sábado, 9 de novembro de 2024

Trump, história revista – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Presidente eleito ergueu um partido nacional-populista que oferece uma interpretação para as inseguranças econômicas

No 6 de janeiro de 2021, o vice de Trump, Mike Pence, cumpriu seu dever e, contrariando o desejo golpista do presidente, certificou a vitória de Biden. Logo mais, no próximo 6/1, Kamala Harris, a vice derrotada, certificará sem rodeios a vitória de Trump. Nesse ato, ganha nova luz o 6/1 de 2017, quando Biden, então vice de Obama, certificou a primeira vitória de Trump.

Até dias atrás, descreveu-se Trump como um desvio passageiro, um breve interlúdio na história dos EUA. Hoje, é mais apropriado interpretar a presidência de Biden como hiato efêmero na era inaugurada pela surpreendente derrota de Hillary Clinton. Há quatro anos, Biden triunfou graças à epidemia de Covid-19. Mas, desde 2016, rompeu-se a tradição política inaugurada por Franklin Roosevelt e atualizada no imediato pós-Guerra Fria.

As tecnologias da informação e a globalização provocaram uma profunda cisão no mundo do trabalho. Em busca de custos de produção menores na Ásia ou no México, a indústria tradicional lançou-se à aventura da relocalização. Enquanto isso, floresceram nos EUA os clusters da economia digital, apoiados em vastos fundos de capital de risco. A economia americana bifurcou-se, intensificando o contraste entre detentores de diploma superior e os que só completaram o ensino médio. Daí surgiu um novo cenário político: o palco para a ascensão de Trump.

O advento da economia digital e a desindustrialização dissolveram a coalizão de trabalhadores sindicalizados, negros e hispânicos que sustentava o Partido Democrata. Os democratas converteram-se no partido da classe média cosmopolita das grandes cidades que enxerga a política pelas lentes da crise ambiental, dos direitos reprodutivos femininos e, no caso dos setores militantes, também da bíblia identitária escrita nas universidades.

Trump identificou, nessa mutação, a oportunidade para refundar o Partido Republicano. Seu movimento, o Maga (Make America Great Again), destruiu o antigo partido liberal-conservador que representava as corporações empresariais. No lugar dele, ergueu de fora para dentro um partido nacional-populista que oferece uma interpretação política para as inseguranças econômicas dos órfãos da economia tradicional.

A base social do Maga não vive no mundo dos bytes, mas no dos combustíveis fósseis. Almeja a restauração de uma segurança econômica básica. Não se interessa pela "política do corpo", mas pelo preço dos alimentos e das hipotecas. Rejeita a ideia de "reparações históricas" para minorias. Na ausência de um argumento democrata consistente, compra a lenda de Trump sobre a "invasão de imigrantes" que colocaria em risco os empregos e a renda do povo comum.

O partido nacional-populista não mais se circunscreve à baixa classe média branca das cidades do interior e dos campos de milho. O voto hispânico, bastião democrata no passado recente, move-se rumo ao Partido Republicano –e fenômeno semelhante, em escala menor, verifica-se na fortaleza democrata do eleitorado negro. De certa forma, o Maga é inclusivo.

Milhões de eleitores de Trump votaram, antes, em Barack Obama. Os democratas podem escolher o álibi conveniente de classificá-los como uma massa de "deploráveis": racistas, fascistas ou misóginos. É o caminho mais curto para colher derrotas eleitorais em série.

 

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ele venceu,agora é rezar pra espiritualidade maior jogar luz na cachola do presidente,rs.

Anônimo disse...

Hummm...
"Partido Nacional-Populista":
Acho que já vi esse filme antes...
Não foi nada bom, provocou um mal danado, e não gostei!
Heil, Trump!

Anônimo disse...

Você, simplista, só fez confirmar o que o Magnoli escreveu.