Correio Braziliense
O presidente brasileiro defendeu a taxação de
operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate às desigualdades
Se não houver nenhum imprevisto grave ou
ninguém falar besteira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pode
comemorar o seu sucesso pessoal na reunião do G20, o grupo dos países mais
ricos do planeta, com a adesão da Argentina à Aliança contra a Fome e a
Pobreza, num documento final que fala em reforma do Conselho de Segurança da
ONU, taxação de super-ricos e combate ao aquecimento global. Recalcitrante, o
presidente argentino, Javier Milei, havia criticado o texto, mas voltou atrás
depois de exaustivas negociações entre os diplomatas que articularam a
declaração do grupo.
A unanimidade do encontro a favor do combate à fome e à pobreza é uma vitória pessoal de Lula. São 82 países, entre os quais os mais ricos do mundo, e 148 organizações internacionais, instituições financeiras e ONGs que apoiam a iniciativa, uma bandeira de Lula desde o primeiro mandato.
Na abertura do encontro, ao discursar, Lula
marcou posição em relação a temas nos quais havia pouca possibilidade de avanço
no encontro, entre os quais as guerras da Ucrânia e do Oriente Médio. Criticou
Israel e a Rússia, indiretamente, ao citar as invasões da Faixa de Gaza e da
Ucrânia, e atacou sanções unilaterais impostas a outros países, porém, sem
fazer referência aos Estados Unidos.
"Do Iraque à Ucrânia, da Bósnia à Gaza,
consolida-se a percepção de que nem todo território merece ter sua integridade
respeitada e nem toda vida tem o mesmo valor. Intervenções desastrosas
subverteram a ordem no Afeganistão e na Líbia. A indiferença relegou o Sudão e
o Haiti ao esquecimento. Sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os
mais vulneráveis", argumentou. O documento conclama que "todas as
partes devem cumprir suas obrigações sob o direito internacional, incluindo o
humanitário e de direitos humanos, condenando ataques contra civis e
infraestrutura."
Lula havia criticado o neoliberalismo pela
deterioração da situação internacional: "Não é surpresa que a desigualdade
fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça. A
globalização neoliberal fracassou". O presidente brasileiro também
defendeu que a taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super-ricos
poderia gerar recursos da ordem de US$ 250 bilhões por ano para serem
investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais do nosso temp. O
texto final incorporou a tese, genericamente.
Lula marcou posição diante de temas nos quais
o Brasil tem limitações estratégicas, por falta de projeção de poder econômico
e militar, mas o Itamaraty, politicamente, demonstrou sua tradicional
capacidade de articulação na condução da reunião, sob a presidência de Lula.
Dois grandes protagonistas da política mundial não participaram do encontro:
Vladimir Putin, da Rússia, representado pelo chanceler Sergey Lavrov; e o
presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Sem o apoio do presidente
dos Estados Unidos, Joe Biden; do presidente chinês, Xi Jinping; do presidente
da França, Emmanuel Macron; do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz; e da
primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, não haveria possibilidade de um
consenso básico.
Governança global
O fato de defender a democracia como um tema
central do seu discurso foi relevante para Lula na relação com os países
europeus, num encontro que reuniu líderes de regimes autoritários, como os da
Rússia e da Indonésia; autocráticos, como o da Arábia Saudita; e iliberais,
casos da Índia e da Turquia, todos players da política mundial. Estados Unidos,
Rússia, China, França e Inglaterra, os cinco membros permanentes do Conselho de
Segurança, com poder de veto sobre qualquer proposta, por exemplo, concordaram
com a necessidade de reforma desse órgão da ONU.
Lula criticou e responsabilizou o imobilismo
do Conselho de Segurança pela escalada das guerras de Gaza e da Ucrânia. Como
Biden autorizou a utilização de mísseis de longo alcance de fabricação
norte-americana contra a Rússia, que promete retaliar duramente a Ucrânia se
isso ocorrer, a tensão na Europa aumentou e esse assunto dividiu as atenções
dos chefes de Estado na reunião. Era um tema que Lula tentava evitar, para não
complicar e melar reunião.
Objetivamente, a reforma da governança global
entrou na agenda do G20 por outra porta. A Aliança Global contra a Fome e a
Pobreza foi uma proposta apresentada por Lula no encontro do G20 realizado em
Nova Delhi. Agora, ganhou materialidade, porque tem metas e fontes de
financiamento. Cerca de 750 milhões de pessoas estão na miséria no mundo. Como
potência agrícola, produtora de grãos e proteína, o Brasil tem projeção
internacional para protagonizar esse esforço.
O BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), presidido pelo brasileiro Ilan Goldfajn, se comprometeu a
destinar até US$ 25 bilhões (R$ 145 bilhões) para financiar ações da Aliança. O
Banco Mundial também deverá financiar os países que apoiarem a Aliança. As
metas são alcançar 500 milhões de pessoas com programas de transferências de
renda e sistemas de proteção social até 2030; expandir as merendas escolares
para mais 150 milhões de crianças com fome endêmica; promover a saúde materna e
infantil para 200 milhões de mulheres e crianças de 0 a 6 anos; e atingir 100
milhões de mulheres nos programas de inclusão.
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