sexta-feira, 28 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desvincular BPC do salário mínimo é medida necessária

O Globo

Trocar correção pela inflação não traria perda a beneficiários e ajudaria a equilibrar as contas públicas

‘Não considero isso gasto, gente.’ A frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos e deficientes de baixa renda, revela o longo caminho que o governo tem a percorrer para controlar a dívida pública. Como o BPC está vinculado ao salário mínimo, desde o ano passado passou a ser regido pela mesma regra de correção, que prevê aumento acima da inflação.

O histórico recente do BPC é de alta. Nos 12 meses terminados em março, a quantidade de benefícios assistenciais cresceu 12%, pelos dados do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre). Essa expansão foi decisiva para aumentar o rombo da Previdência federal, equivalente a 3,9% do PIB em 2023. Isso se faz sentir nos resultados fiscais de maio, que registrou déficit de R$ 61 bilhões ante superávit de R$ 1,8 bilhão no ano passado. De acordo com o Tesouro, o déficit foi puxado pelo crescimento de R$ 24,4 bilhões nos benefícios previdenciários.

Fernando Abrucio -Escolas cívico-militares: um atraso amplo

Valor Econômico

O Brasil está propondo uma solução não educacional a complexos problemas relativos à qualidade do ensino sem que haja qualquer evidência da efetividade de tal proposta

A forma como os países organizam a educação tem efeitos que ultrapassam essa política pública. Lembrar disso é fundamental quando a adoção das chamadas escolas cívico-militares é ampliada no Brasil. Elas devem ser analisadas não só na maneira como impactam o modelo de ensino, mas também nas consequências que têm sobre o Estado e a visão de democracia.

Neste sentido, a militarização da política educacional bate de frente com várias conquistas obtidas a partir da redemocratização, levando a um retrocesso amplo que expressa o atraso civilizacional brasileiro em sua versão do século XXI.

O primeiro ponto que chama atenção no modelo das escolas cívico-militares é sua singularidade frente à experiência internacional recente. Nenhum dos países com resultados destacados em política educacional no mundo adota um padrão similar a essa nova jaboticaba brasileira. Militarizar o funcionamento das escolas não é característica nem dos governos mais próximos do autoritarismo que aparecem bem em rankings como o da avaliação do Pisa, exame organizado pela OCDE com cerca de 80 países.

Indo mais direto à essência da singularidade dessa proposta: não passa pela cabeça de gestores, educadores ou pesquisadores de educação em qualquer parte minimamente desenvolvida do mundo colocar militares aposentados como resposta a desafios educacionais.

José de Souza Martins - Imobilizados na mediocridade do repetitivo

Valor Econômico

O autoritarismo brasileiro condenou o país à eternidade da farsa

As pesquisas de opinião têm revelado a lentidão das esquerdas na conquista da preferência e do apreço do brasileiro. Na verdade, o povo não está dividido entre direita e esquerda. Um terço significativo dele está imobilizado na extrema direita e não se sente desafiado a sair do imobilismo. Gosta do atraso.

O que alguns sugerem ser esquerda está aprisionado no território político residual de uma direita que se julga consolidada, mas é politicamente frágil porque dilacerada em fragmentos antipolíticos e antidemocráticos. Longe de ser conservadora, a direita brasileira é reacionária e imobilista. Seus instrumentos de manipulação das consciências podem ter chegado ao limite da eficácia. A mentira política, gasta, já mostrou sua verdade infantil e ridícula.

Luiz Carlos Bresser-Pereira - Europa Ocidental à deriva

Valor Econômico

Semiestagnação e ameaça do nacional populismo avançam na região em que a forma de capitalismo é a mais avançada

Nas eleições recentes para o Parlamento Europeu, a direita radical fez novos avanços. Ao contrário do que se previa, não foi uma grande vitória, mas fez estragos nos dois países centrais da zona do euro, a França e a Alemanha. Já nos Estados Unidos, essa direita já esteve no poder e poderá voltar a ele no final deste ano. Não quero, porém, discutir esse país, mas sim a Europa Ocidental. Meu argumento é que o capitalismo do mundo rico está em crise - uma crise mais política do que econômica - e esta crise se vê mais claramente no Europa Ocidental.

Minha impressão é que esta região está à deriva. Seus dirigentes não sabem que rumo tomar. No pós-guerra, os europeus ocidentais construíram o capitalismo mais avançado de que temos notícia. Um capitalismo social-democrático. Em 1990 seu PIB per capita era quase igual ao dos Estados Unidos, enquanto a distribuição de renda era (e continua a ser) substancialmente melhor, o mesmo valendo para a qualidade de vida. Mas, desde então, a Europa Ocidental vem crescendo 50% menos do que os Estados Unidos. Entre 1990 e 2023 o PIB per capita cresceu 66% nos Estados Unidos contra apenas 48% na Europa Ocidental. Se considerarmos um período mais recente, de 2010 e 2023, as taxas médias de crescimento do PIB foram de 2,1% nos Estados Unidos contra 1,4% na Europa Ocidental.

Bernardo Mello Franco – Tempestade no Altiplano

O Globo

País andino não é o único a conviver com tentativas de tutela militar sobre o poder civil

A ação se deu à luz do dia, com transmissão ao vivo na TV. Tanques do Exército cercaram a Praça Murillo, sede do poder político na Bolívia. Um blindado avançou contra o palácio presidencial e arrombou o portão, abrindo caminho para a invasão fardada.

A quartelada de quarta-feira deixou o governo de Luis Arce por um fio. Após horas de tensão, o general Juan José Zúñiga foi preso, e a tentativa de golpe foi derrotada. Mas o episódio expôs os fantasmas que ainda rondam a democracia na América Latina.

No início da semana, Zúñiga disse estar “atento aos maus bolivianos” e ameaçou prender o ex-presidente Evo Morales para impedi-lo de voltar ao poder pelo voto. “Somos o braço armado do povo”, justificou.

César Felício - Lula muda estratégia para pautar noticiário

Valor Econômico

Presidente agora aceita correr riscos

Há uma evidente mudança de estratégia de comunicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As recentes entrevistas às rádios CBN e Itatiaia e ao portal UOL mostram isso.

O Lula de 2023 fez uma opção preferencial em se comunicar com entrevistadores mais alinhados a seu pensamento e a veículos de alcance regional, nas ocasiões em que cumpria agenda de viagens aos Estados, com pauta específica. Tentou também fazer uma mídia direta, com a entrevista ao vivo que concedia pelos canais da TV Brasil. Eram ambientes controlados. A mudança de estratégia sinaliza que não funcionou.

O Lula de agora aceita correr riscos. Ele se vê obrigado a responder de improviso a questões desconfortáveis. Joga com as pedras brancas do xadrez, dá o lance inicial. Em três entrevistas o presidente descartou alternativas para cortes de gastos, como revisões de vinculações constitucionais, retomou os ataques ao presidente do Banco Central, disse que não gosta do grande favorito para vencer as eleições americanas e que não pretende ter diálogo com o presidente argentino, a não ser que ele se humilhe. No plano político, Lula condicionou a permanência de um ministro de seu governo, nominou os possíveis candidato da direita em 2026 e deixou claro que pensa na reeleição.

Vera Magalhães - Qual o saldo das entrevistas de Lula?

O Globo

Presidente prestar contas é desejável, mas tem de haver objetivo de comunicação, que petista desperdiçou ao falar a rádios e portais

O governo Lula 3 superou a marca dos 500 dias em maio. O mês de junho foi marcado por uma turnê de entrevistas do presidente a rádios e portais de internet, algo sempre bem-vindo, pois a prestação de contas é primordial em governos democráticos. Mas qual o saldo das falas do petista? Se for feita uma pesquisa, provavelmente o que mencionarão serão as críticas, em diferentes tons de agressividade, ao Banco Central, à política monetária e ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

No dia da primeira das entrevistas da série, à CBN, o dólar fechou em R$ 5,43, maior patamar desde janeiro de 2023. Durante a fala ao UOL, na última quarta-feira, a moeda americana rompeu o patamar de R$ 5,50 pela primeira vez desde janeiro de 2022. Não adianta o presidente perder a esportiva e chamar de “cretinos” os que apontam coincidência entre suas falas e os movimentos do câmbio, porque a entrevista foi ao vivo, e a oscilação da moeda em tempo real. Claro que a depreciação do real não se deve exclusivamente às entrevistas do presidente, mas xingar a imprensa, ainda mais com dados imprecisos, não retira o peso das palavras.

Vinicius Torres Freire - Banqueiros a favor de Haddad

Folha de S. Paulo

Em público ou entre pares, gente da banca quer menos ruído e mais apoio a plano fiscal

Banqueiros maiores querem colocar panos frios na chapa de Fernando Haddad, que anda esquentando neste ano. Acham que Luiz Inácio Lula da Silva espalha brasas, é verdade. Mas, em geral, não gostam de tumulto, ainda que seus tesoureiros possam ganhar algum dinheiro com isso no curto prazo (para os demais prazos, não vale a pena). Dão a entender que o investimento mais prudente de relações públicas é dar uma força ao ministro da Fazenda.

É o que têm feito tanto em conversas entre pares como em manifestações públicas, muito institucionais e que parecem mera diplomacia. É o que fez nesta quarta-feira, mais uma vez, Isaac Sidney, presidente da Febraban, na terceira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o "Conselhão" do Lula.

Eliane Cantanhêde - Susp como o SUS

O Estado de S. Paulo

Governo se autoconcede mais poder e instrumentos contra o crime

Os governos vêm perdendo a guerra contra a violência há décadas, com as organizações criminosas, as milícias e o tráfico de drogas derrubando fronteiras e cooptando agentes do Estado, e uma das fragilidades da União é a falta de instrumentos, legais e policiais, para entrar na linha de frente. É para corrigir essa falha e atualizar o modelo de combate que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC), se autoconcedendo mais poderes, ou mais instrumentos de ação.

Luiz Carlos Azedo - Datena embola a disputa eleitoral em São Paulo

Correio Braziliense

O PSDB renasce das cinzas, como fênix, na capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa Quaest sobre a disputa eleitoral: “A cidade procura uma alternativa”

Pesquisa Genial Quaest, divulgada ontem, sobre as eleições para a Prefeitura de São Paulo, roubou as atenções políticas em Brasília, porque mostra um surpreendente empate técnico entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com 22% de intenções de votos, o deputado federal Guilherme Boulos (PSol), com 21%, e o apresentador José Luiz Datena (PSDB), com 17%. Os três estão embolados na margem de erro da pesquisa, que é de 3% para mais ou para menos.

Com Datena, o PSDB renasce das cinzas, como fênix, no seu berço histórico, a capital paulista. O apresentador comemorou o resultado da pesquisa: “Ficou claro que a cidade procura uma alternativa. Quero ser prefeito para tirar o crime organizado da prefeitura e dos serviços públicos. O PCC não vai mais mandar nos ônibus de São Paulo”, afirmou. Segundo o diretor da Quaest, Felipe Nunes, Datena é o mais rejeitado entre os pré-candidatos, mas também é o mais conhecido.

Bruno Boghossian - O fator Datena

Folha de S. Paulo

Ainda improvável, candidatura de apresentador dá pistas de etapa precoce da disputa

José Luiz Datena se habituou a fazer de suas aventuras políticas um espetáculo. Há mais de uma década, o apresentador repete o script: atrai holofotes, se filia a um partido e anuncia planos para uma eleição. Com a mesma desenvoltura, ele aparece na TV semanas depois para anunciar que desistiu de concorrer.

Em 2018, Datena deixou seu programa no prazo previsto na lei, falou em disputar o Senado e chegou a indicar o filho como substituto. Mudou de ideia em poucos dias. Fez algo parecido nas eleições seguintes e, agora, avisou que sairá de férias para se dedicar à campanha para a Prefeitura de São Paulo pelo PSDB.

Hélio Schwartsman - A decisão caquética

Folha de S. Paulo

Tentativa de apaziguar parlamentares enfraqueceu a tese constitucional

Mais uma vez, o STF meteu os pés pelas mãos. O julgamento da constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas, que determina penas para usuários de substâncias ilícitas, deveria, se não ser algo simples, ao menos seguir um roteiro conhecido. Embora o não tão douto ministro André Mendonça o ignorasse, vários países, incluindo os vizinhos Colômbia e Argentina, já percorrem esse caminho.

Flávia Oliveira - Avanço relativo

O Globo

Na origem, Gilmar Mendes defendeu a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades. Estruturaram-se sob a batuta de Julita Lemgruber (CESeC), uma das grandes pesquisadoras do país em segurança pública. No lançamento, em 2017, com a presença da vereadora Marielle Franco, assassinada no ano seguinte, participei de uma roda de conversa com a filósofa Djamila Ribeiro e o historiador Douglas Belchior. Quando o Supremo Tribunal Federal anunciou, na última terça-feira, que definiria a tese de repercussão geral do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, a primeira postagem que me saltou aos olhos na rede social foi da dúzia de moças e rapazes hoje à frente da iniciativa.

Orlando Thomé Cordeiro - Viva a Idade Média!

Correio Braziliense

A permanente ofensiva dos talibãs brasileiros precisa ser respondida por quem acredita em uma sociedade apoiada nos princípios do respeito à diversidade e à liberdade de culto

Pesquisando na internet, é possível encontrar notícias como as reproduzidas abaixo:

"Brasil registra 1.463 feminicídios em 2023. Ou seja, cerca de um caso a cada seis horas, representando uma alta de 1,6% em relação a 2022. Em 18 estados, a taxa de feminicídios ficou acima da média nacional, de 1,4 morte para cada 100 mil mulheres. Entre 2015 e 2023, quase 10,7 mil mulheres foram vítimas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)."

"Atlas da Violência indica que uma mulher sofre violência sexual no país a cada 46 minutos, sendo vítimas mais frequentes as que têm de 10 a 14 anos de idade. Mostra também que mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de agressão em 2022, sendo os homens os principais agressores."

André Roncaglia - Doença holandesa e produtividade

Folha de S. Paulo

Teoria liga vício na estrutura produtiva baseada em extrativismo de recursos naturais a uma prisão no subdesenvolvimento

Liderado pelo professor Luiz Carlos Bresser Pereira, o Novo Desenvolvimentismo (ND) oferece uma teoria econômica que explica a doença holandesa. É uma espécie de vício da estrutura produtiva em extrativismo de recursos naturais ou de rendas financeiras que aprisiona os países no subdesenvolvimento de seu potencial produtivo.

Esta condição afeta, por exemplo, países ricos em petróleo —como Venezuela, Noruega, Holanda e Brasil— e se manifesta como uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio, que asfixia a lucratividade das empresas industriais na fronteira tecnológica de seus setores. O resultado é a desindustrialização prematura e acelerada.

Fabio Giambiagi - Por que a produtividade deve ser nossa prioridade

O Globo

De 1980 a 2023, a produtividade se expandiu ao ritmo de 0,1% ao ano. Está na hora de o tema ser tratado como prioridade pela liderança política

O PIB de um país só pode aumentar por conta de um dos seguintes fenômenos: i) porque há mais pessoas produzindo; ii) porque há mais capital, na forma de máquinas, equipamentos ou construção civil; e/ou iii) porque, dada a mesma quantidade desses fatores, eles são combinados de forma a poder produzir mais.

Comecei a estudar Economia em 1980. Nos 40 anos anteriores, com todas as qualificações que possam ser feitas à qualidade das estatísticas antigas, o fato é que a produtividade por pessoa ocupada no Brasil aumentara à respeitável taxa de 4,2% a.a. Já nos 43 anos entre 1980 e 2023, a mesma variável se expandiu ao ritmo vergonhoso de 0,1 % a.a.

Talvez nada expresse de forma mais eloquente do que essa comparação a ideia de que nosso país “parou no tempo”. Com um agravante: o assunto passa a anos-luz das questões discutidas no ambiente político, onde perdemos tempo com propostas equivocadas, quando não ocupados com debates ridículos.

Poesia | O Mapa, de Mário Quintana

 

Música | Simone e Ney Matogrosso - Azul da Cor do Mar / Primavera - Prêmio da Música Brasileira