sábado, 15 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ação da PF expõe vulnerabilidade do fundo eleitoral

O Globo

Esquema desbaratado no PROS mostra que exagero na verba para campanhas é incentivo a desvios

A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) para investigar desvios nos fundos eleitoral e partidário nas eleições de 2022 tem efeito pedagógico ao escancarar a incúria cometida com dinheiro público diante do controle tíbio. Agentes cumpriram sete mandados de prisão preventiva e 45 de busca e apreensão em quatro unidades da Federação — São Paulo, Paraná, Goiás e Distrito Federal. O principal alvo foi Eurípedes Gomes Júnior, ex-presidente do PROS, partido incorporado no ano passado ao Solidariedade. Entre os presos, estão um candidato a deputado federal pelo PROS e uma tesoureira do Solidariedade. Eurípedes Júnior estava foragido.

Em Goiânia, os policiais apreenderam um helicóptero avaliado em R$ 2,4 milhões, comprado, segundo as investigações, com recursos dos fundos e destinado ao uso particular de Eurípedes Júnior. Também em Goiás foram apreendidos R$ 26 mil em espécie. A operação tenta bloquear na Justiça R$ 36 milhões e 33 imóveis atribuídos aos acusados. As investigações mostram que o grupo se esbaldou com dinheiro destinado às campanhas. Suspeita-se que Eurípedes Júnior, familiares e amigos tenham usado recursos dos fundos para custear viagens a Dubai, Punta Cana, Miami e Orlando. Para despistar, o grupo usava candidaturas laranjas e superfaturava serviços junto a consultorias. Empresas de fachada eram usadas para lavar o dinheiro. A PF disse ter identificado, por meio de relatórios de inteligência financeira e prestação de contas, indícios de uma organização criminosa criada com o intuito de se apropriar dos valores dos fundos.

Hélio Schwartsman - O que querem os cristãos?

Folha de S. Paulo

Proposta de equiparar pena para o aborto tardio à do homicídio criaria situações absurdas

O sistema político brasileiro estimula parlamentares a posarem para suas bases eleitorais sem se preocupar com a viabilidade ou as consequências das medidas que propõem. Apresentar um projeto de lei contra o aborto é garantia de aplauso no culto de domingo, mas será que nossos valorosos legisladores não deveriam examinar os resultados potenciais de suas ideias?

Qualquer um, cristão ou não cristão, é livre para ver o aborto como uma grave violação moral. Não pretendo demover ninguém dessa posição. Mas será que o remédio para esse dilema é, como determina a atual legislação, colocar na cadeia as mulheres que tentam interromper suas gravidezes? Estamos falando de dezenas ou centenas de milhares de candidatas a presidiárias por ano, muitas das quais com filhos que precisariam ser encaminhados para abrigos enquanto elas cumprem pena. Fazer isso tornaria o país melhor?

Dora Kramer - Limites da omissão

Folha de S. Paulo

Governo deixa de agir nos costumes e não evita derrotas nos temas da economia

O governo decidiu não se envolver nas chamadas pautas de costumes e concentrar esforços na agenda econômica, a fim de evitar derrotas em série para um Congresso de perfil conservador. Pois eis que vem perdendo embates (factuais e retóricos) na economia e não ganha nada ao se omitir em questões como abortodrogas e combate ao crime.

Por outra, perde a oportunidade de construir marca e levar adiante um projeto de políticas públicas relativas à segurança e à saúde. Sem contar que se arrisca a figurar como conivente nos recentes retrocessos encaminhados por deputados e senadores.

Abdicar da vontade de acertar não livra ninguém da possibilidade de errar. Como, de resto, tem acontecido.

Alvaro Costa e Silva - O bedel da bancada da selfie

Folha de S. Paulo

Lira topa tudo, menos a regulação das redes

Arthur Lira privilegia os evangélicos (o projeto de lei que compara aborto a homicídio e obriga mulheres a ter o filho do estuprador), o grupo de legendas que lidera (na tramitação de 28 propostas que afrouxam a legislação ambiental), os interesses corporativistas do Congresso (o fim da delação premiada de réus presos). Sobretudo trabalha para si próprio, de olho na eleição do próximo presidente da Câmara. Tocando com celeridade pautas imorais e inconstitucionais, Lira se tornou uma espécie de bedel todo-poderoso: está agora encarregado de punir os deputados briguentos.

Demétrio Magnoli - Tragédia sem fim

Folha de S. Paulo

Se Lula 3 não romper tabu econômico presidencial, será sucedido por bolsonarismo 2.0

"É melhor um fim trágico que uma tragédia sem fim", decretou Jaques Wagner diante da devolução da MP do PIS/Cofins pelo presidente do Senado. Ao que parece, Lula aplaudiu o gesto de Rodrigo Pacheco, ralhando com seu círculo mais próximo por um erro político crasso cometido com seu aval. O evento rocambolesco assinala o encerramento da primeira etapa de Lula 3. Começa, agora, Lula 3.2.

Não foi um equívoco circunstancial, mas o fruto de uma estratégia geral. Lula vive no passado: o mundo do dinheiro farto de seus mandatos anteriores. Ancorado nas suas memórias e hipnotizado pela crença arrogante de que sua genialidade pariu aquele mundo, o candidato Lula pregou a restauração da política econômica exercitada numa era de ilusões. A dura prova da realidade tardou meros 18 meses.

Eduardo Affonso - Oito meses da barbárie

O Globo

A guerra não é entre judeus e palestinos, mas de palestinos e judeus contra o terrorismo

Sexta-feira, 6 de outubro de 2023. Amigos se encontram para o lançamento de “Trilhas sonoras — Tem vida que dava uma crônica”, do músico e dublê de cronista Oren Perlin. A dele rende muitas: sobre a árdua rotina num kibutz, o noturno salto de paraquedas no Sinai (contando os segundos como quem conta “os compassos que antecedem um acorde”), a pausa na batalha para acompanhar (numa TV em preto e branco, emprestada) a vitória do Brasil sobre a Polônia na Copa de 1978, o estudo de música na Califórnia, corridas matinais pela enseada de Botafogo.

Pablo Ortellado - Delação premiada sem coação

O Globo

Precisamos escapar do partidarismo imediatista e discutir as propostas pelo mérito

Câmara dos Deputados aprovou um pedido de urgência para o Projeto de Lei que impede presos de fazer acordos de delação premiada. O projeto, proposto em 2016 pelo deputado do PT Wadih Damous, visava a impedir abusos nas colaborações premiadas da Operação Lava-Jato e foi desengavetado por Arthur Lira como aceno aos bolsonaristas que veem abusos nas delações das investigações do 8 de Janeiro e dos atos antidemocráticos.

Na justificativa para a proposição, Damous argumenta que a medida preserva a voluntariedade da delação premiada, evitando que a prisão cautelar seja usada como instrumento de pressão psicológica sobre o acusado. A medida também evitaria prisões processuais sem fundamentação idônea, decretadas apenas para pressionar o preso a aceitar um acordo de delação.

Carlos Alberto Sardenberg - Lula quer os R$ 29 bi

O Globo

É tipo ameaça: se não aparecer esse dinheiro novo, cai a desoneração da folha de pagamento

Então ficamos assim: os empresários e o Congresso que se virem para arrumar R$ 29 bilhões de receita extra para o governo federal. Esse foi o recado do presidente Lula, dado na última quinta-feira. É tipo ameaça: se não aparecer esse dinheiro novo, cai a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia.

O presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, acolheu. Disse que procurará a receita extra.

Incertezas na praça. Os empresários daqueles 17 setores — que não recolhem 20% da folha de salários para a Previdência — não sabem até quando contarão com o benefício, que reduz o custo de contratação de mão de obra.

Carlos Góes - A ‘taxa das blusinhas’ no país da desigualdade

O Globo

Esta semana, o Congresso aprovou mais uma política de incentivo ao setor automobilístico, batizada de “Projeto Mover”. Mas esta coluna não é sobre isso. Embutido no projeto havia um “jabuti”: a instauração daquela que ficou conhecida como a “taxa das blusinhas”.

Se o leitor não sabe, trata-se de um novo imposto de importação.

Na legislação brasileira, estava prevista a isenção de Imposto de Importação para pessoas físicas sobre encomendas de até US$ 50. Agora, os impostos federais e estaduais que incidem sobre esse tipo de importação passam a ser de cerca de 46%. Para encomendas acima de US$ 50, a incidência total é de 92%.

Bolívar Lamounier - Um gigante que poucos veem

O Estado de S. Paulo

Exportando 40 tipos de minérios e possuindo uma agricultura diversificada, não conhecer a África do Sul é uma clara indicação de nossa obtusidade

No dia 29 do mês passado, a África do Sul realizou suas eleições gerais. Tive o privilégio de visitar o país cinco vezes, a primeira na tormentosa década de 1990. Logo tomei um táxi e perguntei ao motorista: “Como o senhor está vendo o quadro político?”. Ele me respondeu na lata: “É fazer a eleição ou encarar a guerra civil, que implicará a destruição da melhor infraestrutura deste continente”.

Ao contrário das favelas brasileiras, situadas em morros, o Soweto é plano. É uma infinidade de pequenos casebres quadrados ou retangulares, todos cobertos com folha de zinco. Caminhei uns 300 metros e puxei conversa com uma família que vendia frutas numa caminhonete. Comi um abacaxi, tirei fotos com eles, almocei num modestíssimo botequim e segui em frente.

Carlos Andreazza - Dilma 1 para Dilma 3

O Estado de S. Paulo

Mundo real se impõe para o governo Lula em 2024 após acabarem os R$ 150 bilhões oferecidos pela PEC da Transição

No Brasil, todo mundo quer equilíbrio fiscal e justiça tributária; desde que cortado seja o benefício do outro. A conta não fecha.

Assim como jamais fecharia a conta do arcabouço fiscal de Haddad. Não sem uma PEC da Transição permanente. O mundo real se impôs em 2024, zerados os R$ 150 bilhões que lhe permitiram enganar como rigoroso comprometido até com superávit.

O plano era (é ainda) torcer por bonança externa, pedalar (fabricando dinheiros) por voo de galinha até 26, então cuspir uma PEC Kamikaze para financiar a tentativa de reeleição – e empurrar a pancada para 27.

O chão encurtou. (Nem Juscelino Filho pavimentaria.) As despesas – a constante do natimorto fiscal – crescem e crescem, os recursos para aumento de arrecadação vão saturados e as possibilidades de revisão de gastos tributários, escassas. O lobby é tão forte que fez Pacheco valente. O vencedor de 23, Haddad, de repente aflito, anunciando “revisão ampla e geral” de despesas. Não estava no plano.

Marcus Pestana - Oportunidades e ameaças no front econômico

Crescimento acima das expectativas, baixo desemprego, inflação em queda, aumento da massa salarial e do poder de compra das famílias, mais trabalhadores com carteira assinada, saldo comercial recorde. Não é um cenário ruim a foto do momento. Mas a vida é cinema, com passado e futuro, princípio, meio e fim.

Poesia | Quero, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Nilze Carvalho | Amor Segredo