Editoriais / Opiniões
Confusão federativa
Folha de S. Paulo
Interferência da Justiça no imbróglio do
ICMS causa incerteza ao transferir perdas para a União
Ao determinar compensação imediata de
perdas sofridas por quatro estados com o corte do ICMS cobrado sobre
combustíveis e outros itens, o Supremo Tribunal Federal abriu
mais um capítulo de incerteza nas relações federativas.
As decisões do ministro Alexandre de
Moraes, de caráter provisório, permitem que Alagoas, Maranhão, Piauí e São
Paulo suspendam o pagamento de suas dívidas com a
União pelo menos até que o plenário da corte julgue a questão.
Os estados se insurgiram contra duas leis
complementares aprovadas pelo Congresso, que mudaram normas do
ICMS e limitaram a 17% a alíquota para combustíveis, gás
natural, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo.
É certo que a medida causará redução da arrecadação dos estados, já que a maioria cobrava taxas acima de 20%. Os governadores alegam que a perda de recursos limita o provimento de serviços essenciais.
A interferência do tribunal parece
precipitada, no entanto. Para começar, a lei prevê que a compensação seja
limitada a 2022 e só ocorra se a perda de receita superar 5% em relação ao
patamar de 2021.
Não se identificou ainda uma queda na
coleta agregada de ICMS. Pelo contrário. Segundo o Ministério da
Economia, os quatro estados agora beneficiados pelo Supremo tiveram
alta no primeiro semestre, de 11% a 22%, frente ao mesmo período de 2021. A
inflação explica boa parte desse desempenho.
O saldo disponível no caixa dos estados tem
crescido aceleradamente desde o fim de 2020, o que torna implausíveis até aqui
as alegações de prejuízo à boa execução de programas dos governadores.
Todos os envolvidos têm sua parcela de
culpa. De um lado, o Congresso não se furta a criar toda sorte de obrigações
para estados e municípios, não raro em temas que seria melhor decidir
localmente. De outro, os governadores estão sempre prontos a invocar sua
autonomia quando convém, mas não perdem oportunidade de transferir suas contas
para a União.
Foi assim nos primeiros meses da pandemia,
quando o Congresso aprovou ajuda federal de R$ 60 bilhões para os estados, com
a premissa de que a economia entraria em recessão. Depois, quando as receitas
dispararam, ninguém falou em devolução do dinheiro.
No caso dos combustíveis, a pressão do
Executivo esteve por trás da ação do Congresso, mas a
compensação deveria se limitar aos termos definidos na lei aprovada, sem
necessidade de interferência judicial.
Ações mais decisivas para restabelecer o
equilíbrio na Federação dependeriam de uma reforma tributária mais ampla. O
caso dos combustíveis mostra, porém, que os fatores causadores de tumulto vão
além da questão dos impostos.
Sem tolerância
Folha de S. Paulo
STF manda prender outro bolsonarista,
enquanto Procuradoria pede fim de inquérito sobre presidente
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal,
voltou a demonstrar intransigência com os que fazem ameaças contra a ordem
democrática e tentam sabotá-la.
No domingo (31), ele decretou a prisão
preventiva, sem prazo determinado, de um bolsonarista que vinha
usando as redes sociais para intimidar políticos e membros do STF.
Detido em caráter temporário há duas
semanas, o homem passou a ser investigado por ter publicado vídeos em que
conclamava seguidores à prática de atos violentos.
Após analisar o telefone celular e o
computador do suspeito, a Polícia Federal apontou indícios de que ele estava
multiplicando o alcance de sua pregação na internet e atraindo outros
extremistas, o que bastou para Moraes endurecer as medidas tomadas para
contê-lo.
Se tais condutas talvez pudessem ser
tratadas como mera fanfarronice em outros tempos, o magistrado, que assumirá em
breve a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, deixou claro mais uma vez
que a margem de tolerância se estreitou.
Numa quadra em que o próprio presidente da
República investe sem descanso contra as
instituições, o estado de alerta no Judiciário é compreensível.
Nesta terça (2), Jair Bolsonaro (PL) voltou a atacar Moraes e outros ministros
do STF, que acusa de perseguição.
Dada a omissão da Câmara, inerte diante de
mais de uma centena de pedidos de impeachment, e da Procuradoria-Geral
da República, coube ao Supremo o papel de anteparo aos desatinos do
mandatário e de seus apoiadores radicais.
Na segunda (1), a Procuradoria mostrou
leniência ao se manifestar contra um dos inquéritos conduzidos por Moraes que
têm Bolsonaro como investigado, o que examina o vazamento da investigação de um
ataque hacker sofrido pelo TSE.
A PF concluiu que o presidente cometeu um
crime ao divulgar informações sobre o incidente. A Procuradoria não viu nada de
errado, pediu arquivamento do caso e critica Moraes por mantê-lo aberto.
A falta de sintonia revela a disposição do
procurador-geral, Augusto Aras, para atuar como linha
auxiliar da defesa do presidente e expõe os obstáculos que até
aqui impediram sua responsabilização.
Se Bolsonaro perder as próximas eleições,
os inquéritos conduzidos pelo STF deverão ser transferidos para instâncias
inferiores. Se for reeleito, ele só poderá ser processado por esses atos depois
que deixar a Presidência. Resta saber de que lado estará a Procuradoria.
Os sócios do caos são teimosos
O Estado de S. Paulo
Parlamentares bolsonaristas tentam retomar o PL que limita a autonomia dos governadores para indicar os comandantes das PMs; repercussão negativa adiou a barbaridade
A segurança dos cidadãos será fatalmente
comprometida caso seja aprovado no Congresso o Projeto de Lei (PL) 164/2019,
que estabelece um novo rito de escolha dos comandantes-gerais das Polícias
Militares (PMs) e dos Corpos de Bombeiros Militares (CBMs) dos Estados. Hoje,
os comandantes-gerais das duas corporações são escolhidos livremente pelos
governadores entre os oficiais da ativa no último posto da carreira militar
estadual (coronel). Não há mandato, e o chefe do Poder Executivo pode
destituí-los a qualquer tempo, sem ter de justificar a decisão.
À luz do interesse público, não há por que
mudar esse rito. Nas democracias, o braço armado do Estado deve estar sempre
subordinado ao poder civil, e este não pode ser limitado por artimanhas
políticas de ocasião nem, menos ainda, por picuinhas. É disso que se trata. O
PL 164/2019 é, a um só tempo, um instrumento da briga do presidente Jair
Bolsonaro com os governadores e um ardil para granjear o apoio de maus
militares à agenda bolsonarista, claramente antidemocrática e antirrepublicana.
Se há no País alguém que domina o idioma dos maus militares, é o presidente da
República.
Não é novidade para ninguém que Bolsonaro
tem total interesse em minar o poder dos governadores sobre as forças de
segurança pública sob seu comando. É explícita a tentativa do presidente de
cooptar policiais militares nos Estados para formar uma espécie de milícia
bolsonarista, que estaria pronta para se insurgir contra seus comandantes sob
as ordens diretas de Bolsonaro, no momento que melhor convier ao incumbente em
campanha pela reeleição.
O PL 164/2019 dormitava nos escaninhos da
Câmara dos Deputados havia mais de um ano. Agora, de uma hora para outra, um
grupo de parlamentares bolsonaristas decidiu ressuscitar a emboscada. Ora, não
é coincidência o fato de o País estar a dois meses das eleições gerais.
Bolsonaro tem dito aos quatro ventos que não aceitará uma eventual derrota nas
urnas. Caso isso aconteça, como projetam as pesquisas de intenção de voto, o
preço que os brasileiros haverão de pagar por não terem reconduzido o “mito”
serão dias de tensão e baderna. A ação de policiais militares insurgentes faz
parte da arquitetura do caos.
A armadilha bolsonarista só foi
temporariamente desarmada porque o Estadão revelou as manobras de
bastidor na Câmara dos Deputados para levar o projeto adiante. Decerto ele
seria aprovado em caráter terminativo na Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado da Casa não fossem a reportagem e a reação de
alguns comandantes-gerais das PMs. Diante das críticas pela escancarada
natureza oportunista do PL 164/2019, a votação foi adiada para depois das
eleições. Um projeto absurdo como esse, flagrantemente contrário ao melhor
interesse público, deve ser abandonado em caráter definitivo. Só foi cogitado
porque na Presidência da República está um inconsequente e na Presidência da
Câmara dos Deputados, um oportunista.
Se o PL 164/2019 for aprovado, aos
governadores será imposta uma lista tríplice formada a partir de votação
interna e sigilosa entre todos os oficiais da ativa das PMs e dos CBMs. Os
escolhidos teriam um mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos uma vez, a
critério dos governadores. As corporações também passariam a ser dotadas de
autonomia orçamentária.
Os defensores do projeto juram que
pretendem “impedir a ingerência política” nas corporações militares estaduais.
É uma falácia, pois o que ocorrerá é justamente a politização dos quartéis. Os
candidatos a comandante-geral, a fim de integrar a lista tríplice, passarão a
agir sob a lógica sindical, sobrepondo os interesses corporativos aos
interesses da sociedade. Quando os interesses de classe colidirem com o
interesse coletivo, pior para a sociedade. Coronéis-candidatos poderão tomar
decisões que, ao fim e ao cabo, arrisquem a segurança dos cidadãos.
Um projeto como esse não pode prosperar.
Mas, caso passe na Câmara, onde tudo é possível sob a gestão de Arthur Lira,
que o Senado, a Casa da Federação, dê um fim a essa barbaridade.
Desindustrialização, País em retrocesso
O Estado de S. Paulo
Com o encolhimento do setor industrial, que completa uma década, o Brasil, à mercê do populismo, desperdiça avanços obtidos em um século de esforços de diversificação produtiva
Completados dez anos de recuo da produção
industrial, o Brasil continua firme na desindustrialização, sem uma política
desenhada para recuperar e modernizar o setor. Só uma pessoa notavelmente
desinformada confundiria com política industrial a mera redução – além de tudo,
mal planejada e confusa – do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Política de desenvolvimento, geral ou setorial, envolve um trabalho muito mais
complexo e muito distante das práticas observadas, em Brasília, a partir de
2019. Envolve definição de metas, elaboração de diagnósticos, fixação de etapas
e uma clara identificação de recursos e de processos necessários. A indústria
instalada no País fechou o primeiro semestre produzindo 18% menos que em maio
de 2011, pico da série histórica em uso pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE).
A reação ao tombo de 2020, quando o Brasil
enfrentou a primeira fase da pandemia, logo se esgotou. A produção cresceu 3,9%
em 2021, sem compensar o recuo de 4,5% ocorrido no ano anterior. A partir daí,
a atividade prosseguiu de forma insegura. Em junho, o setor produziu 0,4% menos
do que em maio, depois de quatro meses consecutivos de expansão, e 0,5% menos
que em dezembro do ano passado. Além disso, ficou 1,5% abaixo do patamar pré-pandemia,
em fevereiro de 2020. O balanço geral do semestre foi negativo, com produção
2,2% inferior à de um ano antes. Em 12 meses o recuo acumulado foi de 2,8% em
relação ao período anterior.
Alguns poderão atribuir as dificuldades da
indústria a circunstâncias especiais, como a guerra na Ucrânia e a pandemia de
covid-19. A atividade tem sido realmente afetada, no Brasil e em vários outros
países, por desarranjos na cadeia de suprimentos. Têm faltado insumos, os
custos têm subido e as consequências são bem visíveis em vários segmentos
industriais. Além disso, negócios têm sido prejudicados, em todos os setores,
por problemas conjunturais, como a inflação interna, os juros altos e o consumo
prejudicado pelo desemprego e pela erosão da renda familiar.
Todos esses desafios são reais, mas o
enfraquecimento da indústria, no Brasil, começou muito antes da pandemia, da
invasão da Ucrânia e do recente surto inflacionário internacional. Em seis dos
dez anos entre 2012 e 2021 houve recuo da produção industrial, segundo o IBGE.
Não houve apenas diminuição do volume produzido. Houve também estagnação da
capacidade produtiva, da tecnologia e do potencial de inovação, por falta de
investimento em capital físico, isto é, em máquinas, equipamentos e
instalações. Excetuados alguns segmentos e grupos empresariais, competitivos e
em permanente avanço, o panorama geral é de enfraquecimento da indústria.
O retrocesso começou com erros de política
econômica. Protecionismo excessivo, desperdício de recursos com “campeões
nacionais”, capitalização deficiente, crédito caro, insuficiente esforço de
pesquisa, pouco empenho na qualificação de mão de obra, infraestrutura
ineficiente, insegurança jurídica e tributação disfuncional são problemas
listados, há muitos anos, em estudos de competitividade.
Governos petistas deram pouca atenção à
eficiência competitiva. Depois, passada a recessão de 2015-2016, houve um
esforço de recuperação econômica e algum empenho em modernização institucional,
mas a atividade novamente se estagnou a partir de 2019 e as noções de
planejamento, de modernização produtiva e de metas de desenvolvimento sumiram
da pauta governamental. Alguns analistas parecem ter confundido o abandono das
ideias de metas e planos com uma opção pelo liberalismo.
Com a desindustrialização do País,
abandonam-se conquistas acumuladas em um século de esforços de ampliação e de
modernização do sistema produtivo – importantes também, é preciso lembrar, para
a consolidação de um agronegócio eficiente e competitivo. Talvez se possa
retomar o caminho da modernização a partir de 2023, se o próximo governo for
capaz de pensar nos interesses mais amplos do Brasil e de ir além do
voluntarismo e do populismo.
Balança comercial no mundo em conflito
O Estado de S. Paulo
Nosso comércio exterior ainda vai bem, mesmo com mudanças bruscas no mundo, mas já começa a sentir efeitos negativos
A balança comercial continua a registrar
resultados expressivos, que vêm garantindo uma situação confortável para o País
na área externa. Não é pouco para uma economia que, embora venha demonstrando
certo vigor, ainda está fraca. As projeções para o crescimento da economia
neste ano estão sendo gradualmente revistas para cima por órgãos do governo e
instituições privadas, mas ainda assim o resultado final será modesto e deixará
um peso para o desempenho no ano que vem. Nesse ambiente, é animador o crescimento
contínuo das exportações e das importações, com a consequente expansão da
corrente de comércio (soma das vendas e compras externas), assegurando saldos
expressivos.
Em julho, as exportações registraram
crescimento de 23,0% sobre as de um ano antes. As importações cresceram em
ritmo mais acentuado, com aumento de 41,6% sobre julho de 2021. Desse modo, o
saldo comercial vem se contraindo. O de julho, de US$ 5,444 bilhões, foi 22,7%
menor do que o de um ano antes. No acumulado do ano, o saldo de US$ 39,750 bilhões
é 10,4% menor do que o dos primeiros sete meses de 2021. Por esse lado, não há
motivo para preocupação. Embora menor, o saldo ainda é confortável, e o governo
continua a projetar superávit comercial de US$ 81,5 bilhões no ano.
Alterações bruscas, e intensas em certos
casos, no cenário mundial, porém, vêm sinalizando mudanças na evolução da
balança comercial do País que, embora ainda discretas, talvez recomendem alguma
atenção. A guerra na Ucrânia vem afetando o fluxo comercial mundial desde seu início,
em fevereiro deste ano. Produtos de grande impacto no comércio mundial, e no
atendimento de necessidades de populações de muitos países, tiveram sua
comercialização suspensa ou fortemente reduzida, com impactos brutais sobre os
preços.
A reversão da recuperação da economia
mundial, que se observava desde que a pandemia passou a arrefecer, reduziu a
demanda de muitos produtos, o que, para os resultados do comércio em valores,
foi compensado em parte pela alta dos preços. A economia da China, motor da economia
mundial em outros períodos de queda da atividade produtiva, vem apresentando
seus piores resultados em muitas décadas.
A China é, há anos, o principal destino dos
produtos brasileiros, especialmente minérios e commodities agrícolas. Em julho,
as exportações do País para a China, Hong Kong e Macau caíram 0,5%, somando US$
7,98 bilhões. No resultado acumulado do ano, a queda é de 1,1%. As importações
brasileiras da China, de sua parte, aumentaram 31,0%.
As exportações brasileiras para outros
grandes mercados, como os Estados Unidos, Argentina e União Europeia, continuam
em expansão. Mas o resultado acumulado de 12 meses na comparação com o período
imediatamente anterior, embora continue aumentando, mostra perda de vigor. As
exportações, que até fevereiro cresciam a um ritmo próximo a 40%, agora crescem
pouco mais de 20%.
De onde quer que se olhe, portanto, o
Brasil começa a sofrer os efeitos das mudanças aceleradas no cenário
internacional, e seria prudente começar a se preparar para um horizonte bem mais
desafiador, que já se avizinha.
Morte de líder da al-Qaeda comprova recuo
do jihadismo
O Globo
Atingido por ataque de drone em Cabul,
Ayman al-Zawahiri geria decadência da rede terrorista
Para um presidente assombrado pelos piores
índices de popularidade a esta altura do mandato desde a Segunda Guerra
Mundial, até que os últimos dias trouxeram um alento ao americano Joe Biden. As
primeiras boas notícias vieram do Congresso, onde suas iniciativas andavam
paradas. O Senado aprovou na semana passada uma lei para financiar a produção
de semicondutores, e Biden enfim convenceu o senador relutante que emperrava
sua agenda ambiental a apoiar parte dela. No front externo, o entrevero com a
China em torno da visita oficial de deputados a Taiwan pode ter ofuscado a
operação que eliminou Ayman al-Zawahiri, líder da organização terrorista
al-Qaeda desde o assassinato de Osama bin Laden, em 2011 — mas não diminui seu
valor simbólico.
Se o jihadismo parece hoje uma ameaça menor
que no passado, isso se deve em boa parte ao êxito das políticas adotadas pelos
governos ocidentais para combatê-lo. Depois de afundarem no pântano da guerra
na Síria, os serviços de inteligência aprenderam com seus erros e tiveram êxito
em desmantelar redes ligadas aos dois principais grupos terroristas, a al-Qaeda
e seu rebento rebelde, o Estado Islâmico.
Enquanto Bin Laden era a liderança
carismática, uma espécie de coração vital da al-Qaeda, Zawahiri era o cérebro,
a mente que articulava a estratégia. “A al-Qaeda jamais teria sobrevivido sem a
dinâmica que criaram juntos”, escreveu Lawrence Wright, autor de uma das
principais obras sobre a rede terrorista. Depois de ampliá-la de 400 no 11 de
Setembro aos atuais 4 mil integrantes, Zawahiri nos últimos anos tinha de lidar
com o declínio da influência de um movimento que antes ditava a política
externa do Ocidente para o Oriente Médio e países da Ásia.
Filho da elite egípcia com formação
acadêmica sólida, médico e cirurgião competente, Zawahiri foi o mais
bem-sucedido discípulo do maior ideólogo do jihadismo, o egípcio Sayyid
al-Qutb. Criou sua primeira célula aos 15 anos e, com diferentes graus de
envolvimento, tomou parte em dezenas de atentados — do assassinato do premiê
egípcio Anuar Sadat aos ataques da al-Qaeda às embaixadas americanas no Quênia
e na Tanzânia e ao porta-aviões USS Cole, no Iêmen, nos anos 1990 e 2000.
Seu perfil pragmático o levava a ter
reservas diante de ações cinematográficas no Ocidente, como o 11 de Setembro.
Apesar de apoiar os ataques ao “inimigo distante” na Europa ou nos Estados
Unidos, Zawahiri preferia concentrar esforços no “inimigo próximo”, os regimes
seculares ou “infiéis” que comandavam países do próprio Oriente Médio. As
divergências de “método” o levaram à ruptura com o Estado Islâmico. Desde o
retorno do Talibã ao poder no Afeganistão no ano passado, voltara a comandar a
reestruturação da al-Qaeda de Cabul, onde, de acordo com o governo americano,
foi atingido pelo ataque certeiro de um drone.
Sob Zawahiri, a al-Qaeda jamais voltou a
ter o vulto que teve no passado, mas continua a representar um risco, sobretudo
depois da retirada atabalhoada dos americanos do Afeganistão, onde os
terroristas sempre mantiveram bases de treinamento. Os planos originais de
domínio sobre o Oriente Médio, porém, fracassaram todos. As dificuldades das
redes jihadistas para articular novos ataques só cresceram nos últimos anos, e
a operação que alvejou Zawahiri é apenas a evidência mais recente disso.
Trata-se de uma boa notícia não apenas para Biden.
STF deve julgar Lei de Improbidade
retroativa em benefício dos réus
O Globo
Mesmo que implicação política seja desagradável,
princípio tem de ser o mesmo consagrado no direito penal
Depois que a Lei de Improbidade foi
suavizada no Congresso, políticos condenados correram à Justiça para tentar
concorrer no pleito de outubro. Nem todos têm sido bem-sucedidos. Têm, no
entanto, esperança no julgamento marcado para hoje no Supremo Tribunal Federal
(STF), que decidirá se a lei aprovada e sancionada em outubro de 2021 poderá
ser aplicada a casos anteriores a essa data.
Na reforma promovida no ano passado, a Lei
de Improbidade saiu enfraquecida. No ponto mais importante, passou a considerar
crimes apenas atos cometidos com dolo comprovado. Embora criticado, esse foi um
avanço sobre a legislação anterior, muitas vezes usada para punir o que não
passava de erros administrativos. Também houve recuo no campo da
inelegibilidade: danos ao Erário punidos apenas com multa deixaram de ser razão
suficiente para impedir um político de disputar eleições.
As mudanças que favorecem políticos vêm na
esteira do recuo na Operação Lava-Jato e na onda de punições a corruptos. A
começar pela anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que permitiu sua candidatura nas eleições deste ano. Os desdobramentos
políticos da mudança de rumos se refletem no cancelamento de diversas
condenações, de sentenças e na revisão de leis no Congresso.
Se o STF confirmar que a nova Lei de
Improbidade poderá beneficiar os réus retroativamente, entre os beneficiários
estarão pré-candidatos como o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (PL) ou o ex-governador
do Rio Anthony Garotinho. Não se sabe como o Supremo tratará da questão. A
depender do desfecho, o julgamento representará uma ajuda a políticos
condenados por malversar o dinheiro do contribuinte, daí o repúdio unânime das
organizações de combate à corrupção à retroatividade da nova lei.
Mas a Justiça não deve se pautar pelo
clamor popular. No campo penal, já está pacificado que toda mudança legislativa
tem de ser interpretada pelos tribunais em benefício dos réus — do contrário,
um mesmo crime poderia ser punido de duas formas, dependendo da data em que
tivesse sido cometido. De acordo com juristas, o mesmo entendimento, derivado
de dois incisos do Artigo 5º da Constituição, deveria valer para casos do
Direito Civil ou Administrativo, como os abertos com base na Lei de
Improbidade. O correto, portanto, seria o Supremo avalizar o uso da nova lei
para tratar de processos instaurados antes de 2021, com aplicação retroativa em
benefício dos réus.
Por mais que várias mudanças na lei sejam
criticáveis, não cabe ao STF corrigir os erros do Congresso, apenas aplicá-la,
independentemente das implicações políticas. É fundamental entender também que
a nova lei não revoga o combate à corrupção, mesmo que o Supremo reafirme a
retroatividade em favor dos réus. Ministério Público, Coaf, CGU, TCU e todos os
organismos de fiscalização e controle têm o dever de continuar atuando para
zelar pelo bom uso do dinheiro público.
Economia argentina se arrasta de crise em
crise
Valor Econômico
Inflação dispara e fuga de capitais se
acelera
A economia argentina voltou a se desmanchar
em nova e grave crise. Desta vez, não por influência direta ou indireta de um
acordo com o Fundo Monetário Internacional - o acerto entre o Fundo e o governo
argentino da dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner foi relativamente
generoso. E, diferentemente de crises passadas, em que os peronistas saíam da
crise vencendo eleições e demonizando governos liberais, é agora um governo
peronista que, incapaz de executar boas políticas, coloca a Argentina mais uma
vez perto do precipício.
A crise ganhou celeridade com a fuga de
dólares - o dólar blue, paralelo, ao redor dos 300 pesos, é mais do que o dobro
do câmbio oficial de 132 pesos - após a saída de Martín Guzmán do Ministério da
Economia, poucos meses após ter assinado novo acordo com o FMI, em 25 de março.
O acordo postergou o pagamento de US$ 45 bilhões da dívida com o Fundo para
2024 e é um dos principais motivos pelos quais não há volumoso débito externo a
ser quitado a curto prazo, o que seria uma tragédia para um país que dispõe de
pouco mais de US$ 2 bilhões de reservas.
Guzmán, que tinha a confiança do presidente
Alberto Fernández, foi empurrado para fora do governo pela vice-presidente
Cristina Kirchner, em mais um capítulo do trágico jogo paralisante em que os
dois mandatários não se entendem e mal se falam. Cristina se opôs ao acordo com
o FMI, ainda que ele seja mais flexível do que todos os outros feitos pela
Argentina. Comedido nas exigências, ele prevê redução do déficit público
moderada, mesmo assim algo tido como inaceitável pela vice-presidente.
A inflação voltou a castigar os argentinos
- 64% em doze meses - e segue subindo. Boa parte dos analistas prevee algo como
90% no fim do ano. A alta dos preços é sempre seguida da fuga de dólares, de um
cortejo de restrições a importações e a todo tipo de compra de divisas. Ao
mesmo tempo em que anunciou a troca da breve ministra da Economia, Silvina
Batakis, nomeada em 4 de julho, o Banco Central emitiu decreto elevando os
juros em geral e também os dos financiamentos de gastos acima de US$ 200 com
cartão de crédito no exterior.
Sinal inequívoco de agravamento da crise é
a troca acelerada de ministros - e da maneira mais imprópria. Silvina, que não
durou um mês na pasta, tinha acabado de garantir ao FMI em Washington que o
acordo seria cumprido e que tinha apoio firme do governo para isso. Foi
demitida após retornar a Buenos Aires. Para seu lugar foi nomeado Sergio Massa,
líder da Frente Renovadora, que concorreu à Presidência, é dissidente dos
kirchneristas, com os quais se recompôs depois e presidia a Câmara dos Deputados.
Dificilmente Massa conseguirá fazer algo
transformador em um governo conflagrado, em que o presidente não tem mais força
nem popularidade e aceita os ultimatos de Cristina. Alberto Fernández perde
ainda mais do pouco poder que tinha, o que não significa que Massa terá melhor
sorte. Vários ministérios serão reagrupados sob o guarda-chuva da Economia, mas
isto já ocorreu outras vezes e quer dizer pouca coisa. A crise é política
também: um governo eleito assina um acordo com o FMI com a vice-presidente do país
se opondo por palavras e atos a ele e expulsando do gabinete o ministro que o
negociou. O que fazer com o acordo, cujas metas serão descumpridas, é um dos
grandes problemas à frente.
A Argentina segue financiando gastos com
emissões e a meta acertada com o FMI já foi praticamente para o espaço em sete
meses. Não há outra receita econômica visível a ser testada, fora a do acerto
com o Fundo ou as maluquices de Cristina. Massa terá de fazer malabarismos para
conduzir o país até as eleições de 2023, quando os peronistas deverão perder.
Um detalhe é que Massa é presidenciável, assim como o filho de Cristina,
Máximo, que renunciou ao comando da Câmara por se opor ao entendimento com o
FMI - colocando-se como alternativa se o acordo fracassar.
Desde a crise de 2001 nenhum governo teve
sorte em dotar a Argentina de uma moeda de verdade. Apostam a favor do dólar,
ao primeiro sinal de descontrole inflacionário, tanto os investidores externos
quanto os domésticos e a classe média. O corralito deu o exemplo final do que
pode acontecer com o dinheiro que fica no país em crises extremas. Não ter de
fazer desembolsos externos dá fôlego e tempo ao governo para tentar novo
caminho. Mas as dissenções internas tornam essa tarefa mais difícil do que já é
e não deixa espaço para otimismo.
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