segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Um projeto para o País

O Estado de S. Paulo

Mais do que ser anti-Lula ou anti-Bolsonaro, o que faz falta é ter um projeto para o País. Essa é a melhor resposta contra as forças do atraso

Com recorde de desaprovação popular e sem ter o que apresentar como realização de seu governo, Jair Bolsonaro repete, com frequência crescente, o seu mantra: não fosse ele, o PT teria voltado ao poder. Na lógica bolsonarista, o governo não precisa apresentar nenhum resultado. O dever de Bolsonaro na Presidência da República se resumiria apenas e tão somente a manter Lula longe do Palácio do Planalto.

Essa tática, que parece tão resolutamente antipetista, é uma farsa, já que atende perfeitamente aos interesses do PT. A quase completa ausência de resultados do governo Bolsonaro é o cenário dos sonhos de Lula. Não há como negar. O desgoverno de Bolsonaro é caminho muito favorável para Lula voltar ao poder.

Mas o mantra bolsonarista – não fosse Bolsonaro, o PT teria voltado ao poder – tem ainda outra evidente contradição. Nenhum candidato é eleito apenas para ocupar um espaço vazio. Jair Bolsonaro não foi eleito para impedir que Lula, diretamente ou por meio de algum de seus postes, voltasse ao poder. Bolsonaro foi eleito – eis a verdade que o bolsonarismo tenta esconder – para governar.

É acintoso o desconforto de Bolsonaro e de seus apoiadores com essa realidade tão básica: um presidente da República é eleito para governar. Quando confrontados com a ausência de resultados do governo Bolsonaro, seus apoiadores logo revidam com a subespécie do mantra bolsonarista: apesar de tudo, em 2022, no segundo turno com Lula, voto é em Bolsonaro.

Deve-se ressaltar que a manobra também é comum entre os lulistas. Quando confrontados com o legado de corrupção, incompetência e negacionismo do PT, os lulistas logo revidam: mas, num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, em quem você vota? E ficam indignados se o interlocutor mostra que o exercício dos direitos políticos numa democracia é necessariamente mais amplo do que essa asfixiante disjuntiva.

A transformação da política em mero embate de negativos é profundamente perniciosa ao País. A rigor, não se pode nem mesmo dizer que se trata de luta entre forças políticas antagônicas. É mero choque de rejeições: o anti-Lula versus o anti-Bolsonaro.

Nesse cenário – e ainda tendo um longo tempo até as eleições de 2022 –, é muito oportuna a observação feita por Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa, ao tratar da relação entre o empresariado e as administrações petistas, em entrevista ao jornal O Globo. “Ele (Lula) gastou muito para eleger a Dilma, o déficit fiscal foi enorme. As consequências foram muito ruins e culminaram na recessão a partir de 2014 e no impeachment da Dilma. Mas, mais que anti-Lula, os empresários querem alguma coisa pró-Brasil. Eu não acho que é um sentimento anti-Lula, eu acho que é um sentimento de mudança. Esse modelo não está dando certo. Por isso se fala da terceira via”, disse Alfredo Setubal.

Lula e Bolsonaro almejam o mero choque de rejeições. Mas tal embate é rigorosamente insuficiente para o País superar a crise econômica, política, social e moral na qual foi mergulhado. A experiência de 2018 é bastante pedagógica. Elegeu-se um presidente da República cuja única proposta consistiu – e ainda consiste – em ser o anti-Lula, e ele vai entregar um Brasil em piores condições do que recebeu.

O bolsonarismo é terreno fértil para o lulopetismo, e vice-versa, porque os dois não vivem de governar, mas de vencer eleições a qualquer custo. É urgente, portanto, que as lideranças políticas, em sintonia com a sociedade civil organizada, apresentem propostas consistentes, aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas do País.

Uma campanha nessas bases, protagonizada por candidatos genuinamente interessados em revigorar a democracia e unir os brasileiros em torno de ideias sólidas para tirar o Brasil do atraso, terá o condão de deixar evidente que Lula e Bolsonaro pouco têm a oferecer ao País além de cizânia e impostura. Nunca é demais lembrar que, nas duas disputas pela Presidência da República com Fernando Henrique Cardoso, Lula perdeu no primeiro turno.

Mais do que ser anti-Lula ou anti-Bolsonaro, o que faz falta é ter um projeto para o País. Essa é a melhor resposta contra as forças do atraso.

Representatividade de verdade

O Estado de S. Paulo

As distorções representativas exigirão uma ampla reforma política

O Congresso promulgou uma nova regra para o cálculo de distribuição dos recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral. A partir de 2023, os votos a mulheres e negros serão contados em dobro. Segundo parlamentares que apoiaram o projeto, a medida será mais eficaz do que as atuais cotas de candidatos para aumentar a representação de mulheres e negros no Legislativo. O tempo dirá se estão certos. De todo modo, trata-se de uma iniciativa engenhosa que de pronto tem o mérito de focar em uma grave distorção, que exigirá uma ampla reforma política e, mais profundamente, uma transformação cultural para ser definitivamente vencida.

Uma democracia sem a participação de mulheres e negros é uma democracia pela metade. No caso do Brasil, até menos: 53% da população é de mulheres e 55% se declaram pretos ou pardos. Mas no Congresso os pretos e pardos ocupam apenas 17,8% das vagas e as mulheres, 15% – menos da metade da representação feminina média nos países da América Latina (31%), segundo o Programa para o Desenvolvimento da ONU.

Essa democracia mutilada e deformada não pode perdurar. O prêmio para os partidos pelos votos a mulheres e negros é um incentivo à busca de candidaturas entre minorias marginalizadas. O mérito desse propósito é indisputável. Mas, como todo experimento social, este está sujeito à checagem e revisão. Que, possivelmente, será esse o caso é algo que se depreende de certos vícios de origem.

Ações afirmativas forjam instrumentos para corrigir distorções representativas. Pela sua natureza, esses instrumentos deveriam ser provisórios. Quanto mais eficientes forem na correção das sub-representações, mais rápido se tornam obsoletos. Assim, sua própria eficácia deveria levar a reduções graduais e, idealmente, à sua extinção. A nova regra, contudo, foi constitucionalizada a partir de uma emenda, o que torna mais difícil alterá-la ou revogá-la.

Além disso, ela visa a um fim justo a ser atingido com meios impróprios. Os Fundos Eleitoral e Partidário não deveriam existir. Partidos políticos são entidades privadas e devem ser sustentados com recursos captados com seus correligionários. A garantia de que serão abastecidos pelos cofres públicos é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os próprios partidos dos cidadãos. Em outras palavras, os fundos estão entre as maiores causas da má qualidade representativa no Legislativo. 

A nova regra de distribuição não legitima esses fundos, mas, ao utilizá-los para remediar um problema do qual eles são causa, ao menos os torna menos nocivos.

Mas a necessidade de uma reforma política que corrija as distorções representativas vai além da inclusão de minorias nos Parlamentos. A rigor, os mecanismos legais para corrigir esse tipo de sub-representação são subsidiários. As raízes dessas disparidades são sociais e culturais e elas só serão definitivamente erradicadas por uma transformação social e cultural. A normatização de ações afirmativas – considerando que não sirvam a propósitos sectários – pode incentivar a renovação da cultura política e do ideário cívico, mas, por si só, não é suficiente para consumá-la. E, se for consumada, a proporcionalidade representativa será, como deve ser, parte natural do processo democrático, sem necessidade de anteparos legais para estimulá-la ou forçá-la.

Mas há distorções diretamente causadas pela lei que só serão sanadas pela lei. A Constituição prevê que o número de deputados de cada Estado seja revisto periodicamente para garantir que sejam proporcionais à população. Mas essa distribuição não é atualizada desde 1994. Hoje, um deputado de Roraima representa 72 mil habitantes, enquanto um de São Paulo representa 650 mil, ou seja, um voto de Roraima vale nove vezes o de São Paulo.

Não surpreende que, segundo recentes pesquisas, o Congresso só perca para os partidos políticos como a instituição menos confiável para a população. A representatividade, por si só, não será suficiente para resgatar sua credibilidade. Mas é uma condição absolutamente necessária. 

Entre a inflação e o marasmo

O Estado de S. Paulo

Baixo dinamismo e inflação elevada deverão marcar 2022, segundo o BC

Juros altos, crédito apertado, economia fraca e inflação elevada durante a maior parte do ano compõem o cenário de 2022 projetado pelo Banco Central (BC). As novas estimativas incluem crescimento econômico de 4,7% neste ano e de 2,1% no próximo. Mas até esse resultado medíocre dependerá, segundo a análise, de condições ainda duvidosas: arrefecimento da crise sanitária, diminuição da incerteza econômica, manutenção do regime fiscal e consumo de eletricidade sem “restrições diretas”. Falta combinar com o presidente Jair Bolsonaro, principal fonte de insegurança econômica e de risco fiscal, isto é, de ameaça à boa gestão das finanças públicas. As projeções aparecem no Relatório de Inflação publicado trimestralmente pelo BC.

Com a retomada econômica neste ano, sobrará em 2022, segundo o relatório, menos espaço para a recuperação cíclica. Além disso, o crescimento será dificultado pelo aperto monetário já em curso – crédito mais curto e mais caro usado como terapia contra a inflação. Ao assinalar esse ponto, os autores do boletim reafirmam, implicitamente, o compromisso de dar prioridade à ação anti-inflacionária, deixando em segundo plano, se necessário, a preocupação com o ritmo dos negócios.

Já iniciado, o aperto deverá continuar nos próximos meses. Os juros básicos, elevados em setembro para 6,25% ao ano, poderão chegar a 8,25% em dezembro e a 8,5% em 2022, segundo projeção do setor privado. Os cenários apresentados no relatório confirmam de forma indireta esse roteiro. Uma previsão de 9% no primeiro trimestre do novo ano circulou no mercado nos últimos dias.

Mesmo com o aperto, a inflação acumulada em 12 meses continuará muito alta durante a maior parte de 2022. Pela projeção central do relatório, a inflação em período anual chegará a 8,5% em dezembro, cairá para 7,3% no primeiro trimestre do próximo ano e ainda estará em 6% no trimestre seguinte. Até o fim do ano a alta dos preços ao consumidor será contida, segundo os cálculos do BC, em 3,7%, pouco acima da meta oficial, fixada em 3,5%.

Também essa trajetória vai depender de algumas condições ainda incertas, como o custo da eletricidade, uma reversão pelo menos parcial dos aumentos de preços internacionais das commodities, uma evolução razoável do dólar, sem novos choques, e menor insegurança quanto à evolução das contas oficiais e, especialmente, da dívida pública.

Se der tudo certo e nenhum choque impedir as condições apontadas no relatório, o Produto Interno Bruto (PIB) terá um crescimento maior que aquele indicado pela mediana das projeções do mercado, de 1,57%, de acordo com o boletim Focus do dia 27, mas ainda muito abaixo dos padrões dos grandes emergentes.

Mas esse crescimento na faixa de 2% a 2,5% corresponde ao potencial brasileiro estimado por instituições internacionais e por muitos analistas brasileiros. Há quem considere mais provável um potencial inferior a 2%, porque há muitos anos o investimento produtivo, no Brasil, tem ficado muito abaixo do necessário para um crescimento sustentável em torno de 4% ao ano.

Pelas estimativas do BC, o investimento em capital fixo – máquinas, equipamentos e construções – diminuiu 0,8% no ano passado, deve crescer 16% neste ano e encolher 0,5% em 2022. Não se espera, portanto, um aumento de capacidade produtiva capaz de permitir uma expansão econômica mais veloz nos anos seguintes.

O baixo potencial produtivo fica ainda mais visível quando se levam em conta as deficiências educacionais, o escasso esforço de formação de mão de obra e o baixo investimento em inovação e em pesquisa científica e tecnológica. Há esforços notáveis de treinamento realizados pelo Sistema S e respeitáveis trabalhos científicos em universidades, mas com reflexos muito limitados no conjunto da produção. O agronegócio permanece como exceção notável, quando se trata de inovação e de ganhos de produtividade.

Não há como esperar mudanças enquanto perdurar um governo desastroso para a educação, para a ciência e para a definição de rumos para o sistema produtivo.

Risco de Amazônia virar savana é novo alerta para Brasil

O Globo

Com o governo fazendo os últimos acertos na proposta a apresentar na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), que começa no dia 31 de outubro em Glasgow, na Escócia, um estudo feito por quatro pesquisadores brasileiros traça um quadro apocalíptico se o desmatamento não for detido. Publicada na edição desta semana da revista científica britânica Nature, a pesquisa tem um título autoexplicativo: “Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de estresse térmico na Amazônia Brasileira”. Os cientistas não pintam um cenário desértico, como nos filmes “Mad Max”, mas a floresta dando lugar a uma savana, com grama e árvores esparsas.

No pior cenário, os efeitos combinados do desmatamento e do aquecimento global poderão elevar a temperatura à sombra na Amazônia em até 11,5 °C ao final do século, afirmam os autores do estudo, Beatriz de Olveira, da Fundação Oswaldo Cruz, Marcus Bottino e Paulo Nobre, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo (USP). Um aumento de calor dessa magnitude impediria trabalhadores de diversos setores de exercer seu ofício nos dias mais quentes e poria em risco a vida de crianças, de idosos e de adultos com certas doenças.

Os efeitos seriam mais sentidos pela população do Norte, onde 12,4 milhões seriam afetados. Outros 17,2 milhões de brasileiros das outras regiões também seriam atingidos em alguma medida. As estimativas foram feitas com base nos dados atuais, sem levar em conta aumentos populacionais, elevação da expectativa de vida e mudanças da estrutura demográfica. No total, os habitantes de 16% dos 5.570 municípios brasileiros perceberiam o aumento do calor.

Faria sentido a delegação brasileira na COP26 considerar esse e outros estudos que apontam a mesma direção. Se chegar a Glasgow repetindo o mesmo blá-blá-blá que Bolsonaro falou na ONU no mês passado, quando descreveu a situação do meio ambiente no Brasil de forma desconectada da realidade, é certo que haverá repercussão negativa.

Como revelou O GLOBO, diplomatas da União Europeia (UE) trabalham nos bastidores da conferência para tentar isolar o Brasil. Para eles, Bolsonaro e seus representantes fazem propostas irracionais que não serão cumpridas. Exemplo: foi antecipado de 2060 para 2050 o objetivo de atingir a neutralidade de carbono.

Um diplomata afirma que a única maneira de garantir acordos significativos em Glasgow é obrigar o Brasil, na base de pressão, a fazer concessões. Após o desmatamento recorde dos últimos anos, do desmonte dos órgãos de fiscalização, do apoio explícito a grileiros e garimpeiros, promessas de bom comportamento serão ignoradas. Para voltar a ser respeitado nas conferências do clima e livrar os brasileiros do estresse térmico, o governo terá de fazer muito mais.

Para derrotar a pandemia, é preciso levar as vacinas aos países pobres

O Globo

Cientistas responderam de modo espetacular ao desafio da pandemia. Desenvolveram vacinas com tecnologias inovadoras, cuja eficácia vem sendo demonstrada na prática. Mas, apesar do sucesso, os seres humanos estão distantes de poder declarar vitória sobre o coronavírus.

Novas cepas mais contagiosas surgem onde a vacinação patina, daí se espalham. Foi o caso de Gama (Amazônia), Delta (Índia) e Mu (Colômbia). Enquanto houver bolsões de suscetíveis que permitam à evolução genética correr livre, persiste o temor das variantes que driblem a proteção das vacinas. É essencial expandir os percentuais de imunizados no mundo todo. Nisso, até agora a humanidade fracassou.

A população totalmente vacinada passa de 85% em Portugal, mas não chega a 15% na África do Sul. Ainda que 6,3 bilhões de doses tenham sido aplicadas em mais de 45% da população global, três quartos foram para países de renda alta ou média. Só 0,4% para países pobres, onde 2,3% tomaram vacina. Sem elevar o patamar de todos ao português, será impossível evitar a emergência de variantes ameaçadoras.

Se a vacinação seguir no ritmo atual, levará 57 anos para os países pobres recuperarem o atraso. O principal recurso deles é a iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) conhecida como Covax, que distribuiu menos de 300 milhões de doses e cortou em 30% a projeção inicial de chegar a 2 bilhões até o fim do ano. A OMS tem insistido que a aplicação da dose de reforço em idosos e vulneráveis seja adiada e todos os esforços sejam destinados a levar vacinas aonde são mais necessárias.

Na Assembleia Geral da ONU, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, elevou seu compromisso de doação aos países pobres para 1,1 bilhão de doses e estipulou a meta de vacinar 70% da população global em um ano. Haveria até lá os 12 bilhões de doses necessárias em princípio. Mas há dúvida a respeito.

Uma forma eficaz de acelerar a vacinação seria distribuir a produção, transferindo tecnologia para que as doses sejam fabricadas perto de onde serão aplicadas (como tem feito a Rússia com sua Sputnik V). Erguer uma rede global de produção de vacinas levaria seis meses e custaria US$ 25 bilhões.

As empresas farmacêuticas resistem à ideia, alegando toda sorte de empecilho. O caso da Fiocruz, até hoje penando para produzir o ingrediente ativo da vacina da AstraZeneca, dá uma amostra da dificuldade. Vacinas de tecnologia mais avançada, como Pfizer ou Moderna, impõem desafios maiores, mas não incontornáveis. A África do Sul criou um polo onde tentará reproduzir essas tecnologias para exportá-las.

A produção global e distribuída de vacinas é essencial para a humanidade deter o vírus. Trata-se de um caso daquilo que o economista Mancur Olson batizou de “problema de ação coletiva”, em que os esforços individuais prejudicam o bem comum. Ou, nas palavras do antropólogo Roberto DaMatta em sua coluna no GLOBO: “Você pode ser individualista, mas o vírus é coletivista”. Se não houver incentivo para países e empresas cooperarem rumo à meta comum, perderemos a guerra.

Sem demagogia

Folha de S. Paulo

Há que buscar alívio para baixa renda, mas inexiste saída fácil para combustível

A escalada do preço dos combustíveis é sempre tema explosivo para governantes e legisladores, temerosos de que o impacto no orçamento das famílias lhes custe popularidade. No Brasil, o problema é magnificado por um governo incapaz de coordenar soluções, que dependem da colaboração de um amplo conjunto de agentes.

Ao longo deste ano a alta chega a 50% para o diesel, com a última correção de 8,9% definida pela Petrobras —mesmo após cobranças de Jair Bolsonaro à direção da empresa. Gasolina e gás subiram cerca de 35% e 40%, respectivamente.

Com a renda já erodida pelo maior choque inflacionário dos últimos seis anos, que abrange principalmente itens que pesam para a população de baixa renda, crescem as cobranças no meio político.

É em momentos como o atual que surgem ideias ruins, que ampliam as incertezas na economia e até agravam o problema.

Ameaças de intervenção nos preços da Petrobras, por exemplo, reduzem a confiança de consumidores, empresários e investidores, fazem disparar o dólar e, com ele, a defasagem doméstica em relação às cotações globais do petróleo.

O problema é de difícil solução. A Petrobras pode e deve adotar critérios de repasse dos preços internacionais em prazos mais espaçados, amortecendo as oscilações de curto prazo, como já vem fazendo —a última correção do diesel, parcial, ocorreu 85 dias depois da anterior.

Também voltou a ser a aventada criação de um fundo de estabilização, e Bolsonaro desta vez sugeriu usar os dividendos da Petrobras recebidos pela União. Usar recursos orçamentários seria uma opção legítima, mas o fundo não resolve o problema a curto prazo.

Por fim, há o tema dos impostos estaduais que pesam nos valores ao consumidor. A cobrança definida como percentual do valor final, em vez de um valor fixo por unidade, não é a melhor sistemática.

Os governadores não ajudam quando se recusam a debater o problema, argumentando que a alíquota não mudou. Fato é que a forma de cobrança acentua as oscilações para o consumidor e, em momentos como o atual, infla a coleta de ICMS para os estados.

Há que buscar, dentro dos limites fiscais, atenuantes para a população de baixa renda, como se faz agora no gás, com o programa anunciado pela Petrobras e a criação do auxílio-gás aprovada na Câmara, que deveria ser temporário. Fora isso, não há solução mágica.

O caminho seria resgatar a confiança na gestão econômica, de modo a reverter a alta do dólar, e trabalhar com os governadores por mudanças, de médio prazo que sejam, nos impostos estaduais.

Sinecura militar

Folha de S. Paulo

Em boa hora CGU apura salários pagos nas estatais a membros das Forças Armadas

A crescente presença de militares em empresas estatais federais tem propiciado o surgimento de uma casta de funcionários com remunerações duplicadas às custas do erário. Diante desse quadro aberrante, a Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu abrir processo de auditoria para investigar pagamentos em tais situações.

Reportagem desta Folha revelou que 15 integrantes de Exército, Aeronáutica e Marinha ocupam a presidência de empresas com controle direto da União e recebem salários duplicados, que somam de R$ 43 mil a R$ 260 mil mensais.

O valor mais elevado refere-se ao atual presidente da Petrobras, o general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna. O teto do funcionalismo público é de R$ 39,3 mil —os vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

A distorção tem causado mal-estar mesmo em setores das Forças Armadas, tendo sido objeto de questionamento em uma publicação dedicada a temas do meio.

Em sua auditoria, a CGU optou por deixar de lado estatais vinculadas ao Ministério da Defesa. A Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), ligada ao Exército, por exemplo, é presidida pelo general de Exército da reserva Aderico Visconti Pardi, que tem salários acumulados de R$ 49,9 mil brutos.

Na Amazônia Azul Tecnologias de Defesa (Amazul), vinculada à Marinha, o presidente Antônio Carlos Guerreiro, vice-almirante da reserva, recebe pagamentos que totalizam R$ 62,9 mil.

Note-se que nas duas empresas, como também mostrou este jornal, há indícios de irregularidades. A Imbel não integra o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) para o processamento da folha de pagamentos, o que contraria a legislação.

Já na Amazul, trabalham 16 funcionários com recebimento acumulado de aposentadoria.

A CGU alega que normas legais dos dois últimos anos passaram a impedir sua atuação em órgãos da estrutura do Ministério da Defesa —um tipo de blindagem que não tem justificativa clara.

Ocorrências heterodoxas como essas se verificam em contexto de crescente ocupação da máquina pública por militares, num verdadeiro aparelhamento promovido pelo presidente Jair Bolsonaro, que não esconde sua disposição de aquinhoar esses setores com privilégios e sinecuras.

Essas circunstâncias, lamentavelmente, remetem a administração pública e o Executivo a um passado que já deveria estar superado.

Nada menos que ambição e protagonismo na CoP-26

Valor Econômico

Cresce a pressão empresarial por um papel de protagonismo e de liderança do Brasil

Às vésperas da CoP-26, que ocorre em Glasgow (Escócia) no início de novembro, cresce a pressão empresarial por um papel de protagonismo e de liderança do Brasil na conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Mais de 100 presidentes de grandes companhias e de associações setoriais assinaram carta pedindo ao governo Jair Bolsonaro uma postura ambiciosa nas negociações. Como ponto de partida, é estarrecedor que seja necessário um apelo de tal magnitude para dizer o óbvio às autoridades de um país cuja influência no tema vinha sendo amplamente reconhecida pela comunidade internacional ao longo das últimas três décadas - graças à atuação em cúpulas como a Rio-92, a Rio+20 e na costura do histórico Acordo de Paris.

Mais do que altruísmo puro ou pensar nas gerações futuras, o empresariado começa a enxergar também possibilidades de fazer dinheiro - ou pelo menos evitar perdas - com uma nova arquitetura para a preservação do meio ambiente. Trata-se de um casamento de interesses bem-vindo. Um novo estudo, feito pela seção brasileira da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), mostra que o país tem a possibilidade de gerar créditos de carbono em torno de 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente e obter receitas de US$ 100 bilhões até 2030 com a sua comercialização.

A fim de aproveitar essa oportunidade de divisas, tanto para o governo quanto para a iniciativa privada, será essencial a regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris, que deve estar no centro das discussões da CoP-26. Uma vez regulamentado, o artigo vai permitir que os países transfiram de uns para outros o resultado verificado na redução de suas emissões de gases do efeito-estufa, indo muito além do atual mercado voluntário.

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, garantiu que o Brasil terá uma “posição construtiva” no encontro. Ele informou já ter relatado esse compromisso ao enviado especial para o Clima da Casa Branca, John Kerry, e para o presidente da CoP-26, Alok Sharma - o britânico que foi levado ao Palácio do Planalto por auxiliares de Bolsonaro, em agosto, e ficou esperando inutilmente por uma rápida reunião com o líder brasileiro duas semanas depois de ele ter recebido uma representante da ultradireita alemã em audiência extra-agenda.

Leite também acenou com uma antecipação da meta, atualmente fixada para 2030, de zerar o desmatamento ilegal. Isso estaria, segundo ele, dentro de um programa de “crescimento verde” que contemplará diversas iniciativas: conservação florestal, menor uso de recursos naturais, geração de emprego e remuneração para quem preserva matas nativas. As diretrizes devem ser apresentadas ainda antes da CoP-26.

O problema é que, para onde se olha, há fatos e projetos que colocam em xeque as promessas de desenvolvimento sustentável e minam o discurso brasileiro. Para ficar no dado que resume a situação: de janeiro até agosto, a Amazônia perdeu 6 mil km² de cobertura vegetal, índice praticamente semelhante ao verificado no mesmo período de 2020.

Poucas semanas depois de ter avalizado a contratação obrigatória de 8 mil megawatts em novas usinas térmicas a gás, como jabuti na MP da Eletrobras, o governo divulgou um plano nacional para uso do carvão mineral na matriz elétrica até 2050. Na semana passada, foi anunciada a licença ambiental que autoriza o início das obras da linha de transmissão Manaus-Boa Vista, sem definir as compensações socioambientais para o povo Waimiri-Atroari. Parte do “linhão” passa por uma terra indígena cuja etnia foi dizimada na construção da BR-174, durante a ditadura militar, e hoje se resume a 2,3 mil pessoas.

No Congresso, propostas como a de regularização fundiária e de novas regras para o licenciamento ambiental avançam rumo à análise final. A liberação de atividades econômicas em terras indígenas, como mineração, está na pauta. Podem até ter méritos, quando se avalia cada projeto minuciosamente, mas consolidou-se a impressão - sobretudo no exterior - de que são tentativas de “passar a boiada” e facilitar a exploração dos recursos naturais. Enquanto isso, iniciativas como o PL 5.518/20, que abre caminho para uma gestão mais sustentável e atrativa de florestas públicas concedidas ao setor privado, têm apenas patinado.

Está nas mãos do Executivo e do Legislativo, tantas vezes unidos por fisiologismo, somar esforços e construir uma agenda que permita ao Brasil chegar à CoP-26 em condições de exercer protagonismo. Não bastam retórica ou anúncios vazios. Um segmento expressivo do empresariado já deu seu recado: está na retaguarda, pronto para endossar essa atitude.

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