segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Está na hora de rever os absurdos da Lei Eleitoral

O Globo

Depois de campanha marcada por reclamação de excessos do TSE, é preciso revisar legislação anacrônica

A campanha eleitoral foi marcada por reclamações de excessos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o objetivo de combater a desinformação, a Corte determinou suspensão de contas em redes sociais ou exclusão de conteúdos. Chegou a conceder direito de resposta ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de expressões e opiniões em comentários da rede Jovem Pan, acusada de desrespeitar o princípio da Lei Eleitoral que proíbe tratamento privilegiado (a emissora ficou sujeita a multa em caso de reincidência). A reação imediata foi tachar o TSE de censor.

Todas as ações do TSE foram tomadas com base na lei eleitoral vigente, apesar de a Constituição, num antídoto contra a censura, garantir a liberdade de expressão em termos quase absolutos. O início da nova legislatura é um bom momento para o Congresso examiná-la e rever os pontos estranhos a outras democracias — tanto naquilo que ela impõe quanto no que omite.

As eleições são o único momento em que não existe liberdade plena de informação e expressão no Brasil, ao contrário do que manda a Constituição. Com base numa visão paternalista, os legisladores impõem que a Justiça Eleitoral tome decisões que limitam a cobertura jornalística. Como resultado, os veículos de comunicação não têm segurança jurídica para exercer seu papel editorial de forma livre, privando o eleitor de informações, análises e opiniões úteis. Haverá sempre o risco de veículos agirem de má-fé, deixando de praticar jornalismo para fazer propaganda política. Noutras democracias, cabe ao público separar o que presta. Talvez a nossa ainda seja jovem, mas legisladores deveriam evitar formas draconianas de combater o mau jornalismo.

Alguns pontos flagrantemente absurdos da lei eleitoral foram declarados inconstitucionais quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do Humor em 2018. É o caso da proibição do uso de montagens ou recursos de áudio e vídeo para “ridicularizar” candidatos — termo vago, sujeito ao alvitre do juiz — e da difusão de opiniões contra ou a favor de candidatos. Apesar disso, outros pontos inaceitáveis continuam em vigor, como a imposição da também vaga “isonomia” na cobertura do rádio e da TV. Na tentativa de equilibrar o tratamento das candidaturas, os noticiários têm de dedicar esforço a uma agenda burocrática de escasso interesse, sob pena de ficarem à mercê de interpretações subjetivas.

A restrição mais prejudicial é a que estabelece condições para promover debates. A imposição de que candidatos de partidos com no mínimo cinco parlamentares tenham presença garantida dá visibilidade a figuras bizarras ou inexpressivas, como Padre Kelmon na última eleição. A submissão das regras aos partidos engessa o formato e impede intervenções ágeis de jornalistas, comuns noutros países. Há ainda a vedação à transmissão ao vivo de convenções partidárias no rádio e na TV, mas não nos meios digitais — um cerceamento descabido ao direito de informação.

É também descabido vedar propaganda paga no rádio e na TV, enquanto as plataformas digitais — focos de desinformação — estão autorizadas a aceitá-la. Se as emissoras de rádio e TV são responsáveis por aquilo que publicam, as plataformas digitais simplesmente lavam as mãos, e a lei não pode alcançá-las. Devem ter liberdade, mas devem ter responsabilidade. Nesse aspecto, fazer avançar o Projeto de Lei das Fake News é fundamental.

A desinformação precisa ser combatida, mas não faz sentido — e é inconstitucional — a lei tutelar o conteúdo que chega ao eleitor de forma tão absoluta. Nas palavras do próprio presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em seu voto vencedor na ADI do Humor: “O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias”.

Papa Francisco se equilibra entre modernidade e necessidade de união

O Globo

Declaração recente sobre gays traz elementos para agradar aos setores progressistas e aos conservadores

O papa Francisco disse em entrevista recente que “ser homossexual não é crime, é uma condição humana”. Foi sua última e mais contundente declaração sobre a comunidade LGBTQIAP+. Em 2013, pouco depois de ter sido escolhido para chefiar a Igreja Católica, ele defendeu, no avião que o levava de volta a Roma depois de uma visita ao Brasil, a integração de homossexuais na sociedade com a frase: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la?”.

Num documentário de 2020, Francisco pareceu apoiar a união de casais do mesmo sexo. Em seguida o Vaticano esclareceu que ele acreditava que casais gays mereciam proteções legais, como direito a plano de saúde. Na entrevista mais recente, foi mais longe ao se dirigir a famílias e a países. Exortou pais que tenham filhos homossexuais a criar um ambiente para que todos vivam em paz. Em seguida, condenou países que criminalizam a homossexualidade. De acordo com a Human Dignity Trust, 67 têm leis contra gays, bissexuais e transgêneros, a maioria na África e Ásia. Em 11, há pena de morte.

A entrevista do papa enfureceu alas mais conservadoras da Igreja Católica. Mas, ao dizer que ser homossexual é um pecado, comparável a não ter caridade com o próximo, também aborreceu quem defende mudanças na doutrina. A lista de reivindicações dos setores progressistas inclui, além do reconhecimento de casamentos gays — barrado em 2021 —, o fim do celibato e a ordenação de mulheres. O objetivo dos defensores das medidas é modernizar a Igreja e evitar novos escândalos de abusos sexuais. Na ponta mais liberal está a Igreja Católica da Alemanha. No outro extremo estão representantes de populosos países da África, continente visitado por Francisco na semana passada e onde o número de fiéis ainda cresce.

Está em curso uma consulta em que 1,4 bilhão de católicos têm direito a opinar sobre como enxergam a Igreja no século XXI. O prazo final para respostas foi prorrogado de 2021 até 2024. No Brasil, parte das reivindicações teve como alvo a maior participação dos leigos nos serviços dentro da Igreja, com atenção à atuação de mulheres, jovens e minorias. Os documentos nacionais são debatidos em painéis continentais, que alimentarão o debate final no Vaticano.

Desde o começo do papado, Francisco tem tentado se equilibrar entre a defesa da modernidade e a necessidade de reduzir divisões na Igreja. Seu papel na História dependerá de quanto conseguirá avançar sem provocar cisão.

Governo dá um tiro no pé com campanha contra o BC

Valor Econômico

Descrédito do BC é inútil, prejudicial e custa caro

Encabeçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo faz uma investida sistemática contra a taxa de juros determinada pelo Banco Central e a independência da instituição recentemente consagrada em lei. Os juros reais no Brasil são os mais altos do mundo, o que dá às críticas de Lula a falsa aparência de bom senso e de realismo. Na verdade, o presidente não gosta da independência do BC porque não pode nele influir, caso precise, acha que a meta de inflação deveria ser maior e já afirmou que quando Roberto Campos Neto, que comanda o BC, deixar o cargo em dezembro de 2024, as coisas podem ser bem diferentes.

As falas do presidente deram sinal verde a um processo de descrédito do BC que é inútil, prejudicial e caro - os juros de mercado têm subido quando Lula, por exemplo, sequer menciona mais o nome do presidente da instituição e o chama de “esse cidadão”. A esperança de consolidação de valorização do real na semana passada, quando a taxa de câmbio por alguns momentos caiu abaixo de R$ 5, está indo para o espaço com as declarações de Lula sobre metas de inflação e autoridade monetária. A apreciação do real é uma ajuda decisiva para derrubar mais a inflação.

Lula conhece de longa data o comportamento dos investidores e sabe da importância de suas orientações sobre os preços dos ativos. Tanto que no 22º dia de seu primeiro mandato, em 2003, o BC aumentou os juros de 25% para 25,5% e, na reunião seguinte, para 26,5%. A inflação de 2002 foi de 12,53% e a do primeiro ano de governo, 9,3%, para uma Selic média de 23%. O Brasil teve então taxa de juros real semelhante ou maior que a de agora, sob Lula. A variação dos preços era maior, e o aumento da Selic e, poucos meses depois, seu corte foram acertados e limparam o terreno para o período de crescimento posterior.

As expectativas para o IPCA, no entanto, estão subindo, depois de o índice fechar em 5,79% em 2022. Desde agosto, a Selic está parada em 13,75%. Não é fácil, porém, colar na imagem do presidente do BC a de amigo dos “rentistas”. Em agosto de 2020, o Copom diminuiu os juros básicos a 2%, na prática taxa zero ou negativa, e testou, não sem críticas posteriores dos investidores, o limite de baixa a um nível que nenhuma outra autoridade monetária houvera conseguido desde 1997.

No Planalto, confecciona-se a versão de que houve “traição” de Campos Neto quando, logo na reunião do primeiro mês de governo, o Copom acenou com juro alto por mais tempo, tida uma quebra ingrata de “confiança” (Folha de S. Paulo, ontem). Lula esquece que começou a governar antes da posse e conseguiu com a “PEC de Transição” obter R$ 163 bilhões em gastos sem cobertura para sua gestão, ainda em dezembro. As declarações do presidente e de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espalharam a desconfiança de que a dívida pública subirá bastante, elevando juros e inflação. O BC soou então o sinal de alerta.

O que quer Lula, afinal? Pelo que tem declarado, quer o crescimento da economia para já, acionando as ferramentas que no passado fizeram isso, mesmo que tenham destruído a expansão depois. Haddad está preocupado com a retração de crédito, consequência óbvia do aperto monetário. Para Lula, o mais importante é que o juro caia e a roda da economia gire mais forte. Não há condições de se fazer isso agora, porque o BC e seu presidente não estão subordinados ao presidente da República. Resta a Lula esbravejar e, talvez, planejar mais gastos que, já se sabe, redundarão em juros mais altos.

O BC independente deve ser julgado pelos resultados que apresenta. A inflação brasileira passou mais de 12 meses acima dos 10%. Caiu e, com aperto monetário, programa fiscal consistente e boa reforma tributária, a inflação cederá mais, ajudada por valorização do real. De nada adianta dizer o que Campos Neto é - bolsonarista, um fato -, mas, sim, o que ele faz. Alan Greenspan era republicano e foi reconduzido por governos democratas. Jerome Powell é um republicano indicado por Donald Trump e reconduzido por Joe Biden. É raro o Federal Reserve ser criticado por suas decisões terem viés partidário.

Pode-se sempre discutir com calma e profundidade a revisão das metas de inflação, prós e contras de um BC independente no Brasil, a relação entre a carga de juros e o montante da dívida pública - são temas assíduos de debate global. O que não dá certo, e pode levar a desastres, é o presidente Lula ficar aborrecido com a taxa Selic, achar que é preciso gastar mais já e dissociar ainda mais a política monetária da fiscal. Com isso colherá os resultados que Dilma Rousseff colheu: um salto da dívida e uma enorme recessão.

Pazuello, sigilo e PEC

Folha de S. Paulo

Processo contra general expõe necessidade de vetar militares da ativa no governo

A Controladoria-Geral da União anunciou que irá analisar a quebra de sigilos impostos pelo governo Jair Bolsonaro (PL) a 234 processos, entre os quais o que envolve a transgressão disciplinar do general Eduardo Pazuello.

A indicação do oficial, então na ativa, para a pasta da Saúde durante a pandemia de Covid-19 foi um dos casos mais aberrantes da militarização da máquina governamental promovida pelo ex-presidente.

Depois de seguidas crises com a cúpula do ministério, o mandatário escalou o general para cumprir suas ordens, que contrariavam, como se sabe, recomendações sanitárias, propagavam mentiras sobre a doença e desacreditavam a eficácia da vacinação.

O indicado não decepcionou seu chefe. "Um manda, outro obedece", declarou Pazuello após ter sido obrigado a cancelar um protocolo de intenção de compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantã de São Paulo, estado então governado por João Doria.

Após uma sequência de descalabros, o general deixou o Ministério da Saúde sob forte pressão de lideranças do chamado centrão, mas continuou na ativa e a serviço de Bolsonaro. Foi nessa condição que participou de um comício político no Rio de Janeiro em apoio à reeleição do então presidente.

Ao subir no palanque, Pazuello tornou-se alvo de um processo disciplinar do Exército, cujo código de conduta veta a participação de militares da ativa em atos político-partidários. Bolsonaro interveio e levou o Exército a impor sigilo sobre o processo, no qual o aliado escapou de punição.

A possível suspensão do segredo, por constrangedora que seja para setores da cúpula militar, ajudará a esclarecer o episódio, que além de suas particularidades suscita questões relevantes para o bom andamento da democracia.

A presença de militares da ativa em cargos da administração pública é uma insensatez que pode causar danos às Forças Armadas e gerar ruídos desnecessários no sistema democrático. Esta Folha tem defendido restrições legais rígidas a essa participação.

Em 2021, foi apresentada no Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) que impede a nomeação de militares da ativa para funções governamentais. Não por acaso apelidada de PEC do Pazuello, a proposta, atualmente parada na Câmara, encontra, com a mudança de governo, condições mais favoráveis para prosperar.

Sua aprovação representaria, sem dúvida, aperfeiçoamento do arcabouço institucional brasileiro.

Preços sem fundo

Folha de S. Paulo

Usar dinheiro público contra combustível caro implica riscos fiscais e sociais

Com a confirmação do petista Jean Paul Prates no comando da Petrobras, anunciam-se mudanças no plano estratégico da empresa, rumo a mais investimentos e corte no pagamento de dividendos.

Prates dá sinais de prudência quando afirma que não haverá artificialismo na política de preços de combustíveis, que continuam a refletir condições de mercado. É um alento ante os temores de um retorno às maléficas práticas do governo Dilma Rousseff (PT).

Pairam dúvidas, contudo, quanto à intenção de criar de um fundo alimentado com recursos públicos para estabilizar os custos dos derivados de petróleo para o consumidor. A ideia é cara ao dirigente, que relatou projeto nesse sentido aprovado pelo Senado em 2022.

O texto fixa bandas de referência para os preços em torno de cotações médias internacionais, com parâmetros a serem definidos pelo Executivo com suporte da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Quando as cotações externas estiverem fora das bandas, haveria compensação pelo fundo —a chamada Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis, que acumulará recursos quando o preço domestico definido pelo governo estiverem acima das cotações internacionais e os desembolsaria na situação oposta.

A conta também se valeria de dinheiro público, oriundo da participação governamental nos contratos de partilha e concessão e outras receitas não recorrentes do setor, além de dividendos da Petrobras.

Há dificuldades conceituais e práticas na tese de que um fundo de estabilização seja capaz de resolver o problema político de custos salgados para os consumidores.

As cotações externas hoje estão altas, o que impõe o uso imediato do Orçamento para que o fundo possa bancar preços locais menores —o que elevará o já imenso déficit esperado nas contas do Tesouro, agravado, aliás, pelo corte de impostos sobre derivados.

Ademais, a experiência não recomenda acreditar que governos estarão dispostos a manter os preços domésticos mais elevados nos períodos de baixa no mercado global. Mais provável é a recorrência de rombos no fundo que, cedo ou tarde, chegarão ao contribuinte.

Por fim, não faz sentido subsidiar o consumo de combustíveis de forma generalizada, o que significaria direcionar recursos de toda a sociedade a seus estratos mais ricos.

O melhor é limitar eventuais subsídios à população de baixa renda, além de conduzir uma política econômica responsável que ajude a valorizar o real, um dos fatores críticos para os preços na bomba.

O necessário silêncio dos juízes

O Estado de S. Paulo.

Juiz fala apenas nos autos. O País precisa de um STF eficiente e discreto.

Em evento empresarial do qual participaram mais três integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes voltou a falar de casos sob sua jurisdição, alguns deles que correm em segredo de Justiça. “As investigações da Polícia Federal continuarão e vamos analisar a responsabilidade de todos aqueles que se envolveram na tentativa de golpe (de 8 de janeiro). Temos informações adiantadíssimas sobre os financiadores, desde o ano passado”, disse o magistrado.

No evento, Alexandre de Moraes comentou sobre a história contada pelo senador Marcos do Val, a respeito de suposta articulação golpista envolvendo o ex-deputado Daniel Silveira e o ex-presidente Jair Bolsonaro. “A ideia genial que tiveram foi colocar escuta no senador. (...) Para que o senador pudesse me gravar e, a partir dessa gravação, pudesse solicitar a minha retirada da presidência dos inquéritos”, disse. “Foi exatamente esta a tentativa de uma operação Tabajara que mostra o quão ridículo nós chegamos à tentativa de um golpe no Brasil.”

É absolutamente inconveniente, para dizer o mínimo, que um ministro do STF se considere autorizado a tecer comentários a respeito de casos sob sua jurisdição, avaliando se a manobra golpista era factível, se estava bem estruturada, se foi bem pensada. Ao que se sabe, as investigações ainda estão em andamento. No entanto, o relator considera-se habilitado a manifestar publicamente sua visão dos fatos.

Esse protagonismo fora dos autos de ministros do Supremo não faz bem ao País. Fora dos limites da lei não há caminho saudável. Não há construção de soluções. A Lei Orgânica da Magistratura é cristalina. “É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).

A necessária defesa da democracia por parte do Judiciário é feita nos autos. Isso não é uma limitação ocasional, fruto de circunstâncias excepcionais. Trata-se do reconhecimento do papel e do âmbito de funcionamento da Justiça: a magistratura exerce sua função nos autos. Não há outro modo de atuar. Como afirmou o próprio Alexandre de Moraes, ao falar de uma suposta acusação que o senador Marcos do Val lhe teria feito oralmente – mas que não a colocou por escrito –, “o que não é oficial, para mim, não existe”.

A contribuição do Judiciário não se dá por meio de entrevistas, muito menos com participação em eventos de empresários. É claro que, como quaisquer cidadãos, os ministros do Supremo têm direito à própria opinião, mas, enquanto integrantes do tribunal que dá a última palavra no Judiciário, esses magistrados fazem bem quando guardam suas opiniões para si mesmos ou as compartilham somente com amigos e parentes. O País não precisa que ministros debatam publicamente sobre a vida nacional; precisa, sim, que eles exerçam seu trabalho de modo silencioso, eficiente, dentro dos prazos e cumprindo as regras de competência.

Ademais, não é prudente que ministros do Supremo aceitem participar de eventos privados em que figuram como estrelas, de quem se espera, justamente por isso, ouvir informações e comentários que forneçam pistas sobre suas inclinações no julgamento de casos de grande repercussão. E não só isso: é igualmente imprudente participar de eventos com empresários que não raro têm interesse em processos que tramitam no Supremo. Não se trata aqui de duvidar do caráter deste ou daquele ministro; trata-se de lembrar das razões pelas quais a Justiça é retratada como uma senhora vendada.

É tempo de maturidade. Assim como a liberdade de crítica não dá direito de ameaçar os integrantes do Supremo, o reconhecimento de eventuais equívocos por parte de ministros, com a consequente e necessária mudança de atitude pública, não significa anuência com os detratores do STF. É antes a melhor defesa da Corte. O compromisso é com a Constituição, não com os erros.

Entre o desequilíbrio e o descalabro

O Estado de S. Paulo.

Agenda econômica no Congresso é instável, com ciclos recorrentes de avanços e retrocessos após um breve período de lua de mel entre o governo e os parlamentares recém-eleitos

Projetos de lei ligados à agenda econômica dominaram a pauta legislativa nos últimos quatro anos. De acordo com levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), 931 propostas voltadas à área foram apresentadas ao longo dos últimos quatro anos no Congresso, das quais 49 foram aprovadas e se transformaram em norma jurídica, uma conversão de 5,26%. Dos 2.823 textos sobre finanças públicas e orçamento propostos no mesmo período, 112 foram aprovados, ou 3,97% do total. O índice supera facilmente a quantidade de textos convertidos em lei em áreas como saúde, meio ambiente e educação.

Lidos de forma superficial, os números do levantamento fortaleceriam o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segundo o qual a maioria dos parlamentares tem um perfil reformista e liberal. Mas uma análise mais aprofundada sobre o conteúdo das propostas efetivamente aprovadas revela a distância entre o discurso e a prática legislativa.

É bem verdade que o Congresso deu aval, nos últimos anos, à reforma da Previdência, à autonomia do Banco Central e ao novo marco do saneamento, mas a segunda metade do mandato do então presidente Jair Bolsonaro foi marcada por uma profunda reversão nesse movimento. Até propostas pretensamente liberais, como a privatização da Eletrobras, geraram forte alta de despesas para a União, enquanto as frequentes exceções criadas para desviar dos limites do teto de gastos acabaram por desmoralizar o arcabouço fiscal.

Não foi algo pontual. Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005, e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e autor do livro Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no

Brasil, já haviam elencado, em um artigo publicado no site Brazil Journal, 40 projetos aprovados pelo Legislativo nos últimos dois anos que resultaram em renúncia de receitas e aumento de despesas – todos com apoio do Executivo, explícito ou velado.

A lista evidenciou o quão ciclotímica é a agenda econômica no País. Passado um breve período de lua de mel entre o governo e o Congresso recém-eleitos, ela vive ciclos recorrentes de avanços e retrocessos, descrevem Lisboa e Mendes. “A cada ciclo político recebemos a herança do que foi construído no governo anterior. Os momentos de crise têm induzido a adoção de medidas que aperfeiçoam as políticas públicas e colaborado para a retomada do crescimento nos anos que se seguem. Superadas as dificuldades mais graves, contudo, a agenda de captura do Estado por grupos de interesse é retomada com vigor, para prejuízo das contas públicas e do crescimento econômico do País”, afirmaram.

Os deputados e senadores que acabam de assumir o mandato têm agora a chance de dar fim a esse ciclo e mostrar um renovado entendimento do exercício de seus mandatos. Diferentemente do que fizeram nos últimos anos, é preciso que os parlamentares analisem cada projeto com muita responsabilidade, a partir de um levantamento prévio sobre seus custos e benefícios. O quadro fiscal não deixa dúvidas de que o espaço para criar um novo legado de aumento de gastos no médio e longo prazos está esgotado.

Ciente da polarização que dividiu e ainda divide a sociedade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito esforços no fortalecimento das relações institucionais entre os Poderes. O presidente não pode abrir mão da liderança do governo na definição da agenda legislativa, como fez seu antecessor. Por outro lado, em vez de gastar sua governabilidade recém-construída com projetos que fracassaram no passado, precisa aproveitar a janela de oportunidades do primeiro ano de mandato com muito pragmatismo e motivar o Congresso a aprovar a reforma tributária e a nova âncora fiscal.

O momento é de reconstrução de pontes entre o Legislativo e o Executivo, mas o País precisa que essas pontes sejam erguidas sobre bases mais modernas. Somente essa união de esforços poderá reverter um cenário que, nos últimos anos, tem variado entre mero desequilíbrio e profundo descalabro fiscal.

Risco de retrocesso no saneamento

O Estado de S. Paulo.

Estatais estaduais querem mais tempo para atingir metas de cobertura de água e esgoto que não cumpriram em décadas

Com inúmeros problemas de ordem política, econômica e social a serem enfrentados depois de quatro anos de bolsonarismo, o governo de Lula da Silva decidiu ressuscitar uma discussão já superada sobre uma das pouquíssimas áreas em que houve notável progresso nos últimos anos. Segundo uma reportagem do Estadão, o Executivo estuda mudar um dos principais dispositivos do marco do saneamento para permitir que estatais estaduais possam prorrogar contratos com prefeituras – tudo à revelia da Constituição, que tem a licitação como regra na administração pública.

O pedido foi feito pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), e a secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, disse que propostas concretas serão discutidas na próxima semana. Como o marco do saneamento foi aprovado por ampla maioria no Legislativo em 2020, é improvável, passado tão pouco tempo, que haja clima para mudá-lo. A estratégia, portanto, é contornar a legislação por meio de decretos.

Desde que o marco do saneamento entrou em vigor, as licitações ampliaram a participação da iniciativa privada no setor. Para participar delas, é preciso comprovar prévia capacidade econômico-financeira para realizar investimentos. Sem caixa, muitas estatais não conseguem participar dos leilões, que dirá vencê-los. Por isso, as empresas públicas pleiteiam que o governo inverta o processo: querem estender os contratos que já possuem e obter um prazo maior para cumprir metas que nunca cumpriram; em paralelo, postulam acesso facilitado a financiamentos de bancos públicos para realizar as mesmas obras que já deveriam ter feito há décadas.

Quando há dúvidas sobre fatos, nada como os números para apontar quem tem a razão. O marco do saneamento tem como meta a cobertura de 99% da população com água potável e de 90% com esgoto até 2033. Para atingir esses objetivos, segundo estima a consultoria KPMG, são necessários R$ 750 bilhões em investimentos. Com o domínio histórico das estatais estaduais no setor, a cobertura de água potável atingiu 84,2% da população; 44,2% dos brasileiros vivem sem acesso à rede de esgoto; e, dos sistemas existentes, somente 50,3% recebem tratamento adequado.

Há um longo caminho a ser percorrido para dar fim a essa mazela social. Mais do que boas intenções, o setor privado tem demonstrado ter um fôlego financeiro para resolvê-la, algo que as estatais já provaram não ter. Entre 2010 e 2017, de acordo com o governo federal, 15 estatais de saneamento realizaram investimentos médios de R$ 7,4 bilhões por ano, menos da metade dos R$ 20 bilhões mínimos estipulados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.

Em dois anos de vigência do marco, 21 leilões foram realizados, com investimentos estimados em R$ 82,6 bilhões em 244 municípios das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon). Os números falam por si sós. O que impressiona é a capacidade do governo de ignorá-los.

 

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

O espiritismo,que também é cristão,não condena a homossexualidade,Allan Kardec tinha pena.O que eu já passei só eu sei,e o sofrimento maior nem passa pelo preconceito.

ADEMAR AMANCIO disse...

Campos Neto tem todo o direito de ser de direita,mas bolsonarista...

ADEMAR AMANCIO disse...

O PT nem aprendeu nada nem esqueceu nada.