EDITORIAIS
Um projeto para o País
O Estado de S. Paulo
Mais do que ser anti-Lula ou anti-Bolsonaro, o que faz falta é ter um projeto para o País. Essa é a melhor resposta contra as forças do atraso
Com recorde de desaprovação popular e sem
ter o que apresentar como realização de seu governo, Jair Bolsonaro repete, com
frequência crescente, o seu mantra: não fosse ele, o PT teria voltado ao poder.
Na lógica bolsonarista, o governo não precisa apresentar nenhum resultado. O
dever de Bolsonaro na Presidência da República se resumiria apenas e tão
somente a manter Lula longe do Palácio do Planalto.
Essa tática, que parece tão resolutamente
antipetista, é uma farsa, já que atende perfeitamente aos interesses do PT. A
quase completa ausência de resultados do governo Bolsonaro é o cenário dos
sonhos de Lula. Não há como negar. O desgoverno de Bolsonaro é caminho muito
favorável para Lula voltar ao poder.
Mas o mantra bolsonarista – não fosse
Bolsonaro, o PT teria voltado ao poder – tem ainda outra evidente contradição.
Nenhum candidato é eleito apenas para ocupar um espaço vazio. Jair Bolsonaro
não foi eleito para impedir que Lula, diretamente ou por meio de algum de seus
postes, voltasse ao poder. Bolsonaro foi eleito – eis a verdade que o
bolsonarismo tenta esconder – para governar.
É acintoso o desconforto de Bolsonaro e de
seus apoiadores com essa realidade tão básica: um presidente da República é
eleito para governar. Quando confrontados com a ausência de resultados do
governo Bolsonaro, seus apoiadores logo revidam com a subespécie do mantra
bolsonarista: apesar de tudo, em 2022, no segundo turno com Lula, voto é em
Bolsonaro.
Deve-se ressaltar que a manobra também é comum entre os lulistas. Quando confrontados com o legado de corrupção, incompetência e negacionismo do PT, os lulistas logo revidam: mas, num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, em quem você vota? E ficam indignados se o interlocutor mostra que o exercício dos direitos políticos numa democracia é necessariamente mais amplo do que essa asfixiante disjuntiva.
A transformação da política em mero embate
de negativos é profundamente perniciosa ao País. A rigor, não se pode nem mesmo
dizer que se trata de luta entre forças políticas antagônicas. É mero choque de
rejeições: o anti-Lula versus o anti-Bolsonaro.
Nesse cenário – e ainda tendo um longo
tempo até as eleições de 2022 –, é muito oportuna a observação feita por
Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa, ao tratar da relação entre o
empresariado e as administrações petistas, em entrevista ao jornal O Globo.
“Ele (Lula) gastou muito para eleger a Dilma, o déficit fiscal foi enorme. As
consequências foram muito ruins e culminaram na recessão a partir de 2014 e no
impeachment da Dilma. Mas, mais que anti-Lula, os empresários querem alguma
coisa pró-Brasil. Eu não acho que é um sentimento anti-Lula, eu acho que é um
sentimento de mudança. Esse modelo não está dando certo. Por isso se fala da
terceira via”, disse Alfredo Setubal.
Lula e Bolsonaro almejam o mero choque de
rejeições. Mas tal embate é rigorosamente insuficiente para o País superar a
crise econômica, política, social e moral na qual foi mergulhado. A experiência
de 2018 é bastante pedagógica. Elegeu-se um presidente da República cuja única
proposta consistiu – e ainda consiste – em ser o anti-Lula, e ele vai entregar
um Brasil em piores condições do que recebeu.
O bolsonarismo é terreno fértil para o
lulopetismo, e vice-versa, porque os dois não vivem de governar, mas de vencer
eleições a qualquer custo. É urgente, portanto, que as lideranças políticas, em
sintonia com a sociedade civil organizada, apresentem propostas consistentes,
aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas do País.
Uma campanha nessas bases, protagonizada
por candidatos genuinamente interessados em revigorar a democracia e unir os
brasileiros em torno de ideias sólidas para tirar o Brasil do atraso, terá o
condão de deixar evidente que Lula e Bolsonaro pouco têm a oferecer ao País
além de cizânia e impostura. Nunca é demais lembrar que, nas duas disputas pela
Presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, Lula perdeu no primeiro
turno.
Mais do que ser anti-Lula ou
anti-Bolsonaro, o que faz falta é ter um projeto para o País. Essa é a melhor
resposta contra as forças do atraso.
Representatividade de verdade
O Estado de S. Paulo
As distorções representativas exigirão uma ampla reforma política
O Congresso promulgou uma nova regra para o
cálculo de distribuição dos recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral. A
partir de 2023, os votos a mulheres e negros serão contados em dobro. Segundo
parlamentares que apoiaram o projeto, a medida será mais eficaz do que as
atuais cotas de candidatos para aumentar a representação de mulheres e negros
no Legislativo. O tempo dirá se estão certos. De todo modo, trata-se de uma
iniciativa engenhosa que de pronto tem o mérito de focar em uma grave
distorção, que exigirá uma ampla reforma política e, mais profundamente, uma
transformação cultural para ser definitivamente vencida.
Uma democracia sem a participação de
mulheres e negros é uma democracia pela metade. No caso do Brasil, até menos:
53% da população é de mulheres e 55% se declaram pretos ou pardos. Mas no
Congresso os pretos e pardos ocupam apenas 17,8% das vagas e as mulheres, 15% –
menos da metade da representação feminina média nos países da América Latina
(31%), segundo o Programa para o Desenvolvimento da ONU.
Essa democracia mutilada e deformada não
pode perdurar. O prêmio para os partidos pelos votos a mulheres e negros é um
incentivo à busca de candidaturas entre minorias marginalizadas. O mérito desse
propósito é indisputável. Mas, como todo experimento social, este está sujeito
à checagem e revisão. Que, possivelmente, será esse o caso é algo que se depreende
de certos vícios de origem.
Ações afirmativas forjam instrumentos para
corrigir distorções representativas. Pela sua natureza, esses instrumentos
deveriam ser provisórios. Quanto mais eficientes forem na correção das
sub-representações, mais rápido se tornam obsoletos. Assim, sua própria
eficácia deveria levar a reduções graduais e, idealmente, à sua extinção. A
nova regra, contudo, foi constitucionalizada a partir de uma emenda, o que
torna mais difícil alterá-la ou revogá-la.
Além disso, ela visa a um fim justo a ser
atingido com meios impróprios. Os Fundos Eleitoral e Partidário não deveriam
existir. Partidos políticos são entidades privadas e devem ser sustentados com
recursos captados com seus correligionários. A garantia de que serão abastecidos
pelos cofres públicos é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os
próprios partidos dos cidadãos. Em outras palavras, os fundos estão entre as
maiores causas da má qualidade representativa no Legislativo.
A nova regra de distribuição não legitima
esses fundos, mas, ao utilizá-los para remediar um problema do qual eles são
causa, ao menos os torna menos nocivos.
Mas a necessidade de uma reforma política
que corrija as distorções representativas vai além da inclusão de minorias nos
Parlamentos. A rigor, os mecanismos legais para corrigir esse tipo de
sub-representação são subsidiários. As raízes dessas disparidades são sociais e
culturais e elas só serão definitivamente erradicadas por uma transformação
social e cultural. A normatização de ações afirmativas – considerando que não
sirvam a propósitos sectários – pode incentivar a renovação da cultura política
e do ideário cívico, mas, por si só, não é suficiente para consumá-la. E, se
for consumada, a proporcionalidade representativa será, como deve ser, parte
natural do processo democrático, sem necessidade de anteparos legais para
estimulá-la ou forçá-la.
Mas há distorções diretamente causadas pela
lei que só serão sanadas pela lei. A Constituição prevê que o número de
deputados de cada Estado seja revisto periodicamente para garantir que sejam
proporcionais à população. Mas essa distribuição não é atualizada desde 1994.
Hoje, um deputado de Roraima representa 72 mil habitantes, enquanto um de São
Paulo representa 650 mil, ou seja, um voto de Roraima vale nove vezes o de São
Paulo.
Não surpreende que, segundo recentes
pesquisas, o Congresso só perca para os partidos políticos como a instituição
menos confiável para a população. A representatividade, por si só, não será
suficiente para resgatar sua credibilidade. Mas é uma condição absolutamente
necessária.
Entre a inflação e o marasmo
O Estado de S. Paulo
Baixo dinamismo e inflação elevada deverão marcar 2022, segundo o BC
Juros altos, crédito apertado, economia
fraca e inflação elevada durante a maior parte do ano compõem o cenário de 2022
projetado pelo Banco Central (BC). As novas estimativas incluem crescimento
econômico de 4,7% neste ano e de 2,1% no próximo. Mas até esse resultado
medíocre dependerá, segundo a análise, de condições ainda duvidosas:
arrefecimento da crise sanitária, diminuição da incerteza econômica, manutenção
do regime fiscal e consumo de eletricidade sem “restrições diretas”. Falta
combinar com o presidente Jair Bolsonaro, principal fonte de insegurança
econômica e de risco fiscal, isto é, de ameaça à boa gestão das finanças
públicas. As projeções aparecem no Relatório de Inflação publicado
trimestralmente pelo BC.
Com a retomada econômica neste ano, sobrará
em 2022, segundo o relatório, menos espaço para a recuperação cíclica. Além
disso, o crescimento será dificultado pelo aperto monetário já em curso –
crédito mais curto e mais caro usado como terapia contra a inflação. Ao
assinalar esse ponto, os autores do boletim reafirmam, implicitamente, o
compromisso de dar prioridade à ação anti-inflacionária, deixando em segundo
plano, se necessário, a preocupação com o ritmo dos negócios.
Já iniciado, o aperto deverá continuar nos
próximos meses. Os juros básicos, elevados em setembro para 6,25% ao ano,
poderão chegar a 8,25% em dezembro e a 8,5% em 2022, segundo projeção do setor
privado. Os cenários apresentados no relatório confirmam de forma indireta esse
roteiro. Uma previsão de 9% no primeiro trimestre do novo ano circulou no
mercado nos últimos dias.
Mesmo com o aperto, a inflação acumulada em
12 meses continuará muito alta durante a maior parte de 2022. Pela projeção
central do relatório, a inflação em período anual chegará a 8,5% em dezembro,
cairá para 7,3% no primeiro trimestre do próximo ano e ainda estará em 6% no
trimestre seguinte. Até o fim do ano a alta dos preços ao consumidor será
contida, segundo os cálculos do BC, em 3,7%, pouco acima da meta oficial, fixada
em 3,5%.
Também essa trajetória vai depender de
algumas condições ainda incertas, como o custo da eletricidade, uma reversão
pelo menos parcial dos aumentos de preços internacionais das commodities, uma
evolução razoável do dólar, sem novos choques, e menor insegurança quanto à
evolução das contas oficiais e, especialmente, da dívida pública.
Se der tudo certo e nenhum choque impedir
as condições apontadas no relatório, o Produto Interno Bruto (PIB) terá um
crescimento maior que aquele indicado pela mediana das projeções do mercado, de
1,57%, de acordo com o boletim Focus do dia 27, mas ainda muito
abaixo dos padrões dos grandes emergentes.
Mas esse crescimento na faixa de 2% a 2,5%
corresponde ao potencial brasileiro estimado por instituições internacionais e
por muitos analistas brasileiros. Há quem considere mais provável um potencial
inferior a 2%, porque há muitos anos o investimento produtivo, no Brasil, tem
ficado muito abaixo do necessário para um crescimento sustentável em torno de
4% ao ano.
Pelas estimativas do BC, o investimento em
capital fixo – máquinas, equipamentos e construções – diminuiu 0,8% no ano
passado, deve crescer 16% neste ano e encolher 0,5% em 2022. Não se espera,
portanto, um aumento de capacidade produtiva capaz de permitir uma expansão
econômica mais veloz nos anos seguintes.
O baixo potencial produtivo fica ainda mais
visível quando se levam em conta as deficiências educacionais, o escasso
esforço de formação de mão de obra e o baixo investimento em inovação e em
pesquisa científica e tecnológica. Há esforços notáveis de treinamento
realizados pelo Sistema S e respeitáveis trabalhos científicos em
universidades, mas com reflexos muito limitados no conjunto da produção. O
agronegócio permanece como exceção notável, quando se trata de inovação e de
ganhos de produtividade.
Não há como esperar mudanças enquanto perdurar um governo desastroso para a educação, para a ciência e para a definição de rumos para o sistema produtivo.
Risco de Amazônia virar savana é novo
alerta para Brasil
O Globo
Com o governo fazendo os últimos acertos na
proposta a apresentar na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas de 2021 (COP26), que começa no dia 31 de outubro em Glasgow, na
Escócia, um estudo feito por quatro pesquisadores brasileiros traça um quadro
apocalíptico se o desmatamento não for detido. Publicada na edição desta semana
da revista científica britânica Nature, a pesquisa tem um título autoexplicativo:
“Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de estresse
térmico na Amazônia Brasileira”. Os cientistas não pintam um cenário desértico,
como nos filmes “Mad Max”, mas a floresta dando lugar a uma savana, com grama e
árvores esparsas.
No pior cenário, os efeitos combinados do
desmatamento e do aquecimento global poderão elevar a temperatura à sombra na
Amazônia em até 11,5 °C ao final do século, afirmam os autores do estudo,
Beatriz de Olveira, da Fundação Oswaldo Cruz, Marcus Bottino e Paulo Nobre,
ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Carlos Nobre, da
Universidade de São Paulo (USP). Um aumento de calor dessa magnitude impediria
trabalhadores de diversos setores de exercer seu ofício nos dias mais quentes e
poria em risco a vida de crianças, de idosos e de adultos com certas doenças.
Os efeitos seriam mais sentidos pela
população do Norte, onde 12,4 milhões seriam afetados. Outros 17,2 milhões de
brasileiros das outras regiões também seriam atingidos em alguma medida. As
estimativas foram feitas com base nos dados atuais, sem levar em conta aumentos
populacionais, elevação da expectativa de vida e mudanças da estrutura
demográfica. No total, os habitantes de 16% dos 5.570 municípios brasileiros
perceberiam o aumento do calor.
Faria sentido a delegação brasileira na
COP26 considerar esse e outros estudos que apontam a mesma direção. Se chegar a
Glasgow repetindo o mesmo blá-blá-blá que Bolsonaro falou na ONU no mês
passado, quando descreveu a situação do meio ambiente no Brasil de forma
desconectada da realidade, é certo que haverá repercussão negativa.
Como revelou O GLOBO, diplomatas da União
Europeia (UE) trabalham nos bastidores da conferência para tentar isolar o
Brasil. Para eles, Bolsonaro e seus representantes fazem propostas irracionais
que não serão cumpridas. Exemplo: foi antecipado de 2060 para 2050 o objetivo
de atingir a neutralidade de carbono.
Um diplomata afirma que a única maneira de
garantir acordos significativos em Glasgow é obrigar o Brasil, na base de
pressão, a fazer concessões. Após o desmatamento recorde dos últimos anos, do
desmonte dos órgãos de fiscalização, do apoio explícito a grileiros e
garimpeiros, promessas de bom comportamento serão ignoradas. Para voltar a ser
respeitado nas conferências do clima e livrar os brasileiros do estresse
térmico, o governo terá de fazer muito mais.
Para derrotar a pandemia, é preciso levar
as vacinas aos países pobres
O Globo
Cientistas responderam de modo espetacular
ao desafio da pandemia. Desenvolveram vacinas com tecnologias inovadoras, cuja
eficácia vem sendo demonstrada na prática. Mas, apesar do sucesso, os seres
humanos estão distantes de poder declarar vitória sobre o coronavírus.
Novas cepas mais contagiosas surgem onde a
vacinação patina, daí se espalham. Foi o caso de Gama (Amazônia), Delta (Índia)
e Mu (Colômbia). Enquanto houver bolsões de suscetíveis que permitam à evolução
genética correr livre, persiste o temor das variantes que driblem a proteção
das vacinas. É essencial expandir os percentuais de imunizados no mundo todo.
Nisso, até agora a humanidade fracassou.
A população totalmente vacinada passa de
85% em Portugal, mas não chega a 15% na África do Sul. Ainda que 6,3 bilhões de
doses tenham sido aplicadas em mais de 45% da população global, três quartos
foram para países de renda alta ou média. Só 0,4% para países pobres, onde 2,3%
tomaram vacina. Sem elevar o patamar de todos ao português, será impossível
evitar a emergência de variantes ameaçadoras.
Se a vacinação seguir no ritmo atual,
levará 57 anos para os países pobres recuperarem o atraso. O principal recurso
deles é a iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) conhecida como
Covax, que distribuiu menos de 300 milhões de doses e cortou em 30% a projeção
inicial de chegar a 2 bilhões até o fim do ano. A OMS tem insistido que a
aplicação da dose de reforço em idosos e vulneráveis seja adiada e todos os
esforços sejam destinados a levar vacinas aonde são mais necessárias.
Na Assembleia Geral da ONU, o presidente
dos Estados Unidos, Joe Biden, elevou seu compromisso de doação aos países
pobres para 1,1 bilhão de doses e estipulou a meta de vacinar 70% da população
global em um ano. Haveria até lá os 12 bilhões de doses necessárias em
princípio. Mas há dúvida a respeito.
Uma forma eficaz de acelerar a vacinação
seria distribuir a produção, transferindo tecnologia para que as doses sejam
fabricadas perto de onde serão aplicadas (como tem feito a Rússia com sua
Sputnik V). Erguer uma rede global de produção de vacinas levaria seis meses e
custaria US$ 25 bilhões.
As empresas farmacêuticas resistem à ideia,
alegando toda sorte de empecilho. O caso da Fiocruz, até hoje penando para
produzir o ingrediente ativo da vacina da AstraZeneca, dá uma amostra da
dificuldade. Vacinas de tecnologia mais avançada, como Pfizer ou Moderna,
impõem desafios maiores, mas não incontornáveis. A África do Sul criou um polo
onde tentará reproduzir essas tecnologias para exportá-las.
A produção global e distribuída de vacinas é essencial para a humanidade deter o vírus. Trata-se de um caso daquilo que o economista Mancur Olson batizou de “problema de ação coletiva”, em que os esforços individuais prejudicam o bem comum. Ou, nas palavras do antropólogo Roberto DaMatta em sua coluna no GLOBO: “Você pode ser individualista, mas o vírus é coletivista”. Se não houver incentivo para países e empresas cooperarem rumo à meta comum, perderemos a guerra.
Sem demagogia
Folha de S. Paulo
Há que buscar alívio para baixa renda, mas
inexiste saída fácil para combustível
A escalada do preço dos combustíveis é
sempre tema explosivo para governantes e legisladores, temerosos de que o
impacto no orçamento das famílias lhes custe popularidade. No Brasil, o
problema é magnificado por um governo incapaz de coordenar soluções, que
dependem da colaboração de um amplo conjunto de agentes.
Ao longo deste ano a alta chega a 50% para
o diesel, com a última correção de 8,9% definida pela Petrobras —mesmo após
cobranças de Jair Bolsonaro à direção da empresa. Gasolina e gás subiram cerca
de 35% e 40%, respectivamente.
Com a renda já erodida pelo maior choque
inflacionário dos últimos seis anos, que abrange principalmente itens que pesam
para a população de baixa renda, crescem as cobranças no meio político.
É em momentos como o atual que surgem
ideias ruins, que ampliam as incertezas na economia e até agravam o problema.
Ameaças de intervenção nos preços da
Petrobras, por exemplo, reduzem a confiança de consumidores, empresários e
investidores, fazem disparar o dólar e, com ele, a defasagem doméstica em
relação às cotações globais do petróleo.
O problema é de difícil solução. A
Petrobras pode e deve adotar critérios de repasse dos preços internacionais em
prazos mais espaçados, amortecendo as oscilações de curto prazo, como já vem
fazendo —a última correção do diesel, parcial, ocorreu 85 dias depois da
anterior.
Também voltou a ser a aventada criação de
um fundo de estabilização, e Bolsonaro desta vez sugeriu usar os dividendos da
Petrobras recebidos pela União. Usar recursos orçamentários seria uma opção
legítima, mas o fundo não resolve o problema a curto prazo.
Por fim, há o tema dos impostos estaduais
que pesam nos valores ao consumidor. A cobrança definida como percentual do
valor final, em vez de um valor fixo por unidade, não é a melhor sistemática.
Os governadores não ajudam quando se
recusam a debater o problema, argumentando que a alíquota não mudou. Fato é que
a forma de cobrança acentua as oscilações para o consumidor e, em momentos como
o atual, infla a coleta de ICMS para os estados.
Há que buscar, dentro dos limites fiscais,
atenuantes para a população de baixa renda, como se faz agora no gás, com o
programa anunciado pela Petrobras e a criação do auxílio-gás aprovada na
Câmara, que deveria ser temporário. Fora isso, não há solução mágica.
O caminho seria resgatar a confiança na
gestão econômica, de modo a reverter a alta do dólar, e trabalhar com os
governadores por mudanças, de médio prazo que sejam, nos impostos estaduais.
Sinecura militar
Folha de S. Paulo
Em boa hora CGU apura salários pagos nas
estatais a membros das Forças Armadas
A crescente presença de militares em
empresas estatais federais tem propiciado o surgimento de uma casta de
funcionários com remunerações duplicadas às custas do erário. Diante desse
quadro aberrante, a Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu abrir processo
de auditoria para investigar pagamentos em tais situações.
Reportagem desta Folha revelou
que 15 integrantes de Exército, Aeronáutica e Marinha ocupam a presidência de
empresas com controle direto da União e recebem salários duplicados, que somam
de R$ 43 mil a R$ 260 mil mensais.
O valor mais elevado refere-se ao atual
presidente da Petrobras, o general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna.
O teto do funcionalismo público é de R$ 39,3 mil —os vencimentos de um ministro
do Supremo Tribunal Federal.
A distorção tem causado mal-estar mesmo em
setores das Forças Armadas, tendo sido objeto de questionamento em uma
publicação dedicada a temas do meio.
Em sua auditoria, a CGU optou por deixar de
lado estatais vinculadas ao Ministério da Defesa. A Indústria de Material
Bélico do Brasil (Imbel), ligada ao Exército, por exemplo, é presidida pelo
general de Exército da reserva Aderico Visconti Pardi, que tem salários
acumulados de R$ 49,9 mil brutos.
Na Amazônia Azul Tecnologias de Defesa
(Amazul), vinculada à Marinha, o presidente Antônio Carlos Guerreiro,
vice-almirante da reserva, recebe pagamentos que totalizam R$ 62,9 mil.
Note-se que nas duas empresas, como também
mostrou este jornal, há indícios de irregularidades. A Imbel não integra o
Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) para o
processamento da folha de pagamentos, o que contraria a legislação.
Já na Amazul, trabalham 16 funcionários com
recebimento acumulado de aposentadoria.
A CGU alega que normas legais dos dois
últimos anos passaram a impedir sua atuação em órgãos da estrutura do
Ministério da Defesa —um tipo de blindagem que não tem justificativa clara.
Ocorrências heterodoxas como essas se
verificam em contexto de crescente ocupação da máquina pública por militares,
num verdadeiro aparelhamento promovido pelo presidente Jair Bolsonaro, que não
esconde sua disposição de aquinhoar esses setores com privilégios e sinecuras.
Essas circunstâncias, lamentavelmente,
remetem a administração pública e o Executivo a um passado que já deveria estar
superado.
Nada menos que ambição e protagonismo na
CoP-26
Valor Econômico
Cresce a pressão empresarial por um papel
de protagonismo e de liderança do Brasil
Às vésperas da CoP-26, que ocorre em
Glasgow (Escócia) no início de novembro, cresce a pressão empresarial por um
papel de protagonismo e de liderança do Brasil na conferência da ONU sobre
mudanças climáticas. Mais de 100 presidentes de grandes companhias e de
associações setoriais assinaram carta pedindo ao governo Jair Bolsonaro uma
postura ambiciosa nas negociações. Como ponto de partida, é estarrecedor que
seja necessário um apelo de tal magnitude para dizer o óbvio às autoridades de
um país cuja influência no tema vinha sendo amplamente reconhecida pela
comunidade internacional ao longo das últimas três décadas - graças à atuação
em cúpulas como a Rio-92, a Rio+20 e na costura do histórico Acordo de Paris.
Mais do que altruísmo puro ou pensar nas
gerações futuras, o empresariado começa a enxergar também possibilidades de
fazer dinheiro - ou pelo menos evitar perdas - com uma nova arquitetura para a
preservação do meio ambiente. Trata-se de um casamento de interesses bem-vindo.
Um novo estudo, feito pela seção brasileira da Câmara de Comércio Internacional
(ICC Brasil), mostra que o país tem a possibilidade de gerar créditos de
carbono em torno de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente e obter receitas
de US$ 100 bilhões até 2030 com a sua comercialização.
A fim de aproveitar essa oportunidade de
divisas, tanto para o governo quanto para a iniciativa privada, será essencial
a regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris, que deve estar no centro das
discussões da CoP-26. Uma vez regulamentado, o artigo vai permitir que os
países transfiram de uns para outros o resultado verificado na redução de suas
emissões de gases do efeito-estufa, indo muito além do atual mercado
voluntário.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite,
garantiu que o Brasil terá uma “posição construtiva” no encontro. Ele informou
já ter relatado esse compromisso ao enviado especial para o Clima da Casa
Branca, John Kerry, e para o presidente da CoP-26, Alok Sharma - o britânico
que foi levado ao Palácio do Planalto por auxiliares de Bolsonaro, em agosto, e
ficou esperando inutilmente por uma rápida reunião com o líder brasileiro duas
semanas depois de ele ter recebido uma representante da ultradireita alemã em
audiência extra-agenda.
Leite também acenou com uma antecipação da
meta, atualmente fixada para 2030, de zerar o desmatamento ilegal. Isso
estaria, segundo ele, dentro de um programa de “crescimento verde” que
contemplará diversas iniciativas: conservação florestal, menor uso de recursos
naturais, geração de emprego e remuneração para quem preserva matas nativas. As
diretrizes devem ser apresentadas ainda antes da CoP-26.
O problema é que, para onde se olha, há
fatos e projetos que colocam em xeque as promessas de desenvolvimento sustentável
e minam o discurso brasileiro. Para ficar no dado que resume a situação: de
janeiro até agosto, a Amazônia perdeu 6 mil km² de cobertura vegetal, índice
praticamente semelhante ao verificado no mesmo período de 2020.
Poucas semanas depois de ter avalizado a
contratação obrigatória de 8 mil megawatts em novas usinas térmicas a gás, como
jabuti na MP da Eletrobras, o governo divulgou um plano nacional para uso do
carvão mineral na matriz elétrica até 2050. Na semana passada, foi anunciada a
licença ambiental que autoriza o início das obras da linha de transmissão
Manaus-Boa Vista, sem definir as compensações socioambientais para o povo
Waimiri-Atroari. Parte do “linhão” passa por uma terra indígena cuja etnia foi
dizimada na construção da BR-174, durante a ditadura militar, e hoje se resume
a 2,3 mil pessoas.
No Congresso, propostas como a de
regularização fundiária e de novas regras para o licenciamento ambiental
avançam rumo à análise final. A liberação de atividades econômicas em terras
indígenas, como mineração, está na pauta. Podem até ter méritos, quando se
avalia cada projeto minuciosamente, mas consolidou-se a impressão - sobretudo
no exterior - de que são tentativas de “passar a boiada” e facilitar a
exploração dos recursos naturais. Enquanto isso, iniciativas como o PL
5.518/20, que abre caminho para uma gestão mais sustentável e atrativa de
florestas públicas concedidas ao setor privado, têm apenas patinado.
Está nas mãos do Executivo e do
Legislativo, tantas vezes unidos por fisiologismo, somar esforços e construir
uma agenda que permita ao Brasil chegar à CoP-26 em condições de exercer
protagonismo. Não bastam retórica ou anúncios vazios. Um segmento expressivo do
empresariado já deu seu recado: está na retaguarda, pronto para endossar essa
atitude.
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