Folha de S. Paulo
Na armadilha do mau equilíbrio, crescerá a
percepção de conluio rentista
"A escolha do presidente da República
continua a constituir o maior drama do país, seu único drama", argumentava
Hermes Lima em 1955. E concluía: sob o presidencialismo, "crises de
governo são, por definição, crises do Executivo". Sim, a eleição
presidencial é o drama por que passamos no momento.
Futuro primeiro-ministro em nossa experiência parlamentarista, chefe da Casa Civil e juiz do STF, Lima foi fino analista do presidencialismo brasileiro. Ele apontava então algo estrutural: "Ao tratar de escolher o presidente, o país entra em estado de alarma e de confusão. Por quê? Porque o que se vai escolher é um ditador legal, uma fonte de poder político irresponsável, o homem no qual se encarnará, segundo Rui, o poder dos poderes, o grande nomeador, o grande contratador, o poder da bolsa, o poder dos negócios, o poder da força".
A base congressual do Executivo será
variável crucial: "Se o presidente é dotado de forte personalidade e seu
partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu
caráter unipessoal, impõe de forma avassaladora sua vontade. Se o presidente é
fraco, o Congresso toma o freio nos dentes. Em qualquer dessas hipóteses, não
há colaboração, há predomínio".
Lima estava certo quanto ao drama em torno
dos presidentes e ao potencial de abuso que carregam; errado quando à
necessária relação adversarial entre os Poderes. Há ganhos de troca potenciais
nas relações entre eles. Muita coisa mudou desde os anos 1950. A Constituição
de 1988 aumentou os poderes constitucionais do Executivo, mas fortaleceu os
freios e contrapesos dos demais Poderes sobre ele. Os poderes não
constitucionais —informais— também definharam com a democratização paulatina,
sobretudo a partir de 1988. Por desenho e por efeito não antecipado, Judiciário
e Legislativo ampliaram seu poder nas duas últimas décadas.
Mas o enorme poder do Executivo impacta os
partidos, presidencializa-os. Nisso Lima também estava certo: "Em face do
Executivo, não há posições programáticas. Há acordos, há ajustes, há
entendimentos". O potencial de
cooptação é brutal, como estamos assistindo no momento. Os
incentivos mudam. Afrouxam o freio nos dentes.
O cenário de confronto aberto entre Executivo e Legislativo é raro, só ocorre quando há tempestade perfeita. Dá lugar a um equilíbrio ruim: estabilidade na manutenção de um status quo em que não há crise, tampouco avanço. Nele grassa insidiosamente o cinismo cívico, uma malaise generalizada marcada pela percepção de um grande conluio rentista em que todos (desgovernam) por veto mútuo. É ele que alimenta o populismo que floresce no acúmulo de frustrações quanto aos pífios resultados dos governos.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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