O Globo
Governo diz que pode fechar o ano com
superávit primário, mas a verdade é que as taxas de juros estão em alta pela
falta de confiança nas contas públicas
O Banco Central vai anunciar hoje um novo
aumento nos juros, e o Tesouro vem pagando taxas ao mercado tão altas quanto as
do pior momento do governo Dilma. Apesar disso, o ministro Paulo Guedes e sua
equipe têm dito ao país que as contas públicas estão em ordem. A prova seria a
chance de o governo federal ter superávit primário este ano, ou seja, fechar no
azul, ainda que com antecipação de dividendos das estatais, que deveriam compor
o orçamento do ano que vem, e de uma superarrecadação que tem inflado os cofres
do Tesouro, dos estados e municípios.
Se as contas estivessem mesmo no azul, com o país voltando ao equilíbrio depois de sete anos de déficit, seria um fato extraordinário. E isso, naturalmente, levaria à queda dos juros. Mas a melhora é pontual, e as taxas estão em alta justamente pela falta de confiança nas contas públicas.
O economista-chefe de um grande banco, que
teve passagem pelo setor público, me fez um alerta: o anúncio de um plano
fiscal pelo próximo presidente pode não ser suficiente para acalmar o mercado.
O cenário atual é de um país que perdeu credibilidade, e agora parte dos
investidores quer “ver para crer”. A explicação, disse, é que a atual
legislatura, sustentada pelo trio Bolsonaro, Pacheco e Lira, banalizou as
mudanças na Constituição, com a aprovação de PECs em série, muitas em regime de
urgência.
— Em 2016, o Congresso aprovou o teto de
gastos e o mercado antecipou a queda das taxas longas de juros. Houve um ganho
imediato. Muita gente no mercado acha que isso não vai acontecer novamente.
Todos viram como ficou fácil neste governo mexer na Constituição para aumentar
despesas — afirmou.
A verdade é que as leis do país foram
alteradas de maneira irresponsável nos últimos 12 meses. Com a política fiscal
frouxa, de um lado, o aperto monetário terá que ser mais forte, de outro. Por
isso, a Selic subirá mais uma vez hoje, e o país passará mais tempo convivendo
com juros elevados e, portanto, baixo crescimento.
O cofre do Tesouro
Para se ter uma ideia de como a arrecadação
do governo federal subiu de forma pontual, a receita primária total chegou a
18,8% do PIB este ano. Com as desonerações, caiu para 18,2%. As estimativas do
Tesouro para o restante da década, no entanto, apontam para uma volta à
normalidade já a partir do ano que vem, com números na casa dos 17% até 2030.
Ontem, Bolsonaro fez nova promessa de corrigir a tabela do IR em caso de
reeleição. A isso se somará o auxílio de R$ 600, os cortes de impostos e agora
a briga em torno do ICMS. O mercado faz as contas e percebe que os números não
fecham e cobra mais caro para financiar a dívida pública.
O cofre dos estados
Os estados estão com os cofres cheios. O
dinheiro em caixa subiu de R$ 60 bilhões, em 2019, para R$ 220 bi, em 2022. O
que ajudou a arrecadação foi a inflação de commodities. O problema de o
Congresso mexer na cobrança do ICMS é que o dinheiro em caixa é uma espécie de
poupança, enquanto a queda do imposto vai reduzir o fluxo de recursos de forma
permanente. Além de um contrassenso econômico, a medida fere a autonomia tributária
estadual. Por isso, as liminares de alguns ministros do STF estão tentando
consertar o que nasceu torto. A reunião ontem com Gilmar Mendes foi descrita
como “preliminar” pelo Comsefaz.
A indústria patina
O gráfico não deixa dúvidas de que o quadro na indústria de transformação é de estagnação crônica. O setor continua muito abaixo de janeiro de 2015, quando entrou em queda livre após a reeleição da presidente Dilma, e até hoje não recuperou o nível pré-pandemia. O setor teve duas quedas com recuperação em “V”, depois da greve dos caminhoneiros, em 2018, e mais recentemente, com a crise sanitária. Apesar disso, sempre perde fôlego e oscila, com períodos de altos e baixos, sem crescimento de fato.
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