centro. Uma terceira, caminhando pela direita, acaba de derrotar o PT de Lula em capitais importantes como São Paulo e Porto Alegre. Por que não continuar por aí?

Considerem o PSD, mais conhecido como partido do Kassab, outro vencedor nas últimas eleições. Como o MDB, tem três ministérios no governo Lula. E Kassab como um dos principais articuladores do governador paulista, Tarcísio de Freitas. Como no MDB, uma ala do PSD também acha que tem vaga na vice de Lula. Desde já, os dois partidos entendem que merecem ministérios mais robustos, com mais dinheiro para gastar.

A necessidade do caos – Pablo Ortellado

O Globo

Eles compartilham rumores e informações falsas pelo simples desejo de ver o circo pegar fogo

Um artigo acadêmico publicado no ano passado na prestigiosa revista de ciência política American Political Science Review causou grande alvoroço entre os estudiosos da polarização política e do extremismo. Uma equipe liderada pelo professor Michael Petersen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, demonstrou que uma parcela pequena, mas relevante, da população americana tem o que o estudo chamou de “necessidade de caos”, um impulso de destruição da sociedade causado pela combinação de disposição agressiva e sentimento de perda de status. Esse impulso leva 5% dos adultos, algo como 10 milhões de americanos, a compartilhar rumores e informações falsas pelo simples desejo de ver o circo pegar fogo. Não se sabe exatamente que outras consequências políticas são capazes de advir dessa necessidade de caos, mas muitos suspeitam que ela pode ser um componente relevante da atual crise das democracias liberais.

A arte de perder (II) – Eduardo Affonso

O Globo

O ponto de partida é ignorar que o candidato precise ter um mínimo de empatia e conexão com o eleitorado

A arte de ganhar uma eleição não é nenhum mistério: basta convencer a maioria dos eleitores de que seu candidato seja a pessoa certa para o cargo. Perder uma eleição é mais complicado: requer empenho, prática e habilidade.

Como no caso dos aviões — que têm o hábito de não permitir que um erro sozinho os derrube —, candidaturas só se esborracham nas urnas por uma combinação de fatores. Alguns podem parecer aleatórios, mas a maioria é cultivada com afinco — não apenas, de forma ostensiva, durante a campanha, mas também na surdina, na trégua entre um pleito e outro.

Combate ao crime organizado é questão de Estado – Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Sem paz não haverá prosperidade nem democracia

Debelar o crime organizado constitui hoje o principal desafio da democracia brasileira. Muitos dirão que temos desafios mais importantes. O fato, porém, é que dificilmente conseguiremos êxito em outras frentes sem que a criminalidade organizada seja contida.

A expansão da criminalidade organizada vem submetendo parcelas cada vez maiores da população brasileira à brutalidade e à exploração econômica. Estima-se que 23 milhões de brasileiros vivam hoje em áreas dominadas por milícias e facções. Nessas áreas não há lei nem direitos. A regra são a violência e o arbítrio.

É um erro acreditar que o crime organizado se interesse apenas por atividades ilegais altamente lucrativas, como o narcotráfico, o garimpo ilegal, a grilagem, o desmatamento criminoso, o tráfico de seres humanos ou a prostituição. O crime tem expandido suas ações para a distribuição de combustíveis —e mesmo a produção de álcool—, o mercado imobiliário, de transporte coletivo e de apostas e a lavagem de dinheiro, para ficar apenas nos exemplos mais evidentes.

Suicídio democrático - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Anistia a Bolsonaro seria um convite para futuros governantes autoritários atropelarem regras do Estado de Direito

Uma pauta que irá animar o noticiário político pelos próximos tempos é a anistia aos golpistas do 8 de janeiro e, por extensão ampliada, a Jair Bolsonaro, hoje considerado inelegível pelo TSE por crimes eleitorais.

Não é exagero afirmar que essa será uma definição fundamental para o futuro político do país. Os pleitos municipais mostraram que Bolsonaro é menos forte do que se julga, mas está longe de ser uma figura sem influência eleitoral relevante.

Há três cenários para 2026. Bolsonaro poderá estar preso, poderá estar solto mas sem direito de concorrer à Presidência ou terá sido anistiado e poderá candidatar-se. Cada um deles traz implicações muito diferentes para o campo da direita e, por conseguinte, para o processo eleitoral como um todo. Nenhum dos principais candidatos a candidato da direita deverá se colocar no jogo sem saber se o ex-presidente estará no páreo.

Jogo do bicho pode virar atração turística - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Império de Castor de Andrade sofre com novos tempos e guerra territorial

Aquele Pinguim não dava a mínima para Gotham City. Seu território era a Glória, onde gerenciava a banca do bicho. Com sapatos de bico fino bicolores que lhe apertavam os calos, equilibrava-se com dificuldade —daí o apelido. Apesar de receber todo o dinheiro do movimento de apostas, não andava armado. Às terças, como se cumprisse um ritual, entrava no botequim e, com voz baixa, pedia: "Uma Caracu e dois ovos no liquidificador". Combustível para o encontro, à tarde, com a amante novinha.

Eram os anos 1970, quando o negócio estava nas mãos de Castor de Andrade, capo di tutti i capi, que tinha, em sua fortaleza em Bangu, uma linha direta com a cúpula do regime militar.

O tabuleiro partidário para 2026 - Marcus Pestana

Muita tinta já foi gasta para decifrar o suposto “recado das urnas” em 2024 e suas consequências para a sucessão presidencial em 2026. Já expus aqui, com base na reflexão teórica, mas sobretudo, na experiência política concreta, que há baixíssima conexão entre os resultados das eleições locais intermediárias e os cenários para o futuro no plano nacional. Vivemos sob um presidencialismo bastante peculiar e um sistema político, partidário e eleitoral “sui generis”. Os partidos, em sua esmagadora maioria, não têm identidade ideológica clara, organicidade, democracia interna, unidade nacional, e se norteiam por excessivo pragmatismo. As bancadas no Congresso dividem-se ao meio em votações cruciais. Prefeitos e vereadores não obrigatoriamente seguem a orientação partidária nas eleições presidenciais.

O desequilíbrio perfeito - Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

Se os modelos fazem previsões precisas e o mercado futuro teima em não acreditar, há algo de podre no reino da teoria econômica

Os preços teimam em ser desobedientes, irrequietos, inconformados. Flutuam impiedosamente a toda hora. Teimam muitas vezes em subir e cair. Flutuam. Provocam neuroses e cardiopatias nos economistas, que teimam em controlar a realidade, mas são desmentidos todo dia. Viva a incerteza de não saber para onde vão no futuro!

Derivativos são instrumentos financeiros que permitem a transferência do risco entre os participantes do mercado. Refere-se ao risco de mercado, ou seja, aquele que envolve oscilações de preços.

Nos modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral a moeda é neutra, apenas unidade de conta e meio de troca. Os mercados financeiros, avaliadores da riqueza e definidores de sua distribuição entre as várias “oportunidades” da economia monetária, estão submetidos às amarras da Eficiência invocada por ­Eugene Fama.

Lições de uma tragédia - Cristovam Buarque

Revista Veja

O desastre de Mariana evoca outra catástrofe, a da educação

Na semana passada, governos e empresas firmaram um acordo de 170 bilhões de reais para indenizar vítimas do desastre em Mariana. Na ocasião, o presidente Lula afirmou que tal custo seria muito menor se as companhias envolvidas tivessem dado mais atenção à prevenção, cuidando da represa para evitar seu rompimento. O cálculo seria ainda mais enfático ao levar em conta o intenso sofrimento dos sobreviventes — e mais pertinente se o governante se lembrasse do silencioso desastre decorrente da negação de educação à maioria dos brasileiros. O descuido com o ensino asfixia socialmente ao longo da vida por falta de conhecimento, oxigênio necessário para facilitar a busca da felicidade pessoal e para ajudar a construir o país que desejamos. Soterra socialmente os 10 milhões a 12 milhões de adultos no analfabetismo pleno e asfixia entre 35 milhões e 40 milhões de crianças em idade escolar, que chegarão à vida adulta despreparadas para as necessidades do mundo contemporâneo.

Poesia | Elegia a um tucano morto, de Calos Drummond de Andrade

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Música | Chico Buarque e João Bosco - Sinhá