segunda-feira, 8 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Adiamento do PNE expõe dificuldade do Brasil na educação

O Globo

Incapacidade de traçar metas para o futuro é tão grave quanto não ter cumprido as traçadas no passado

A Câmara aprovou na semana passada a prorrogação do atual Plano Nacional de Educação (PNE) até 31 de dezembro de 2025 (ele expirou em 26 de junho). A decisão, tomada em comum acordo com o governo, é menos deletéria que a proposta original de estendê-lo até 2028. Mas não se pode dizer que seja positiva. As diretrizes traçadas dez anos atrás, quando a realidade educacional no Brasil era outra, ainda valerão por um ano e meio. A dificuldade de traçar novas metas é sintoma da dificuldade do Executivo e do Legislativo para cuidar da agenda de um setor prioritário.

A execução do plano atual, que atravessou quatro governos — Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva — se revelou um fracasso. Nenhuma das 20 metas estabelecidas em 2014 foi alcançada. Um balanço feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostrou que, de 38 indicadores, não mais que quatro foram atingidos. O Ministério da Educação sustenta que, na média geral, a execução de cada um dos objetivos foi de 77%. Mas isso não atenua o fiasco. Seria razoável não cumprir todas as metas. Não atingir nenhuma é injustificável.

Bruno Carazza - O mapa da mina da eleição municipal

Valor Econômico

Distribuição de recursos do fundão revela as estratégias de cada partido nas eleições municipais

Recife, São Paulo, Vitória, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Contagem, Guarulhos, Fortaleza, Salvador e Feira de Santana. Na eleição de 2020, o Partido dos Trabalhadores (PT) aplicou R$ 39,4 milhões nas campanhas a prefeito dessas dez cidades - o equivalente a 20% do valor gasto pelo partido (R$ 196,6 milhões) em todas as candidaturas para prefeituras e câmaras de vereadores nos mais de cinco mil municípios brasileiros.

A taxa de aproveitamento desse investimento foi bastante baixa naquele ano. Dos dez candidatos com os maiores aportes petistas, apenas Marília Campos, de Contagem-MG, se elegeu. Marília Arraes (Recife), João Coser (Vitória), Dimas Gadelha (São Gonçalo), Elói Pietá (Guarulhos) e Zé Neto (Feira de Santana) tombaram no segundo turno; os demais (Jilmar Tatto, Benedita da Silva, Luizianne Lins e Major Denice) nem lá chegaram.

Fernando Gabeira - Os alarmantes ventos do norte

O Globo

Temo sobretudo pela intensidade das mudanças climáticas. Negacionistas podem voltar ao poder num grande país

O Sudoeste é um vento de chuva, aprendi no Rio. Se pudesse aplicar esse ensinamento à política, diria que os ventos anunciam mau tempo, furacões e tempestades no planeta. É fácil senti-los soprando nos Estados Unidos, com o fiasco de Biden no debate e a consciência crescente de que ele perdeu a capacidade cognitiva para governar o país de novo.

Isso aumenta as chances de Trump num momento em que a Suprema Corte chega a uma decisão aterradora. Decidiu que Trump tem imunidade parcial em processos a que responde. A sentença foi criticada pela juíza Sonia Sotomayor: “O presidente é, agora, um rei acima da lei”. Acusado de vários crimes, ele pode assumir a Presidência blindado pela própria Corte.

Demétrio Magnoli - Metamorfoses da direita

O Globo

Partido de Marine chegou ao limiar do poder, acabando barrado no turno final

Nos dois lados do Atlântico Norte, a direita tradicional experimenta crises profundas. A interpretação habitual coloca ênfase na ascensão de partidos da extrema direita. Mas a tendência principal é outra: a ocupação do espaço eleitoral da direita democrática e conservadora por uma “nova direita” organizada ao redor do nacionalismo.

O fenômeno manifesta-se nos Estados Unidos pela conversão do Partido Republicano num “partido de Trump”. Desde 2016, o movimento Make America Great Again (MAGA) tomou de assalto a antiga fortaleza republicana. O instrumento da conquista foi o sistema de primárias, pelo qual uma base militante minoritária tem a prerrogativa de selecionar as candidaturas às eleições gerais.

Dani Rodrik e Thomas Frickel* - Do Consenso de Washington ao de Berlim

Valor Econômico

Enfrentamos agora uma escolha entre uma reação populista protecionista, com todos os conflitos que isso implica, e um novo conjunto de políticas que atendem às preocupações das pessoas

As mudanças de paradigma no pensamento econômico dominante geralmente acompanham crises que exigem novas respostas, como ocorreu depois da estagflação - baixo crescimento e inflação elevada - ter atingido as economias avançadas na década de 1970. E pode estar acontecendo novamente, à medida que as democracias liberais confrontam uma onda de desconfiança popular na sua capacidade de servir aos seus cidadãos e enfrentar as múltiplas crises - que vão das alterações climáticas às insuportáveis desigualdades e aos grandes conflitos globais - que ameaçam o nosso futuro.

As consequências podem agora ser vistas nos Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump tem boas chances de vencer as eleições presidenciais de novembro. Da mesma forma, um governo de extrema direita poderia assumir o poder na França após as antecipadas próximas eleições. Para evitar políticas populistas perigosas que exploram a raiva dos eleitores e para evitar grandes danos à humanidade e ao planeta, temos de abordar urgentemente as profundas causas do ressentimento das pessoas.

Assis Moreira - A situação na França e a instabilidade global

Valor Econômico

A extrema-direita não chega ao poder agora, mas amplia sua presença na paisagem política francesa

A esquerda e os centristas conseguiram bloquear o acesso da extrema-direita ao poder na França na eleição de domingo, numa enorme reviravolta em uma semana de campanha. A questão agora é se vão conseguir realmente agir para evitar que essa mesma extrema-direita de Marina Le Pen consiga ganhar a eleição presidencial de 2027.

O Reunião Nacional, o partido da extrema-direita, não chega ao poder agora, mas aumentou bastante seu número de deputados na Assembleia Nacional e assume de vez um espaço inescapável na cena política francesa.

O partido não conseguiu a vitória desenhada no primeiro turno, em razão da mobilização da enorme frente republicana, mas está mais potente e reconfigurado, na linha da extrema-direita implantada na Itália, na Hungria, nos país escandinavos. Sem falar do avanço dos neo nazistas na Alemanha.

A Nova Frente Popular, uma coalizão que vai da extrema-esquerda à social-democracia, ganhou graças também a votos de eleitores de direita com valores republicanos - ou seja, a esquerda obteve votos, e muitos, de quem não queria a extrema-direita.

Humberto Saccomandi - Esquerda e centro vencem na França, mas conseguirão governar juntos?

Valor Econômico

Coligação da Nova Frente Popular (NFP) já é heterogênea, e deverá governar com o bloco centrista Juntos, liderado pelo presidente Emmanuel Macron

A aposta do presidente Emmanuel Macron, de antecipar eleições para conter o avanço da extrema direita na França, deu certo afinal. Mas resultou num Parlamento sem maioria e extremamente fragmentado. E levará, possivelmente, a um novo governo fraco, que terá dificuldade de adotar políticas coerentes e de enfrentar desafios impopulares, como reduzir o déficit público, que é uma prioridade na economia.

A coligação Nova Frente Popular (NFP), que terá a maior bancada na Assembleia Nacional, é composta por cinco partidos, que vão do centro-esquerda (socialistas e verdes) até a extrema-esquerda (comunistas, França Insubmissa e anticapitalistas). Essa coligação, em si já heterogênea, deverá governar com o bloco centrista Juntos, liderado por Macron, e que também é formado por cinco partidos, que vão do centro-direita ao centro-esquerda.

Vagner Gomes de Souza - Croissant com Pão de Queijo

Blog Voto Positivo

Escrever no “calor da hora” em que se faz a contagem dos números de assentos das eleições legislativas francesas é uma lição para aqueles que gostam de exercer a análise de conjuntura. Em 72 horas, o Labour Party (após mais de uma década no isolamento do “culto a identidade” de uma nostalgia com temperos pós-modernos) renasceu como se fosse fênix numa vitória eleitoral com um programa “saquarema” (centralizador nas decisões políticas) para enfrentar o desafio de uma Inglaterra pós-Brexit.

Tamanho resultado deve ter movido às decisões de uma juventude globalizada e liberal a ir as urnas na França. A costura da “grande política” se fez pela via da renúncia de nomes em favor de quem estivesse em condições de vencer a candidatura da extrema-direita. Havia uma aposta das forças do populismo reacionário de que a abstenção seria sua vantagem diante da expectativa de um eleitor de esquerda que não votaria numa candidatura pró-Macron. Todavia, os avanços da desconfiança na legitimidade democrática não foram suficientes diante do desafio de evitar um “mal maior”. Assim, os sucessores da Frente Nacional em aliança com os herdeiros de uma “centro direita” prisioneira do extremismo acabaram em terceiro lugar no número de assentos.

Sérgio Abranches - Não é a extrema-direita que ganha, os que estão aí é que perdem

Correio Braziliense / O Estado de Minas

É o fracasso dos velhos modelos de política e das velhas soluções de políticas públicas, em descompasso crescente com as necessidades do povo

O segundo turno na França, neste domingo, foi a maior surpresa de todas, disse o colunista político Alan Duhamel. O líder da extrema-direita, Jordan Bardella, viu a vitória escorrer pelos dedos como pérolas de mercúrio após ter ganhado o primeiro turno. Reagiu raivosamente, “venceu a aliança da desonra”. Mas a única desonra foi para seu grupo. A coalizão da esquerda decidiu se unir à centro-direita de Macron, numa aliança republicana raríssima para derrotar a extrema-direita, renunciando às candidaturas menos competitivas, e foi a mais votada. Macron tem uma chance de ouro, oferecer o cargo de primeiro-ministro à Nova Frente Popular para uma coabitação republicana, na qual ele cuidaria da política europeia e global e a esquerda trataria de encontrar soluções domésticas para os problemas do povo. Seria um desafio para ambos, assegurar a estabilidade da coabitação e encontrar uma fórmula de consenso para a migração.

Carlos Pereira - Por que Lula recuou?

O Estado de S. Paulo

O presidencialismo multipartidário reduz liberdade para que um presidente se comporte de forma populista

As forças do mercado levaram rapidamente o presidente Lula a recuar da sua sanha populista de confronto com o Banco Central. Mas o que a maioria das pessoas não percebe é que o próprio sistema presidencialista multipartidário brasileiro cria enormes constrangimentos que reduzem os graus de liberdade de qualquer governante de desviar de uma crença que se torna dominante.

É economicamente e politicamente proibitivo desviar do equilíbrio macroeconômico que emergiu do Plano Real. Atores políticos, agentes econômicos e cidadãos desenvolveram fortes preferências pela estabilidade macroeconômica. Os anos intermináveis de hiperinflação e os seguidos planos que frustraram as expectativas de domá-la de forma sustentável geraram uma verdadeira aversão na sociedade ao descontrole dos preços.

Marcus André Melo - Lideranças e partidos

Folha de S. Paulo

Bolsonaro ascendeu rejeitando a velha política, mas se submeteu a ela quando sua agenda malograva

Jordan Bardella condicionou sua entronização como primeiro-ministro à obtenção de uma maioria absoluta por seu partido no Parlamento francês. Ao que Marine Le Pen abrandou afirmando que apenas formaria uma coalizão se pudesse "governar". Lideranças radicais rejeitam coalizões e tem arroubos majoritários. Apresentam-se como líderes majoritários, mesmo quando não o são. E formar coalizões significa barganhar, que é a essência da atividade parlamentar.

A França utiliza distritos uninominais e o número efetivo de partidos políticos é maior (3.7) que no Reino Unido (2.3) ou EUA (2.0) devido à existência de segundo turno. Trata-se de um multipartidarismo mínimo onde ainda há incentivos para uma competição pela mediana de preferências do eleitorado. Isto cria fortes incentivos para Le Pen desradicalizar seu programa. O que vem fazendo. Idem Giorgia Meloni. Tais incentivos são universais: veja-se a trajetória de Keir Starmer, que levou seu rival à esquerda, Jeremy Corbyn, a ser expulso do partido trabalhista.

Poesia - Soneto do amor total, de Vinicius de Moraes

Música | Clara Nunes - Juízo final (Nelson Cavaquinho)