quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Alvaro Gribel - As contas no azul, e os juros em alta

O Globo

Governo diz que pode fechar o ano com superávit primário, mas a verdade é que as taxas de juros estão em alta pela falta de confiança nas contas públicas

O Banco Central vai anunciar hoje um novo aumento nos juros, e o Tesouro vem pagando taxas ao mercado tão altas quanto as do pior momento do governo Dilma. Apesar disso, o ministro Paulo Guedes e sua equipe têm dito ao país que as contas públicas estão em ordem. A prova seria a chance de o governo federal ter superávit primário este ano, ou seja, fechar no azul, ainda que com antecipação de dividendos das estatais, que deveriam compor o orçamento do ano que vem, e de uma superarrecadação que tem inflado os cofres do Tesouro, dos estados e municípios.

Se as contas estivessem mesmo no azul, com o país voltando ao equilíbrio depois de sete anos de déficit, seria um fato extraordinário. E isso, naturalmente, levaria à queda dos juros. Mas a melhora é pontual, e as taxas estão em alta justamente pela falta de confiança nas contas públicas.

O economista-chefe de um grande banco, que teve passagem pelo setor público, me fez um alerta: o anúncio de um plano fiscal pelo próximo presidente pode não ser suficiente para acalmar o mercado. O cenário atual é de um país que perdeu credibilidade, e agora parte dos investidores quer “ver para crer”. A explicação, disse, é que a atual legislatura, sustentada pelo trio Bolsonaro, Pacheco e Lira, banalizou as mudanças na Constituição, com a aprovação de PECs em série, muitas em regime de urgência.

— Em 2016, o Congresso aprovou o teto de gastos e o mercado antecipou a queda das taxas longas de juros. Houve um ganho imediato. Muita gente no mercado acha que isso não vai acontecer novamente. Todos viram como ficou fácil neste governo mexer na Constituição para aumentar despesas — afirmou.

A verdade é que as leis do país foram alteradas de maneira irresponsável nos últimos 12 meses. Com a política fiscal frouxa, de um lado, o aperto monetário terá que ser mais forte, de outro. Por isso, a Selic subirá mais uma vez hoje, e o país passará mais tempo convivendo com juros elevados e, portanto, baixo crescimento.

O cofre do Tesouro

Para se ter uma ideia de como a arrecadação do governo federal subiu de forma pontual, a receita primária total chegou a 18,8% do PIB este ano. Com as desonerações, caiu para 18,2%. As estimativas do Tesouro para o restante da década, no entanto, apontam para uma volta à normalidade já a partir do ano que vem, com números na casa dos 17% até 2030. Ontem, Bolsonaro fez nova promessa de corrigir a tabela do IR em caso de reeleição. A isso se somará o auxílio de R$ 600, os cortes de impostos e agora a briga em torno do ICMS. O mercado faz as contas e percebe que os números não fecham e cobra mais caro para financiar a dívida pública.

O cofre dos estados

Os estados estão com os cofres cheios. O dinheiro em caixa subiu de R$ 60 bilhões, em 2019, para R$ 220 bi, em 2022. O que ajudou a arrecadação foi a inflação de commodities. O problema de o Congresso mexer na cobrança do ICMS é que o dinheiro em caixa é uma espécie de poupança, enquanto a queda do imposto vai reduzir o fluxo de recursos de forma permanente. Além de um contrassenso econômico, a medida fere a autonomia tributária estadual. Por isso, as liminares de alguns ministros do STF estão tentando consertar o que nasceu torto. A reunião ontem com Gilmar Mendes foi descrita como “preliminar” pelo Comsefaz.

A indústria patina

O gráfico não deixa dúvidas de que o quadro na indústria de transformação é de estagnação crônica. O setor continua muito abaixo de janeiro de 2015, quando entrou em queda livre após a reeleição da presidente Dilma, e até hoje não recuperou o nível pré-pandemia. O setor teve duas quedas com recuperação em “V”, depois da greve dos caminhoneiros, em 2018, e mais recentemente, com a crise sanitária. Apesar disso, sempre perde fôlego e oscila, com períodos de altos e baixos, sem crescimento de fato.

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