terça-feira, 21 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Adiar eleição abre precedente perigoso

O Globo

Apesar da tragédia no Sul, medida só deveria ser tomada em casos excepcionais, por razões logísticas

Enquanto o Rio Grande do Sul conta mortes e prejuízos das enchentes que afetaram 90% de seus municípios, pode parecer prematuro discutir o adiamento das eleições para prefeito e vereador marcadas para 6 de outubro. Mas o debate é inexorável devido ao tempo exíguo para tomar as decisões. O calendário eleitoral já está aí. Em junho, começa a pré-campanha. No mês seguinte, entre 20 de julho e 5 de agosto, partidos e federações realizarão suas convenções. A propaganda começa em 16 de agosto.

Entre os políticos, não há consenso. “Ainda é um pouco cedo, mas também não vai poder retardar muito a discussão. Junho já é momento pré-eleitoral, e em julho se estabelecem as convenções”, afirmou ao GLOBO o governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB). Ele argumenta que a troca de governo nos municípios e o próprio debate eleitoral podem atrapalhar a reconstrução. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), é mais reticente. Diz que um eventual adiamento precisa ser avaliado com critério, apenas quando tiver passado o auge da catástrofe e for possível avaliar seus impactos. O presidente do PL gaúcho, Giovani Cherini, defende o reagendamento do pleito para o primeiro semestre de 2025, depois que a população voltar para suas casas. Outras lideranças gaúchas são favoráveis ao adiamento argumentando que muitos locais de votação, como escolas, foram destruídos e que não há ambiente para a campanha eleitoral.

Míriam Leitão – Unindo as forças pelo Rio Grande

O Globo

Exército fazia um exercício de prontidão em Santa Maria quando a chuva caiu como uma parede. A missão real começou imediatamente

No dia 30 de abril, o comandante do Exército, Tomás Paiva, estava em Santa Maria (RS), onde serviu no início da carreira. Ele estava lá por acaso. Havia chegado com o ministro José Múcio no dia 29, para acompanhar um exercício militar na Brigada de Santa Maria. Este específico exercício tem o nome de “Apronto Operacional da Força de Prontidão”. Nele, 1.500 militares simularam a preparação para uma missão iminente. Na ida, quando estavam chegando, caiu um raio no avião. Não houve maiores problemas, mas quando isso acontece a aeronave tem que ser enviada para manutenção e substituída. Logo após o exercício militar, a chuva caiu como se fosse uma parede, descreve quem estava lá. Ficou claro que não era uma chuva normal. O avião que pegaria o ministro e o comandante teve dificuldade de pousar na tarde daquele dia. A missão para a qual as tropas haviam se preparado, em simulação, começaria imediatamente.

Felipe Krause* - A esquerda é vítima do próprio sucesso?

O Globo

O PT não conseguiu processar um fato: muitos que se beneficiaram de suas políticas têm valores conservadores

No dia 4 de março, o presidente Lula enviou ao Congresso um ambicioso Projeto de Lei para regulamentar o trabalho por meio de aplicativos de transporte, o PL dos Aplicativos. O texto contém dispositivos sobre salário mínimo, jornada de trabalho, sindicalização e contribuições para a Previdência. Ao anunciar o projeto, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou que os motoristas sofrem de “falsa sensação de liberdade”, e que são “escravizados por longas jornadas e baixa remuneração”.

A reação do público-alvo do PL, no entanto, revelou uma realidade mais complexa. Motoristas realizaram protestos em várias cidades, e o projeto enfrenta uma batalha difícil no Congresso. Os manifestantes alegam que as novas medidas são dispensáveis e provavelmente prejudiciais. Embora reconheçam as difíceis condições de trabalho, são céticos quanto à introdução pelo Estado de novas regras que podem, no final das contas, afetar seus ganhos.

Andrea Jubé - Negar a crise do clima pode custar caro

Valor Econômico

Um oceano separa a catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul do comício do partido espanhol Vox, com lideranças da ultradireita internacional, como Javier Milei, realizado em Madri nesse domingo (19). A verdade, contudo, é que a distância entre esses dois eventos, um geográfico, outro político, é tão estreita que seria possível cruzar esse oceano com uma pinguela.

Isso porque no mesmo dia em que os principais nomes da extrema direita mundial reuniram-se na Espanha para reforçar, entre outras pautas, o negacionismo climático, os brasileiros - do outro lado do Atlântico - assistiam, estarrecidos, à fúria das águas arrastando carros, móveis, pessoas, animais, sobre cidades inundadas, um cenário de guerra, uma atmosfera de desespero e desalento. Tão longe, e tão perto.

Daniela Chiaretti - A Mata Atlântica, o desastre no Sul e as velhinhas suíças

Valor Econômico

É preciso um olhar integrado para todos os biomas brasileiros, para zerar o desmatamento e priorizar a restauração -ou as crises do clima e da biodiversidade continuarão a se intensificar

Ao menos 70% da população brasileira vive na Mata Atlântica. Metade da comida que se come no Brasil é produzida no bioma. Um quarto do rebanho bovino do país está ali. Um quarto da produção de soja brasileira, também. A Mata Atlântica permite a produção de brócolis, couve, tomate, bananas, além de commodities como café e açúcar. Uma grande parte do PIB do agro está na região. É ali que o país vai alcançar o desmatamento zero primeiro -porque é o bioma que os brasileiros mais destruíram, onde os serviços ecossistêmicos mais fazem falta, onde as tragédias ambientais estão acontecendo com maior intensidade e onde a restauração só trará ganhos.

Rana Foroohar - Nem todas as tarifas nascem iguais

Valor Econômico

A pandemia, a guerra na Ucrânia, a ameaça de conflito em torno de Taiwan, as interrupções no transporte no Mar Vermelho e os vários desastres naturais que provocaram caos nas cadeias de suprimentos não mostraram que é péssima ideia para o mundo manter todos os seus ovos de produção em uma única cesta?

Há diferentes tipos de americanos. E há diferentes tipos de estratégias de tarifas. Essa é a principal mensagem a ser tirada das novas tarifas de importação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sobre várias mercadorias chinesas. Embora alguns as vejam como uma prova de que esta Casa Branca quer uma desglobalização tão rápida quanto a desejada pelo governo Trump, nada poderia estar mais longe da verdade.

Trump usou as tarifas como uma ferramenta de força, em uma estratégia com um uma única frente, a de reduzir o déficit comercial dos EUA com a China. Para Biden, no entanto, elas fazem parte de um plano muito mais amplo. O plano almeja não apenas combater o mercantilismo chinês, as suas repercussões econômicas e políticas no mundo e a incapacidade do sistema comercial existente para resolver isso, mas também expandir a capacidade produtiva em áreas fundamentais, como as de semicondutores e tecnologia limpa.

É uma estratégia comercial que também almeja construir uma verdadeira aliança democrática - entre ambientalistas e sindicatos, tanto em Estados republicanos quanto em democratas e, em última análise, entre aliados no exterior, em torno à transição para energia limpa. Tudo isso é algo que a Europa e outras democracias liberais não apenas deveriam apoiar, mas também imitar.

Pedro Doria - A IA está quase humana

O Globo

O que chama mais a atenção é o GPT 4o, capaz de conversar como se fosse gente

OpenAI e Google lançaram as novas versões de seus modelos de inteligência artificial (IA) na semana passada, e em ambos os casos representam um novo salto. O que chama mais a atenção é o GPT 4o, capaz de conversar como se fosse gente. Pois é: ficou difícil se comunicar com Alexa, Google Assistente e Siri. Ficaram primitivas demais num estalar de dedos. Mas, do ponto de vista técnico, o relevante é que os dois modelos agora são multimodais. Mais uma palavra importante para nosso vocabulário neste mergulho que a humanidade está dando, agora de mãos dadas com IAs.

Hélio Schwartsman - Pessoas imaginadas

Folha de S. Paulo

Pessoas jurídicas se assemelham às naturais em muitos aspectos, mas há situações em que o elemento humano é irredutível

Contra fake news, o governo Lula processa um influenciador de direita por ofensa à honra da União. A pergunta é se o Estado tem honra que possa ser ofendida ou se essa palavrinha que já causou tantas brigas, homicídios (pense nos duelos) e até guerras se aplica apenas a humanos?

Lidamos aqui com o que talvez seja a maior realização da linguagem, que é criar realidades imaginárias compartilhadas por tantas pessoas que se tornam instituições altamente motivadoras. Estamos falando de coisas como religião e dinheiro (a maior parte da moeda em circulação não existe nem como pedaço de papel, apenas como registros contábeis digitais). Estamos também falando de entes públicos, organizações, empresas e tudo aquilo a que chamamos de pessoas jurídicas.

Dora Kramer - Duas faces do flagelo

Folha de S. Paulo

Disputa política na tragédia gaúcha tem o lado A, da luz, e o lado B, na treva

São recorrentes, por inevitáveis, as comparações da catástrofe no Rio Grande do Sul com a calamidade da recente pandemia. Em vários aspectos, inclusive os efeitos político-eleitorais, muito menos dramáticos porque não implicam perdas de modo direto e imediato.

Em decorrência da crise sanitária, deu-se mal o governante agressivamente negacionista. Jair Bolsonaro pagou com a derrota o preço da insensibilidade. Mas tampouco deu-se bem o governador que, diligente, providenciou o primeiro lote de vacinas contra a Covid-19João Doria foi visto como excessivo na propaganda do feito.

Joel Pinheiro da Fonseca - Mudanças climáticas são prioridade?

Folha de S. Paulo

Insuficiência de investimentos é geral e agenda também parece distante de grandes debates de política econômica

"Estudos alertaram, mas o governo também vive outras agendas", respondeu Eduardo Leite quando indagado sobre a falta de investimentos para o combate de enchentes no Rio Grande do Sul, cuja necessidade já era apontada por estudos. A sinceridade brutal que ele mostrou ali cobra seu preço, mas seria verdadeira em diversos estados brasileiros. Estamos mal adaptados à mudança climática.

No discurso, ela é prioridade para variados lados do espectro ideológico. A real divisão atual entre liberais e a esquerda é se o Estado, ao incorporar essa agenda ambiental, tem que fazer escolhas e priorizar o que é mais importante ou se pode simplesmente gastar mais sem nenhum limite a cada nova necessidade que se apresenta. Mas isso é uma discussão teórica.

Eliane Cantanhêde - Verdade nua e crua

O Estado de S. Paulo

Acusações contra a Lava Jato e montanhas de provas não se anulam, se confirmam

Depois de semanas dedicadas à tragédia gaúcha, a pauta desta terça-feira, 21/5, em Brasília, está voltada para a Lava Jato, no Supremo, no TSE e na Câmara dos Deputados. Lembram da Lava Jato? Sim, essa mesma, a que já foi considerada a maior operação de combate à corrupção no Brasil e uma das maiores no mundo, mas sofreu uma reviravolta estonteante e caiu em desgraça. Todos os acusados já estão soltos, mas a Lava Jato continua pairando no ar.

No dia seguinte à decisão do ministro Flávio Dino de manter o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, do TRF-4, que atuaram em processos da Lava Jato, o Supremo deve julgar hoje um pedido do ex-presidente do PT José Dirceu para a extinção da pena por corrupção passiva no contexto da Lava Jato.

Carlos Andreazza - Dilma III

O Estado de S. Paulo

O dinheiro escasseia. Não está mais tão barato arrancá-lo; nada fácil fabricá-lo

O Ministério do Planejamento entrou na clandestinidade. O aparelho está por cair; seus técnicos conspirando contra as indexações-vinculações que agravam a subordinação do Brasil ao império do gastar o que não pode. Flertam os conjurados com a ideia perigosa de fazer escolhas. Ameaçam difundir que grana não dá em árvore.

E então sussurram o óbvio, os traidores da Pátria: as contas não fecham. O dinheiro escasseia. Não está mais tão barato arrancá-lo; nada fácil fabricá-lo. Avançado já o segundo ano de governo... O mundo real se impõe.

Jorge J. Okubaro - Vulnerabilidades e indiferença

O Estado de S. Paulo

Diante das mudanças do clima, o que precisa ser feito no Brasil são planos de médio e longo prazos, sobre os quais poucos pensam

A tragédia do Rio Grande do Sul mostra dramaticamente que, mesmo sendo abençoado por Deus, como nos ensinou há décadas Jorge Benjor, este é um país tropical frágil diante das forças da natureza. “O Brasil é um país muito vulnerável à mudança do clima”, disse ao jornal Valor a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, economista e doutora em Ciência Política Ana Toni. A extensão e a persistência dos efeitos das inundações não deixam dúvida de que devemos levar a sério o conselho da secretária de Mudança do Clima para que mudemos nossa percepção sobre as transformações que ocorrem no planeta em razão de ações humanas: “Essa ficha tem de cair”.

Luiz Carlos Azedo - Um dilúvio às vésperas das eleições gaúchas

Correio Braziliense

O governador Eduardo Leite propõe adiar as eleições municipais para não perder o foco na reconstrução do estado. Não é uma ideia sem sentido

Na quarta semana de dilúvio no Rio Grande do Sul, que deixou 461 dos 497 municípios gaúchos debaixo d'água, um mar de lama e montanhas de entulhos tomam conta das cidades gaúchas onde as águas já baixaram. Não se sabe ainda quanto será o custo total nem o tempo necessário para reconstrução do estado. Enquanto as águas do Guaíba, acima da cota de inundação, descem muito lentamente, a Lagoa dos Patos ainda sobe e ameaça cidades vizinhas, entre as quais, Pelotas.

A imagem faz todo sentido. O Dilúvio é o nome do evento bíblico (Gênesis 7 e 8), que começou no ano de 2516 a.C. e continuou por 12 meses lunares e 10 dias, ou exatamente um ano solar. Segundo a Bíblia, foi um castigo divino provocado pela corrupção e pela violência, na nona geração de Adão. Deus, então, decidiu purificar a Terra. Havia apenas uma família fiel a Deus, a de Noé, "um homem justo e íntegro".

Cristovam Buarque - Barrar o antissemitismo

Correio Braziliense

Apoiar a luta contra o terror e barrar o antissemitismo é tarefa de todo humanista, daí a obrigação de respeitar a história milenar dos judeus e denunciar os crimes do atual governo de Israel

Em 1961, o serviço secreto de Israel descobriu a presença de Adolf Eichmann em Buenos Aires, escondido por dezenas de nazistas argentinos. Era a chance de vingar o assassinato de 6 milhões de judeus sob a coordenação daquele monstro. Em vez de bombardear o bairro onde ele morava para assassiná-lo, o primeiro-ministro Ben-Gurion optou por capturá-lo, tirá-lo da Argentina, fazer julgamento público, condená-lo à morte e enforcá-lo na madrugada de 1° de junho de 1962. Foi um grande risco, poderia não ter dado certo, mas Israel saiu fortalecido moralmente, suas forças de defesa e seus serviços de informação mais respeitados, o sionismo cresceu e o antissemitismo diminuiu.

Cláudio Carraly* - E se o SUS não existisse?

O SUS não existe! A omissão dos parlamentares durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, influenciada pelo poderoso lobby da saúde privada, gerou repercussões profundas e marcou indelevelmente a estrutura do próprio país. Esta lacuna não apenas privou milhões de brasileiros de acesso à saúde, mas também moldou dinâmicas sociais, econômicas e políticas por décadas. A ausência do Sistema Único de Saúde exacerbou as desigualdades sociais e de saúde existentes, sem um sistema de saúde universal, os que possuíam recursos financeiros acessavam cuidados médicos de qualidade, enquanto os menos favorecidos enfrentavam negações constantes ou limitações severas ao seu direito inalienável à saúde. Os mais afetados por essa desigualdade eram os grupos vulneráveis, como os pobres, idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças crônicas, todos esse foram relegados à margem do sistema de saúde nacional, e viraram cidadãos de segunda classe.

Poesia | Canção do Amor Imprevisto, de Mario Quintana

 

Música | Chico Buarque | Que tal um samba? com Hamilton de Holanda

 

segunda-feira, 20 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Recursos para reconstrução ainda são problema para RS

Valor Econômico

Mesmo com suspensão do pagamento das dívidas, receitas do Estado estão em previsível queda livre

Mais de três semanas depois que as chuvas começaram a desabar sobre o Rio Grande do Sul, grande parte do Estado continua debaixo d’água, com restrita mobilidade nas e entre as cidades, com enchentes que atingiram 461 dos 497 municípios. O rio Guaíba continuará acima do nível de inundação até o fim de maio. As águas da Lagoa dos Patos ainda sobem, ameaçando cidades vizinhas. Noventa por cento das indústrias estavam paralisadas até quinta-feira. Nunca o Rio Grande do Sul e o Brasil viram uma tragédia igual por sua intensidade, extensão e duração. O trabalho de reconstrução será demorado, caro e bem mais complexo que uma simples reposição do que foi destruído. O aguaceiro deixou claros muitos locais onde os gaúchos não podem mais habitar, com risco de vida certo. Planeja-se até mesmo mudar algumas cidades de lugar.

Fernando Gabeira - A esperança vem do Sul

O Globo

A sociedade gaúcha tem grande potencial e pode exigir uma reconstrução que supere os erros do passado

Nos dias das grandes enchentes no Sul, morreu no Rio um gaúcho especial, o ator Paulo César Pereio. Fomos amigos, vivemos juntos alguns meses num pequeno apartamento da Figueiredo de Magalhães, em Copacabana. Não tínhamos onde morar e aproveitamos que Tarso de Castro, outro gaúcho, precisava sumir para tomar conta do lugar. Era o momento do pós-golpe de 1964, e Tarso se sentia visado por ter dirigido o Panfleto, um jornal de Brizola.

No mesmo prédio, alguns andares acima, viviam duas recém-chegadas garotas gaúchas. Uma gostava de literatura, outra era cantora. Eu me interessava pela literatura do Sul, pois tinha lido um conto de Josué Guimarães, publicado na revista Senhor. A cantora se apresentava no Beco das Garrafas e alguns anos depois se tornou famosa: Elis Regina.

Miguel de Almeida - A culpa é nossa

O Globo

Verdade não tem muito valor no cotidiano brasileiro

O que veio primeiro: o político mentiroso ou o eleitor que inventa mentiras? Melhor seria perguntar: por que deixamos de acreditar na verdade?

Não é correto dizer que Bolsonaro, na extrema direita, tampouco Lula, na esquerda, sejam os primeiros a se valer de inverdades como instrumento político. No Brasil, o recurso à traquinagem tem tradição, régua e compasso.

Não indo muito longe, podemos ficar na eleição de Artur Bernardes no problemático 1922. Ano do centenário da Independência, da Semana de Arte Moderna e da revolta dos 18 do Forte de Copacabana, quando alguns tenentes quiseram derrubar o governo à bala (a coisa vem de longe). No meio da campanha, surgiram várias cartas creditadas a Bernardes, recheadas de ataques ao marechal Hermes da Fonseca, chamado de “sargentão sem compostura”. Eram apócrifas, inventadas pelos partidários de Nilo Peçanha, que seria derrotado nas urnas. Mesmo desmascaradas, as mentiras serviram para azedar a relação de Bernardes, obrigado a governar sob estado de sítio, com os militares.

Irapuã Santana – Quantas vidas para aprender?

O Globo

É desolador ver a quantidade de absurdos despejados nas redes sociais a respeito da tragédia no Rio Grande do Sul

As imagens com ruas, bairros e cidades inteiras alagados, carros e casas submersos serão difíceis de esquecer para quem está longe do Rio Grande do Sul. Não é possível mensurar o dano de quem vivencia tudo isso.

Com 2 ou 3 anos, vi as águas da chuva invadirem minha casa em Madureira, no subúrbio carioca. Mesmo com tão pouca idade, guardei duas memórias até hoje, aos 37. A primeira foi minha mãe me pegando no colo, tentando sair de casa e gritando porque algum bicho tinha passado por ela. Lembro o grito de medo com a possibilidade de ser um rato ou uma cobra. A segunda é o que as águas deixaram para trás. O quarto tinha chão de tacos, e me chamou muito a atenção que todos eles tinham sido levados e, no lugar, ficado uma imensidão de pregos, impossibilitando uma família de dormir no cômodo. Naquele mesmo dia, a bola com que eu brincava escapou e foi parar lá. Furou assim que tocou nos pregos.

Ricardo Henriques - Rio Grande do Sul e a emergência climática

O Globo

Precisamos avançar numa agenda que coloque a tecnologia a serviço do desenvolvimento dos estudantes, e não o contrário

Em incêndios, terremotos, secas, inundações ou acidentes aéreos, passada a fase de consternação e solidariedade com as vítimas, mobilizamos sempre nossos melhores esforços para diagnosticar causas e criar caminhos que minimizem riscos ou impactos de uma nova tragédia. O que testemunhamos agora no Rio Grande do Sul deveria, de uma vez por todas, ser entendido como um desses momentos críticos.

Em todas as áreas, em todo o território nacional, precisaremos intensificar os esforços de elaboração e implementação de estratégias de mitigação e de adaptação dos efeitos das catástrofes climáticas. Será fundamental desta vez fortalecer o controle social e a cobrança por transformações para evitar o fenômeno frequente da memória curta que se esvai e reduz o fôlego para sustentar as mudanças estruturais que se fazem urgentes.

Bruno Carazza - De onde vem a influência de Alexandre Silveira

Valor Econômico

De político apagado a vencedor de embate na Petrobras, ministro tem ambições políticas e conexões com empresariado

Figura central na crise que levou à demissão do presidente da Petrobras, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um personagem do qual muito se fala, mas pouco se conhece.

Quem lê sua biografia nas redes sociais é levado a acreditar na história de sucesso de um garoto de origem humilde, que começou a trabalhar com 14 anos e foi aprovado em concurso público para delegado da Polícia Civil de Minas Gerais.

Tudo isso pode ser verdade, mas omite as conexões políticas e empresariais que facilitaram a sua ascensão.

Alex Ribeiro - Projeção do BC levanta dúvida sobre corte de juro

Valor Econômico

Banco Central segue com a espada na sua cabeça da tendência de piora nas expectativas de inflação

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez um grande esforço nos últimos dez dias para mostrar que, apesar da votação dividida para a baixa de juros na sua mais recente reunião, a partir de agora estão todos juntos numa estratégia mais conservadora. Mais falta ainda o principal: mostrar concretamente no encontro de junho e nos seguintes, com placares unânimes, que existe uma unidade de propósitos.

Diogo Schelp - Não foi por falta de aviso

O Estado de S. Paulo

Não há contradição em defender Estado enxuto e pedir auxílio na calamidade

Na onda dos que se gabam, com indisfarçável satisfação, de que “não foi por falta de aviso” que a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul aconteceu, surgiram também os arautos do Estado mastodôntico para expor os pedidos de ajuda do governo gaúcho a Brasília como um troféu contra o liberalismo econômico. Argumentam que quem vive dizendo que o Estado precisa gastar pouco e interferir menos na economia acaba caindo do cavalo quando exige socorro desse mesmo Estado em meio à calamidade.

Denis Lerrer Rosenfield - Sofrimento e solidariedade

O Estado de S. Paulo

O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio do último

A calamidade climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul é um espetáculo de tristeza e compaixão, isolamento e ajuda mútua, conduzindo a solidariedade de pessoas privadas a um nível de beleza, em dessemelhança com a tragédia reinante. Os contrastes não poderiam deixar de ser inauditos: de um lado, roubos, saques e abusos sexuais dos mais diferentes tipos e, de outro lado, a preocupação com o próximo, o amor às pessoas e a atenção aos necessitados. O que estamos vivenciando exprime o que há de pior e de melhor na natureza humana, felizmente para nós com o predomínio desse último.

Marcus André Melo - Pandemia e inundações

Folha de S. Paulo

A polarização afeta a onda de solidariedade e a janela de atenção nos dois eventos

Desastres naturais afetam a popularidade de governantes: o sentimento negativo gerado contamina sua avaliação como argumentei aqui. Logo após o evento, surge uma onda de solidariedade com as autoridades (no jargão, o rally round the flag), ao que se segue certa fadiga e insatisfação.

Os desastres criam uma janela de atenção sobre quem está no poder que é muito arriscada. O comportamento oportunista em contextos de comoção gera custos e qualquer vacilo ou frase mal-empregada terá efeitos cataclísmicos. Muitos presidentes, ex. George W. Bush após o furacão Katrina, naufragam. Mas há alguns casos de desempenho heroico que alavancam a popularidade.

Ana Cristina Rosa - O Congresso está cego?

Folha de S. Paulo

Mesmo com um estado embaixo d'água, tramitam 25 Projetos de Lei que agridem normas ambientais

Há mais de 20 dias o Rio Grande do Sul, meu estado natal, está debaixo d’água em razão de um dos maiores desastres naturais do Brasil. O rastro da destruição se compara a cenas de guerra. As implicações materiais são visíveis a olho nu. Contudo, a tragédia não se mostrou suficiente para sensibilizar o Congresso Nacional, onde tramitam 25 Projetos de Lei (PL) que agridem normas ambientais.

Tem PL para reduzir a reserva legal na Amazônia (o pulmão do mundo); eliminar a proteção dos campos nativos e outras formações não florestais; flexibilizar normas de regularização fundiária; admitir a exploração mineral em unidades de conservação; anistiar desmatadores; esvaziar o poder de fiscalização do Ibama; e por aí vai...

Patrícia Campos Mello - Livro aborda derrota de Bolsonaro e resiliência do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Gestão da Covid, inflação de alimentos, quebra no auxílio emergencial e estagnação do salário mínimo são alguns dos fatores

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) "perdeu para ele mesmo" a eleição presidencial de 2022 porque pecou por um excesso de bolsonarismo e se limitou a cultivar seus mais fiéis eleitores. Mas Bolsonaro perdeu por muito pouco para o presidente Lula (PT) —menos de dois pontos percentuais dos votos válidos, a menor margem desde a redemocratização. E esse mesmo bolsonarismo que lhe custou votos se mantém uma potência para 2026.

Essas são algumas das conclusões do livro "Voto a Voto – Os Cinco Principais Motivos que Levaram Bolsonaro a Perder (por Pouco) a Eleição", da jornalista Maria Carolina Trevisan e do economista Maurício Moura, professor da Universidade George Washington.

A obra fala sobre os motivos que levaram Bolsonaro a ser o primeiro candidato à reeleição a perder o pleito.

As razões são conhecidas, mas o livro mostra, com pesquisas quantitativas e qualitativas, como cada um desses aspectos impactou as chances de reeleição do ex-mandatário.

A gestão da pandemia, a crise econômica, o contexto internacional de desgaste da antipolítica, a resistência das mulheres e a presença de um candidato de oposição forte fadaram o ex-presidente à derrota.

André Barrocal - O “mercado” agradece

CartaCapital

Integrantes do governo flertam com a ideia de desvincular o salário mínimo da Previdência, um perigo para os aposentados

O governo e 17 setores empresariais chegaram a um acordo sobre a volta da contribuição patronal ao INSS baseada na folha salarial. A taxação de 20%, abolida em 2011 e substituída por uma de 1% a 4,5% incidente sobre o faturamento, será retomada aos poucos a partir de 2025, até o valor cheio ser restabelecido em 2028. Vitória do governo, embora parcial. Parcial, pois o desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era cobrar 20% já em 2024, o que geraria 12 bilhões de reais no ano. O empresariado não queria a tributação ressuscitada e se escondia atrás do Congresso. Não contava que o governo perderia a paciência diante do que um integrante da equipe econômica classificou nos bastidores de “arrogância” e apelaria ao Supremo Tribunal Federal. Foi uma liminar concedida por Cristiano ­Zanin em abril, a pedido do governo, que obrigou empresários e congressistas a negociar. Na quarta-feira 15, o governo requereu a Zanin a suspensão dela, enquanto os termos do acordo sejam convertidos em uma lei votada primeiro por senadores, depois por deputados.

Poesia | Nesta vida, em que sou meu sono, de Fernando Pessoa

 

Música | Edu Lobo e Chico Buarque - Beatriz

 

domingo, 19 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ajuste fiscal é imperativo para o país

O Globo

Diante da deterioração das contas públicas, Executivo e Legislativo não podem ignorar a tarefa

Não foi surpresa que o governo tenha enviado ao Congresso uma proposta orçamentária relaxando as metas fiscais que ele próprio propusera um ano antes. Desde o início havia dúvidas sobre a viabilidade das regras que substituíram o antigo teto de gastos. Além de afrouxar as metas, o Planalto se esforçou por mexer no novo arcabouço fiscal nem bem ele entrara em vigor, para antecipar despesas extraordinárias de R$ 15,7 bilhões, inserindo um jabuti numa lei sobre seguro obrigatório de veículos. Diante do recado que transmite a mudança de regras com o jogo em andamento, quem acreditará que o governo leva a sério o ajuste fiscal? Ao protelar qualquer perspectiva de equilíbrio para 2027, Executivo e Legislativo revelam não ter noção da dimensão dos riscos que criam para o país.

Míriam Leitão - Discutir tudo menos o essencial

O Globo

Se não houver uma agenda de futuro, todo o país pagará um preço alto. A longa agonia dos gaúchos deveria nos ajudar a ver o essencial

Petrobras está no centro do debate, de novo. E, como das outras vezes, não se discute o essencial. Qual o futuro de uma petrolífera num mundo em que a mudança climática já está cobrando uma conta alta do país em vidas humanas e em devastação material e econômica? Esse é o essencial, mas não é uma questão que tenha provocado a troca de Jean Paul Prates por Magda Chambriard. A mudança na estatal tem a ver apenas com o grau de simpatia ou antipatia que cada pessoa desperta no Palácio do Planalto. Ambos têm a mesma agenda e a mesma aceitação de interferências políticas na gestão.

Bernardo Mello Franco - A desconstrução de Castro

O Globo

Desembargador disse ter certeza “plena e inequívoca” de que político montou esquema criminoso para desviar recursos e se reeleger; ele nega irregularidades

Cláudio Castro passou a semana em Nova York, onde se vendeu como um gestor empenhado em “reconstruir” o Rio de Janeiro. Enquanto o governador palestrava, o Tribunal Regional Eleitoral iniciou o julgamento que pode desconstruir seu mandato.

Na sexta-feira, o desembargador Peterson Barroso Simão leu um voto arrasador. Disse ter certeza “plena e inequívoca” de que Castro montou um esquema criminoso para desviar dinheiro público e garantir a reeleição em 2022.

O relator votou pela cassação de Castro, do vice-governador Thiago Pampolha e do presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar. O julgamento foi interrompido por pedido de vista e deve ser retomado na próxima quinta.

Ana Lucia Azevedo – Hostilidade não é só do Clima

O Globo

Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas

O clima nunca esteve tão hostil no Brasil. O Rio Grande do Sul submergiu na maior catástrofe climática da História do país. A água que afoga o Sul falta no Sudeste e no Centro-Oeste. Em São Paulo, o reservatório Cantareira recebeu só 6% do volume de chuva esperado para abril. O Pantanal está sob seca excepcional.

A previsão do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) para o trimestre de maio a julho é de agravamento dessas condições. Mais chuva no Sul e menos nessas duas regiões, com o Pantanal caminhando para um recorde histórico de seca. Há ainda 5 milhões de quilômetros quadrados de áreas ameaçadas pelo fogo, com risco especial para a Amazônia.

A hostilidade não está apenas no clima. O Congresso Nacional tem se mostrado preponderantemente avesso à segurança ambiental. O ser humano não tem o poder de controlar extremos de chuvas associados às mudanças do clima que ele mesmo fomentou. Mas os efeitos dos extremos podem ser amenizados ou amplificados ao sabor de decisões humanas. Leis e medidas podem agravar a emergência climática ao permitir a destruição das áreas que protegem vidas. Ou, ao contrário, contribuir para a adaptação.

Dorrit Harazim - Fábula

O Globo

Como já disse um sábio, a verdadeira generosidade com o futuro consiste em dar o melhor de si no presente

A história circulou no rastro do Furacão Katrina, que em 2005 devastou Nova Orleans e deixou a cidade 80% submersa. Também foi lembrada em várias línguas durante a pandemia mundial de Covid-19 e seu agoniante corolário de mais de 7 milhões de mortos. Agora, diante da destruição pelas águas de todo um modo de viver gaúcho, ela volta à baila. Compreende-se: em tempos de dor coletiva, referências edificantes viram bálsamo — mesmo quando não são, necessariamente, verdadeiras. Conta-se que a cultuada antropóloga americana Margaret Mead, quando questionada sobre que marcador da evolução considerava ser a primeiríssima evidência de uma sociedade civilizada, citou um fêmur humano de 15 mil anos atrás, encontrado num sítio arqueológico. Nem ferramenta primitiva, nem artefato religioso, nem qualquer forma rudimentar de organização comunal, mas um fêmur — um fêmur fraturado que havia sarado.

Eliane Cantanhêde - Na direção certa

O Estado de S. Paulo

Se Lula acertar no Sul, sobe nas pesquisas; se errar, cai. É do jogo

O pior já passou? Não, não passou. A previsão é de tempos ainda muito difíceis e dolorosos no Rio Grande do Sul, com chuvas e enchentes ao sul do Estado e aumento do risco de doenças por toda parte onde a água começa a secar e a lama fica, com uma profusão de bactérias, dejetos e dor. O foco, neste momento, está na saúde e na ajuda emergencial para famílias, municípios, Estado e produtores, sem descuidar da reconstrução.

Em Pelotas e Rio Grande, cidades banhadas pela Lagoa dos Patos, atenção total para a piora da situação, com mais água escoando para o oceano e os níveis da lagoa subindo, ameaçando com inundações, deslizamentos e a destruição de casas, comércios, empresas. Logo, a vida de pessoas.

Celso Lafer - Vencer pela ciência: Fapesp

O Estado de S. Paulo

Redução dos recursos previstos à fundação na Constituição estadual compromete seu papel estratégico para a sustentabilidade do amparo à pesquisa e dos seus tempos próprios

Os Estados Unidos no pós-Segunda Guerra conceberam um bem-sucedido sistema de ciência e inovação, levando em conta a complementaridade entre governo, indústria e universidades. Esse foi um dos componentes do seu poder no plano internacional.

O sistema norte-americano motivou os proponentes da criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Constituição paulista de 1947, que estipularam os meios para efetivar seus objetivos: uma renda especial de sua privativa administração, proveniente de uma porcentagem do total da receita ordinária estadual.

A ideia a realizar de amparo à pesquisa levou o seu tempo. Tornou-se uma realidade graças ao descortino do governador Carvalho Pinto, que teve a iniciativa da lei autorizando o Poder Executivo estadual a instituir a Fapesp, que passou a existir em 1962.

Luiz Carlos Azedo - Um novo desafio do SUS para Nísia Trindade

Correio Braziliense

O Ministério da Saúde está diante de outro desafio, que não tem a mesma escala da pandemia, mas é de inédita complexidade: o colapso do sistema de saúde gaúcho

O sanitarista e cirurgião Luiz Antônio Santini, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, lançou em Brasília, no dia 8 de maio, um pequeno grande livro: SUS, uma biografia, lutas e conquistas da sociedade brasileira (Record). Entre outras coisas, conta os bastidores da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituinte de 1987.

Desde 1977, a saúde pública no Brasil estava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Para o grande público, era um órgão totalmente desmoralizado pelas inúmeras denúncias de corrupção e absurda ineficiência na administração direta de hospitais e contratação dos serviços privados aos segurados da Previdência. Prestava péssimo serviço a 20 milhões de brasileiros, apenas, de um total de 135 milhões. Só atendia quem tinha vínculo empregatício e dependentes.