Folha de S. Paulo
Trump pode destruir a economia americana;
Rússia, China e Brasil, não
A eleição de
Trump vai acabar com o que sobrou da globalização que alimentou
o crescimento econômico desde a década de 1990. China e Rússia vão continuar a
buscar alternativas ao dólar.
Mas não vão encontrar (euro e iene não lhe interessam). Desdolarização é
fantasia. Infelizmente, em vez de acordarmos desse sonho, estamos entrando na
parolagem de outros países.
Moeda dos
Brics? Acordos de swaps entre bancos centrais chineses e
brasileiros? Lula
conclamando pela desdolarização? Perda de tempo.
Em um debate na TV chinesa, meu interlocutor bradou números estratosféricos. Segundo ele, 50% do comércio chinês, na ordem de trilhões de dólares, já estaria sendo feito em renminbi (yuan), a moeda chinesa. Minha réplica: o quanto disso é fluxo, não somente contabilidade cruzada, e o quanto de derivativos e ativos financeiros globais é fechado na moeda chinesa? Dava para ver a raiva nos seus olhos enquanto ele balbuciava uma resposta sem sentido.
A maior parte do comércio internacional pode
ser contabilizada em qualquer moeda, seja dólar, seja renminbi, sejam patacas.
Normalmente, o preço é cotado em dólar, mas pagamentos são feitos em moedas
locais. O banco chinês entrega yuan para o exportador, enquanto o importador
brasileiro deposita reais em banco local. Bancos centrais fazem compensação
cruzada e pronto. Se a denominação da transação foi em dólar ou moeda
inco-venusiana, pouco importa.
A coisa muda de figura em mercados
financeiros. Nesses, agentes realmente buscam proteção ou especulam contra
movimentos de moedas e taxas de juros. Pois bem. O valor de
face dos futuros de taxa de juros estava em US$ 530 trilhões ao final de 2023,
enquanto derivativos de moedas estrangeiras chegavam a US$ 118 trilhões (mais de 80%
em dólar). Em valor de mercado, mais de US$
20 trilhões. Quanto disso é em alguma moeda que não dólar, iene ou
euro? Quase nada. As moedas chinesas e russas nem conversíveis são; não podem
ser negociadas em mercados globais, com raras exceções.
Quando um fundo de pensão norueguês quiser
ter a maioria dos seus recursos em renminbi, rublos ou reais, a gente fala no
assunto. É bom esperar sentado. Enquanto isso, comércio em moeda chinesa pode fazer bem para o ego, mas não
tem efeito prático. Afinal, será que o PBoC, banco central chinês, está disposto a vender seus US$ 800
bilhões em dívida americana para comprar papéis russos,
indianos, sul-africanos ou brasileiros? Talvez Lula pudesse dar exemplo,
mandando vender nossas reservas internacionais em dólar para comprar títulos
russos e chineses (contém ironia).
Desdolarização só acontece se a demanda por
títulos públicos americanos for para o buraco por extrema falta de confiança no
governo dos EUA. O mercado de títulos públicos já derrubou a primeira-ministra
do Reino Unido Liz Truss, que renunciou
depois que os juros explodiram como resultado da sua desastrada
proposta orçamentária. Mas o Federal Reserve já mostrou que é só jogar os juros
para cima que o dinheiro mundial vem a cavalo.
A eleição de
Trump resultou em robusta valorização do dólar, não em
enfraquecimento da moeda. Desdolarização é escolha americana, seja por
política, seja por incompetência. Trump pode destruir a economia americana.
Rússia, China e Brasil? Não.
2 comentários:
Excelente coluna !
Não sou tão pessimista assim, apesar de saber que isso levará bastante tempo...
Postar um comentário