domingo, 12 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Corrente de solidariedade orgulha o Brasil

O Globo

Apesar de saques e desinformação, prevalece o espírito de ajuda aos gaúchos num momento de dor

Em meio à catástrofe provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, é um alento testemunhar a corrente de solidariedade que tomou conta do Brasil, com apoio até no exterior. É um movimento comparável apenas ao que se formou durante a pandemia de Covid-19. O país polarizado felizmente não titubeou em se unir para acolher os gaúchos num dos momentos mais difíceis de sua história.

Não poderia ser diferente diante da situação. Inundações e deslizamentos já deixaram pelo menos 136 mortos e 125 desaparecidos. Cerca de 90% dos municípios gaúchos foram atingidos. Serviços básicos, como luz, água e comunicações, estão comprometidos. Mais de 500 mil moradores tiveram de deixar suas casas. Nos supermercados, é difícil encontrar água e comida.

Falta quase tudo aos gaúchos, mas não solidariedade. Voluntários não se intimidaram com o cenário hostil e se juntaram às forças-tarefas que atuam no resgate de famílias isoladas, no acolhimento aos flagelados e na distribuição de doações. A professora universitária Camila Rodenbusch foi para a linha de frente com seus alunos. “Resgatamos crianças sem pais, muitos idosos doentes, é uma situação muito triste”, disse ela ao Jornal Nacional. Deram ao Brasil uma aula prática de compaixão. São apenas um dos inúmeros elos da corrente do bem formada no Brasil.

Merval Pereira - O futuro do Real

O Globo

O economista e membro da Academia Brasileira de Letras, Edmar Bacha, dá uma importância fundamental à democracia para o êxito do Plano Real, “exemplo maior da união da boa técnica com a Política com P maiúsculo”

Várias comemorações dos 30 anos do Plano Real foram produzidas nos últimos meses, e muitas outras acontecerão, pois o Real, a moeda nacional que temos à mão hoje, é a mais longeva de todas as oito que tivemos desde o Cruzeiro de 1942, considerada uma “conquista histórica” que orgulha o país. Uma conquista coletiva, que teve como base professores integrantes do curso de economia da PUC do Rio de Janeiro, entre eles o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, e o ex-presidente do IBGE e do BNDES Edmar Bacha.

O livro do selo História Real do editor Robert Feith “30 anos do Plano Real, crônicas ao sabor do momento” reúne artigos escritos pelos três economistas que ganham dimensão histórica à medida que vão analisando os momentos decisivos da implantação do Real. Trata-se de uma narrativa sobre a reconstrução da moeda nacional, depois de sete moedas destruídas pela inflação, muitos zeros cortados, desvalorizações, transferências de renda forçadas, impostos inflacionários e turbulências financeiras, conforme definição dos autores.

Sergio Fausto - Lições do Plano Real

O Estado de S. Paulo

A principal delas é que só a política é capaz de levar o País a superar seus impasses e bloqueios

O aniversário de 30 anos do Plano Real convida a refletir sobre os fatores que o levaram a ter êxito. Que lições continuam válidas até hoje?

A primeira delas é que não se pode fazer nada de bom e duradouro em matéria de políticas públicas sem conhecimento especializado. A vontade não substitui o conceito. O Plano Real se beneficiou de um longo amadurecimento da reflexão acadêmica sobre as características próprias do processo inflacionário no Brasil. O departamento de Economia da PUC-Rio foi o principal centro dessa reflexão. Ali nasceu a ideia de levar à indexação ao extremo para debelar a inflação. Passaram-se mais de 15 anos entre o primeiro lampejo – apresentado em um texto para discussão por André Lara Resende – e a concretização da ideia sob a forma engenhosa da URV.

Rolf Kuntz - Entre o petismo e a estabilidade

O Estado de S. Paulo

O governo age de forma perigosa quando despreza obviedades, tornando menos previsíveis as suas ações e as suas contas

Como num grande clássico, a equipe “ortodoxa” do Banco Central (BC) bateu por cinco votos a quatro, em sua última reunião, o time escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para derrubar os juros. Corintiano experiente, o presidente da República deve estar preparado para esperar. Empenhado em mandar na política da moeda e do crédito, ele terá mais chance de sucesso quando mudar a chefia do BC, no fim do ano. Desta vez, o corte, de apenas 0,25 ponto porcentual, ainda foi menor do que o defendido pela torcida petista e por seu herói mais importante, o chefe de governo. Até dezembro, haverá muito assunto para o discurso futebolístico, usado pelo presidente em sua chegada a Porto Alegre, no dia 3, quando já estavam confirmadas 32 mortes causadas pelas chuvas e inundações. A soma logo chegaria a 100.

Míriam Leitão - A dupla face do agronegócio

O Globo

Moderno na implantação de tecnologias, agronegócio se mantém arcaico na agenda da destruição da legislação ambiental

Imagine um mundo em que produtores rurais não tenham que se preocupar se o agrotóxico afeta a vida humana ou o meio ambiente. Um mundo no qual tudo o que não for floresta pode ser derrubado e, mesmo nas florestas, será possível avançar mais, mudando as leis. Em que campos nativos, como o pampa gaúcho, não tenham proteção. Nesse mundo, os indígenas só poderão requerer territórios nos quais estavam no dia 5 de outubro de 1988, e inclusive os isolados terão que provar onde estavam naquela data. E quem invadiu terra pública até 2014 pode ficar tranquilo porque seu crime será perdoado. Aliás, deve continuar invadindo porque haverá novas anistias.

Bernardo Mello Franco - Enxurrada de desinformação

O Globo

Notícias fraudulentas atrapalham equipes de resgate, desestimulam entrega de donativos e incitam revolta contra quem tenta salvar vidas no RS

Enquanto milhares de brasileiros morriam diariamente na pandemia, a máquina da desinformação atuava para desacreditar as vacinas e sabotar as medidas sanitárias. Seria muito otimismo esperar algo diferente na tragédia que abate o Rio Grande do Sul.

A catástrofe climática veio acompanhada de uma enxurrada de fake news. Na tragédia, as notícias fraudulentas fazem mais do que emporcalhar o debate público. Atrapalham as equipes de resgate, desestimulam a entrega de donativos, incitam a revolta contra quem tenta salvar vidas.

No domingo passado, um coach mentiu que o governo gaúcho estaria barrando caminhões de doação e impedindo a distribuição de quentinhas a desabrigados. “É ano político, a mídia não vai mostrar direito o que tá acontecendo, entendeu? Por causa dos políticos”, disse, com ar de indignação.

Dorrit Hazazim - Janela do tempo

O Globo

Na enxurrada, lá se vão muitos sonhos, esperança, planos e expectativas de um amanhã; também essas coisas exigem um planeta habitável

Cá estamos, no controle a granel de praticamente tudo o que existe sobre a Terra e, mesmo assim, perto de sermos a mais frágil das espécies com que dividimos a existência. À exceção de uma guerra nuclear aniquilante, continuamos a agredir com voracidade suicida o meio ambiente que permite o viver humano. Ao arrepio da ciência e do saber, tudo sofre agressão ininterrupta — oceanos, outras espécies, florestas, rios, pantanais, ecossistemas, biomas, ar, água. Tudo. Na enxurrada, lá se vão muitos sonhos, esperança, planos e expectativas de um amanhã — também essas coisas exigem um planeta habitável.

Uma década atrás o escritor e ambientalista britânico George Monbiot já alertava sobre a degradação do chão em que pisamos — tratamos feito lixo essa estrutura biológica que produz 99% das calorias de que precisamos. Mais recentemente, Monbiot publicou o premiado “Regenesis: feeding the world without devouring the planet”(em tradução livre, “Regênese: alimentando o mundo sem devorar o planeta”), em que destrincha vários caminhos ainda possíveis. Só que a janela do tempo vai se fechando, e preferimos não ver.

Luiz Carlos Azedo - A cosmovisão da floresta e o fim do mundo

Correio Braziliense

Uma árvore derrubada na Amazônia, como num efeito borboleta, impacta o clima dos pampas. Há consenso científico sobre isso

Num país democrático e multiétnico como nosso, coexistem diferentes formas de pensar e de viver, embora nem sempre em harmonia. Uma delas merece cada vez mais atenção, pela contribuição que pode dar ao planeta, sobretudo à ciência, nesse momento de emergência climática: a cosmologia indígena. Diante da destruição das florestas e consequente aquecimento global, da frequência e escala crescentes dos desastres naturais, os saberes indígenas ancestrais começam a ganhar corações e mentes na sociedade.

Não se trata mais de um debate sobre modelos de desenvolvimento, pura e simplesmente. Trata-se da dramática condição humana que emerge nos “desastres naturais”, como a que estamos vivendo no Rio Grande do Sul. A capacidade de adaptação às mudanças, hoje focada nas relações econômicas e na inovação tecnológica, precisa voltar ao leito da relação evolutiva dos seres humanos com a natureza, porque põe em xeque a nossa capacidade de adaptação às mudanças ambientais, sobretudo climáticas.

Eliane Cantanhêde - Agora ou nunca

O Estado de S. Paulo

As águas do Sul do País vão baixar, mas o pântano digital continua. E as eleições vêm aí!

É agora ou nunca. Ou o Brasil enfrenta a ameaça das fake news a pessoas, instituições e à própria democracia, ou a polarização e a consequente irracionalidade política vão impedir qualquer tipo de regulamentação para a terra de ninguém em que as redes sociais criam sua realidade paralela e espalham visões deturpadas do mundo.

Se, por um lado, a tragédia histórica no Rio Grande do Sul uniu as instituições e gerou uma onda apartidária de solidariedade, tornou-se também o ambiente ideal para a ação do pântano ideológico, sem lei, escrúpulos e civilidade. As águas do Estado vão baixar, mas o pântano digital não. E as eleições municipais vêm aí…

Vinicius Torres Freire - Como pagar a reconstrução do RS

Folha de S. Paulo

Números divulgados até agora não têm sentido; refazer o estado exige um plano diferente

O Rio Grande do Sul precisa de pelo menos R$ 19 bilhões para a reconstrução, diz Eduardo Leite (PSDB), governador do estado. O governo federal afirma que adotou medidas com "impacto de R$ 50,945 bilhões". Há por aí estimativas de que o estado precisaria de mais de R$ 90 bilhões —contas de guardanapo.

Esses números não têm significado algum, até porque ninguém tem ideia do tamanho das perdas ou de como deve ser a reconstrução. O "como" é muito importante.

É fácil perceber a incongruência e a falta de significado dos números. Com os R$ 50 bilhões federais se pagam os R$ 19 bilhões gaúchos? Claro que não.

Celso Rocha de Barros – Crise ambiental não é mais teórica

Folha de S. Paulo

Desastres como o do RS têm potencial para furar bolha do negacionismo

Quem mente que não há aquecimento global tem tudo para ser popular. Afinal, está dizendo para o público que ninguém precisa fazer nada, que o problema não existe. A preguiça muitas vezes faz ideias ruins que não dão trabalho parecerem boas.

Além disso, é fácil mentir que o Brasil será mais rico se for possível plantar mais perto dos rios, se for possível fazer pastos ou minas onde hoje há florestas. O sujeito que desmata tem um benefício tangível para si, mais soja, mais minério, e ainda pode apresentar isso como "riqueza para o Brasil".

Muniz Sodré - Uma diva sintética

Folha de S. Paulo

Energia libertina da cantora pop americana perdeu o impulso libertário dos anos 70 e 80

"Eu não sou bonita, sou pior". Atribui-se esta frase a uma personagem do grand-monde francês no século passado. Já Madonna, a maior estrela pop da atualidade, declara-se "uma feminista má". Entre as duas medeia a distância da sutileza estilística, mas uma proximidade de sentido que autorizaria uma releitura do tipo "não sou feminista, sou pior". Ou seja, a diva coloca-se além das atribuições de qualidade que se possam fazer de um ícone mundial. Ela se quer como pós-si-mesma, transidentitária.

Bruno Boghossian - Os dogmas de outubro

Folha de S. Paulo

Vantagem dos atuais prefeitos e influência nacional limitada fazem parte da tradição dessas votações

Os ventos da política mudam, mas algumas convenções ficam intactas. Nas eleições municipais, a tradição dá aos prefeitos uma vantagem para conquistar a reeleição ou fazer um sucessor. A cartilha diz também que padrinhos nacionais apitam pouco, e que o buraco na rua e a fila do posto de saúde são mais importantes.

As eleições de 2024 vão testar alguns dogmas da política municipal. A expectativa de contaminação do processo pela polarização nacional talvez seja o tema mais recorrente antes da votação de outubro.

Entrevista | João Campos: “Nem sempre o mais novo tem as ideias mais novas”

O mais jovem a comandar uma capital, prefeito do Recife diz que oportunistas aproveitam ondas de transformação política

Victoria Bechara  / Veja                   

João Campos foi eleito prefeito do Recife aos 27 anos, em 2020, após uma acirrada disputa contra a prima Marília Arraes — com quem já se reconciliou. Hoje, aos 30, é o prefeito mais jovem a comandar uma capital e também é o mais bem avaliado do país, com 81% de aprovação, segundo o instituto AtlasIntel. Ele ainda lidera com folga a corrida por um novo mandato na eleição deste ano, com mais de 60% nas pesquisas de intenção de voto. Não por acaso, é tido como uma das apostas da esquerda para voos mais importantes no futuro. Embora desconverse sobre a possibilidade de tentar o governo do estado, aliados já dão a candidatura como certa — por isso, a vaga de vice em sua chapa para este ano é alvo do desejo de vários partidos, inclusive do PT. À frente da capital pernambucana, destacou-se por ações na educação e pela implementação de programas sociais. Nas redes sociais, acumula milhões de seguidores. No Carnaval, viralizou ao platinar o cabelo em desafio proposto por internautas. Bisneto de Miguel Arraes e filho de Eduardo Campos, ex-governadores de Pernambuco, o prefeito é herdeiro de um dos mais longevos clãs do Nordeste. Ele afirma que a renovação política é difícil e critica a transformação pela qual passou o Congresso nas últimas eleições ao dizer que parlamentares de pouca idade não trazem obrigatoriamente mais frescor à política. “Nem sempre o mais novo tem as ideias mais novas”, diz. Em entrevista a VEJA, João Campos, um dos caciques nacionais do PSB, fala das dificuldades da esquerda diante do bolsonarismo e afirma que a sigla não abre mão da vaga de vice de Lula em 2026.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Para Sempre

 

Música | Zeca Pagodinho - Trem das Onze (Adoniran Barbosa)