quinta-feira, 20 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Legislação sobre pesquisa eleitoral é um equívoco

O Globo

Falta lastro científico e sobra oportunismo à proposta que tramita no Senado

O Projeto de Lei do novo Código Eleitoral que tramita no Senado prevê a divulgação de pesquisas de intenção de voto acompanhadas de um insólito “indicador de confiabilidade”, elaborado pela Justiça Eleitoral. Trata-se da mais nova versão da “taxa de acerto” sugerida por parlamentares às vésperas da última eleição, em 2022. Como naquela época, a proposta atual também é descabida.

Pesquisas eleitorais não são prognósticos. São retratos de um momento e devem ser analisadas levando em conta as leis estatísticas que regem levantamentos por amostragem. Dentro de condições ideais de coleta da amostra, elas garantem que o resultado reflete a realidade de certa população com determinada probabilidade, dentro de uma margem de erro. Por definição, não têm como “acertar” ou “errar” o que acontecerá no dia da eleição. Intenção de voto é uma coisa. Outra, bem diferente, é o comportamento na urna.

Merval Pereira - A quem representam?

O Globo

O que marca mesmo as decisões no Congresso são interesses pessoais dos deputados e senadores, acima das ideologias. São raros os parlamentares que mantêm sua posição apesar da pressão de grupos, os “formadores de opinião”, que se elegem por nichos de eleitores

Cada vez mais desconfio de que o Congresso não representa, necessariamente, a vontade do eleitor médio brasileiro, como alegam quando se aponta alguma barbaridade maquinada nos bastidores por Suas Excelências. A começar pelos métodos que foram incorporados nas campanhas eleitorais. Candidatos só entram em algumas regiões, no Brasil todo, se tiverem proteção de milicianos e facções criminosas. Esses votos já estão contaminados. Mulheres e minorias são manipuladas pelas direções partidárias, que controlam quem tem acesso a financiamento público. Acordos políticos na surdina comprometem votos por interesses pessoais.

Maria Hermínia Tavares - Juntos contra a barbárie

Folha de S. Paulo

Sociedade freia PL Antiaborto por Estupro e mostra que pode barrar obscurantismo da direita extremada

Em boa hora, fracassou a tentativa do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), patrocinada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de acelerar a votação do projeto de lei 1904/24, que equipara o aborto a homicídio quando completadas 22 semanas de gestação.

Autor da desumana proposta, o parlamentar bolsonarista viu no pedido de urgência uma forma de constranger o presidente Lula —"testar o governo", confessou com todas as letras— valendo-se de um tema espinhoso como poucos. Lira, por sua vez, imaginou uma oportunidade de assegurar o apoio da bancada evangélica para eleger seu sucessor no ano que vem.

Luiz Carlos Azedo - "Brasileiro, profissão esperança" continua em cartaz

Correio Braziliense

"A posição ambígua do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao equilíbrio fiscal ajuda a tecer o arco de oposição ao governo, que inclui parcela expressiva da classe média e a maioria do empresariado"

O musical Brasileiro, profissão: esperança foi uma lufada de ar fresco no ambiente carregado dos anos de chumbo do regime militar. Desde então, o espetáculo criado por Paulo Pontes, talentoso e jovem dramaturgo, foi encenado várias vezes, em versões com Maria Bethânia e Ítalo Rossi (1971), Clara Nunes e Paulo Gracindo (1973) e Bibi Ferreira, viúva de Paulo Pontes, e Gracindo Jr. (1998). A mais recente foi a de Claudia Netto e Claudio Botelho, no Teatro Clara Nunes, em 2021, que comemorou os 50 anos do espetáculo.

O texto de Paulo Pontes e as canções de Dolores Duran e Antônio Maria resgataram um Brasil que parecia definitivamente perdido nos anos 1970, incerto e inseguro, mas cheio de esperança ao mesmo tempo. O espetáculo revelou um aspecto, digamos, antropológico da vida do brasileiro, cuja recidiva ocorre com frequência: acreditar que a vida pode melhorar, em qualquer contexto.

Bruno Boghossian - Moraes viu o chifre de um cavalo

Folha de S. Paulo

Ministro desvirtuou doutrina sobre remoção de conteúdo e recuou para evitar novo tiro no pé

Alexandre de Moraes atirou no chifre da cabeça de um cavalo. Ao derrubar reportagens sobre acusações de agressão feitas pela ex-mulher de Arthur Lira, o ministro do STF afirmou que era preciso interromper a propagação de "discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática".

O material censurado incluía vídeos e textos em que Jullyene Lins dizia ter sido agredida e ameaçada. Descontada a irritação que as declarações devem causar ao presidente da Câmara, é preciso ter fé em unicórnios para afirmar que ali há discurso de ódio, subversão da ordem e quebra da normalidade democrática.

Malu Gaspar - A tomada da Petrobras

O Globo

A cerimônia de posse de Magda Chambriard na presidência da Petrobras, ontem, foi um show de simbolismo. Do local escolhido, o suntuoso centro de pesquisas da empresa, à presença de sete ministros na plateia e aos discursos ufanistas, tudo foi programado para passar a mensagem de que o governo finalmente tomou conta da petroleira.

Pelos discursos de Lula e Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, parecia até que não existiu a gestão Jean Paul Prates, o CEO que saiu humilhado depois de um ano e meio no cargo e de uma disputa de poder feroz com Silveira e seu colega da Casa CivilRui Costa.

Não chega a ser surpreendente. Lula e os ministros viviam se queixando de que Prates não fazia o que queriam. Só não dá para garantir que temos motivos para celebrar.

Geraldo Alckmin - O Brasil de volta ao mundo

O Globo

Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível confere densidade ao relacionamento com o nosso maior parceiro comercial

Desde o começo de seu mandato, o presidente Lula vem se dedicando ao exercício da diplomacia presidencial. A exemplo de seus governos anteriores, sua postura ativa e altiva na condução de nossa política externa tem se traduzido em ganhos concretos para o Brasil, tanto na reconstrução de suas credenciais, no estabelecimento de parcerias, como na captação de recursos financeiros. Em apoio à atuação presidencial, a Vice-Presidência da República tem também buscado contribuir para esse esforço.

Nos dias 4, 5, 6 e 7 de junho, realizamos uma importante missão a Pequim, por ocasião da VII Reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível (Cosban). Estabelecida em 2004, no primeiro mandato do presidente Lula, a comissão é copresidida pelos vice-presidentes de Brasil e China, sendo nosso mecanismo de diálogo e cooperação mais abrangente. Dividida em 11 subcomissões, que cobrem grande número de temas, como agricultura, comércio e tecnologia, a Cosban confere densidade, eficiência e continuidade ao relacionamento do Brasil com nosso maior parceiro comercial.

Maria Cristina Fernandes - Copom sela capitulação ao ajuste rumo a 2026

Valor Econômico

Decisão demonstra, no limite, um BC que discorda de Lula sobre as perspectivas da inflação

Tratada no PT como uma traição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a decisão unânime pela manutenção da taxa de juro mantém Gabriel Galípolo na linha sucessória para a presidência do Banco Central. Se discordasse, poderia perder a credibilidade para assumir o cargo. Votando a favor, só perderá pontos para ser indicado se Lula quiser dar razão a quem o acusa de querer interferir no BC.

Tratada no mercado como uma derrota do presidente, que fez duras críticas à política monetária e tem quatro indicados na atual diretoria, a decisão do Copom demonstra, no limite, um BC que discorda de Lula sobre as perspectivas da inflação. A unanimidade, por afastar o risco de interferência, pode acabar, paradoxalmente, afetando positivamente as expectativas se for acompanhada de um pacote exequível de novas receitas e corte de despesas.

Míriam Leitão - A unanimidade no Copom diminui a crise

O Globo          

A decisão ajuda a distensionar. Mas o país precisa parar de criar problemas para si. Bastam os desafios que temos

Foi mais importante ter sido unânime a decisão de ontem do Copom do que os juros terem ficado em 10,5%. A unanimidade afastou temores de uma diretoria dividida e de que a próxima administração do Banco Central será leniente com a inflação. Quem acompanha o dia a dia da política monetária sabe que ninguém seria irresponsável com a questão inflacionária, mas em economia a percepção afeta os indicadores, mesmo que seja errada a visão dos agentes econômicos.

No seu comunicado o Banco Central repete o alerta de sempre sobre política fiscal e diz que monitora como afeta o desenvolvimento da política monetária e os ativos. Disse que o ambiente externo está incerto e acompanha o cenário doméstico em que a economia cresce, as projeções de inflação aumentam e as expectativas estão desancoradas. Não deu muito ideia do que virá pela frente, a não ser as palavras de praxe. O comunicado é encerrado com a afirmação que “eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Vinicius Torres Freire - BC faz feijão com arroz e ignora Lula

Folha de S. Paulo

Decisão unânime de manter a Selic pode ser o começo de uma contraofensiva contra o tumulto

A direção do Banco Central tomou a tal decisão unânime de manter a Selic em 10,5%. Se baixasse a taxa básica de juros ou votasse dividida, teria puxado o pino de uma granada amarrada na testa, que explodiria nesta quinta-feira e por semanas a seguir.

As supostas alas "campista" e "lulista" querem acalmar o tumulto. Se assim não for, o próximo presidente do BC, a ser nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vai assumir o cargo com uma situação ingovernável.

Fazendo o arroz com feijão ora inevitável, BC e governo podem organizar uma contraofensiva. Se o supremo senhor do dinheiro, o BC dos EUA, também ajudar, talvez até dê para talhar a Selic neste ano.

No momento, o mais importante é induzir uma baixa de taxas de juros mais longas no mercado e tirar o dólar do patamar de combustível para a inflação.

William Waack - Os juros sou eu

O Estado de S. Paulo

Sem controlar o imbróglio político, Lula perde autoridade

No discurso na posse da nova presidente da Petrobras e na entrevista que deu para emparedar o Banco Central o presidente Lula se apresentou como uma espécie de Luís XIV (aquele rei francês de “o Estado sou eu”) da economia brasileira. Depois da decisão unânime do BC em manter inalterada a taxa Selic, Lula ficou sendo “os juros sou eu”.

O monarca francês de fato mandava, mas Lula ainda não encontrou a rota para superar dois conhecidos problemas que o tornam impotente. Um deles é a alteração da relação de forças entre Legislativo e Executivo. O outro é o peso da questão das contas públicas.

Alvaro Gribel - Banco Central unido supera a pressão

O Estado de S. Paulo

Dúvida é se Lula será capaz de compreender que o resultado da reunião não é ruim

A decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 10,5% ao ano na noite de ontem é menos importante do que o sinal dado pelos nove diretores que compõem o Comitê de Política Monetária (Copom). A votação unânime mostrou que o colegiado conseguiu superar o racha da última reunião, em maio, e, mais do que isso: suportar a forte pressão política que vinha do Palácio do Planalto pela continuidade da queda dos juros.

Especialmente o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, demonstrou independência em relação ao governo e sugeriu que uma possível indicação à presidência do BC no final do ano não significará subordinação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em outras palavras, Galípolo ganhou credibilidade, e isso levará a juros mais baixos para o País, a partir do ano que vem, caso sua indicação se confirme.

Celso Ming - Pressões de Lula não dobram o Copom

O Estado de S. Paulo

Esta foi a primeira vez que o resultado da reunião do Copom foi recebido em confronto direto com o feroz ataque do presidente da República ao presidente do Banco Central (BC) e aos “juros altos demais”.

Tão importante quanto a decisão desta quarta-feira, de manter os juros básicos (Selic) nos 10,5% ao ano, foi a unanimidade da decisão, o que inclui os quatro diretores conduzidos ao BC pelo presidente Lula, que lá estariam supostamente para quebrar a ortodoxia com que vem sendo executada a política de juros.

Felipe Salto - Carta de Lula para Lula

O Estado de S. Paulo

A História precisa ser lembrada para que se evitem erros conhecidos e para que experiências exitosas subsidiem o bom enfrentamento de problemas repetidos

“Nosso governo vai preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade do governo de cumprir seus compromissos.”

Extraído do programa de governo do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido do ministro da Fazenda, Pedro Malan, durante as eleições presidenciais de 2002, esse texto cairia muito bem ao Lula de 2024.

Em seu livro Eles Não São Loucos: Bastidores da Transição Presidencial FHC-Lula, editado em 2022 pela Portfolio-Penguin, o jornalista João Borges conta que, em 2002, Malan determinou a assessores que selecionassem manifestações de todos os candidatos para submeter ao FMI e ao Tesouro americano.

A desconfiança ameaçava macular o período final da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. O dólar chegou a valer R$ 4, o pico de uma escalada preocupante (para o período), com efeitos sobre a inflação interna. Era impositivo buscar uma transição tranquila e acalmar os ânimos dos financiadores externos. Afinal, a dívida pública externa era grande.

Roberto Macedo - O plano do governador Tarcísio

O Estado de S. Paulo

Do ‘São Paulo na Direção Certa’ pode ser entendido que, nas circunstâncias atuais, na direção errada estaria o governo federal

Conforme este jornal noticiou no dia 23 do mês passado, o governador paulista, Tarcísio de Freitas, anunciou que adotará neste ano um plano intitulado “São Paulo na Direção Certa”. Segundo a reportagem, plano esse com “uma série de medidas com o objetivo de cortar despesas na máquina pública, melhorar o ambiente de negócios em São Paulo e aumentar os investimentos. Uma das ações com maior potencial é a revisão de benefícios fiscais concedidos a empresas, que, segundo o governador, pode aumentar a arrecadação em R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões por ano”.

Ruy Castro - Lugares de sonho ou de pesadelo

Folha de S. Paulo

O perigo é quando, ao acordar do pesadelo, descobrimos que não estávamos dormindo

Quem não sonhou, um dia, com um lugar perfeito? Como a ilha dos Prazeres, perto da Toscânia, em que as crianças não precisam estudar nem lavar atrás das orelhas. Foi aonde levaram Pinóquio. Ou a ilha do Tesouro, na costa do México, onde, em 1754, o corsário inglês Flint enterrou uma arca com 700 mil libras. Ou a Terra do Nunca, onde os garotos, como Peter Pan, não crescem e não se tornam adultos. Pena que esses lugares só existam na fantasia de seus criadores, respectivamente Carlo Collodi, Robert Louis Stevenson e James M. Barrie. Aqui, no nosso quintal, os equivalentes seriam a Pasárgada de Manuel Bandeira, a Maracangalha de Dorival Caymmi ou a Platiplanto de José J. Veiga.

Cora Rónai - O debate abortado

O Globo

O Congresso é apenas espelho da sociedade. Somos um país retrógrado, perverso, hipócrita e misógino. O Brasil é um desgosto que não passa

Em 2009, o arcebispo de Olinda e Recife excomungou os médicos que fizeram o aborto de uma menina de 9 anos (9!) que havia sido estuprada pelo padrasto. O arcebispo não só não excomungou o padrasto, como ainda fez questão de dizer que o aborto era um crime pior do que o estupro. Houve uma enxurrada de artigos horrorizados na imprensa, e eu, otimista que era, achei que alguma coisa poderia mudar no país.

“Minha esperança é que esse tiro funesto saia pela culatra”, escrevi. “A discussão sobre o aborto, que a Igreja insiste em abafar sempre que vem à tona, voltou reforçada. Já não era sem tempo. A criminalização do aborto é uma das maiores violências institucionais contra as mulheres, especialmente as menos favorecidas, que por vezes se veem vítimas de procedimentos tão primitivos quanto a mente do arcebispo de Olinda e Recife.”

Poesia | O Pai, de Pablo Neruda

 

Música | Chico Buarque - Bancarrota Blues