Folha de S. Paulo
Presidente eleito ergueu um partido
nacional-populista que oferece uma interpretação para as inseguranças
econômicas
No 6 de janeiro de 2021, o vice de Trump,
Mike Pence, cumpriu seu dever e, contrariando o desejo golpista do presidente,
certificou a vitória de Biden. Logo mais, no próximo 6/1, Kamala Harris, a vice
derrotada, certificará sem rodeios a vitória de Trump. Nesse ato, ganha nova
luz o 6/1 de 2017, quando Biden, então vice de Obama, certificou a primeira
vitória de Trump.
Até dias atrás, descreveu-se Trump como um desvio passageiro, um breve interlúdio na história dos EUA. Hoje, é mais apropriado interpretar a presidência de Biden como hiato efêmero na era inaugurada pela surpreendente derrota de Hillary Clinton. Há quatro anos, Biden triunfou graças à epidemia de Covid-19. Mas, desde 2016, rompeu-se a tradição política inaugurada por Franklin Roosevelt e atualizada no imediato pós-Guerra Fria.
As tecnologias da informação e a globalização
provocaram uma profunda cisão no mundo do trabalho. Em busca de custos de
produção menores na Ásia ou no México, a indústria tradicional lançou-se à
aventura da relocalização. Enquanto isso, floresceram nos EUA os clusters da
economia digital, apoiados em vastos fundos de capital de risco. A economia
americana bifurcou-se, intensificando o contraste entre detentores de diploma
superior e os que só completaram o ensino médio. Daí surgiu um novo cenário
político: o palco para a ascensão de Trump.
O advento da economia digital e a
desindustrialização dissolveram a coalizão de trabalhadores sindicalizados,
negros e hispânicos que sustentava o Partido Democrata. Os democratas
converteram-se no partido da classe média cosmopolita das grandes cidades que
enxerga a política pelas lentes da crise ambiental, dos direitos reprodutivos
femininos e, no caso dos setores militantes, também da bíblia identitária
escrita nas universidades.
Trump identificou, nessa mutação, a
oportunidade para refundar o Partido
Republicano. Seu movimento, o Maga (Make America Great Again),
destruiu o antigo partido liberal-conservador que representava as corporações
empresariais. No lugar dele, ergueu de fora para dentro um partido
nacional-populista que oferece uma interpretação política para as inseguranças
econômicas dos órfãos da economia tradicional.
A base social do Maga não vive no mundo dos
bytes, mas no dos combustíveis fósseis. Almeja a restauração de uma segurança
econômica básica. Não se interessa pela "política do corpo", mas pelo
preço dos alimentos e das hipotecas. Rejeita a ideia de "reparações
históricas" para minorias. Na ausência de um argumento democrata
consistente, compra a lenda de Trump sobre a "invasão de imigrantes"
que colocaria em risco os empregos e a renda do povo comum.
O partido nacional-populista não mais se
circunscreve à baixa classe média branca das cidades do interior e dos campos
de milho. O voto hispânico, bastião democrata no passado recente, move-se rumo
ao Partido Republicano –e fenômeno semelhante, em escala menor, verifica-se na
fortaleza democrata do eleitorado negro. De certa forma, o Maga é inclusivo.
Milhões de eleitores de Trump votaram, antes,
em Barack Obama. Os
democratas podem escolher o álibi conveniente de classificá-los como uma massa
de "deploráveis": racistas, fascistas ou misóginos. É o caminho mais
curto para colher derrotas eleitorais em série.
3 comentários:
Ele venceu,agora é rezar pra espiritualidade maior jogar luz na cachola do presidente,rs.
Hummm...
"Partido Nacional-Populista":
Acho que já vi esse filme antes...
Não foi nada bom, provocou um mal danado, e não gostei!
Heil, Trump!
Você, simplista, só fez confirmar o que o Magnoli escreveu.
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