sábado, 3 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Chacina de Aracruz exige maior atenção das autoridades

O Globo

É fundamental deter escalada de morticínios em escolas antes que se tornem corriqueiros como nos EUA

Na sexta-feira da semana passada, pela manhã, cenas de barbárie chocaram o país. Em Aracruz, Espírito Santo, um jovem de 16 anos usando roupas camufladas, máscara, colete à prova de balas, um revólver e uma pistola semiautomática invadiu duas escolas, uma pública e outra privada, atirando em quem encontrou pela frente. Transformou o município de pouco mais de 100 mil habitantes em cenário de filme de horror. A carnificina deixou quatro mortos, entre eles uma menina de 12 anos, e dez feridos. Cinco vítimas, duas delas crianças, estavam ontem internadas ainda.

O assassino foi localizado horas depois numa casa de praia da família e, segundo a polícia, confessou o crime com surpreendente tranquilidade. Por ser menor, foi levado ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo em Cariacica. Responderá por ato infracional análogo a quatro assassinatos qualificados (por motivo fútil) e dez tentativas de homicídio.

O caso, repleto de lacunas, está sob investigação. Até agora não está claro o que motivou o massacre. A pistola, o revólver e o carro usados no crime pertencem ao pai do rapaz, tenente da Polícia Militar do Espírito Santo. Não se sabe como o adolescente teve acesso às armas e aprendeu a manuseá-las. De acordo com as investigações, ele planejou o atentado por dois anos. A polícia apura se agiu sozinho e se tem ligação com grupos extremistas. Em depoimento, disse que simpatizava com ideias nazistas — na roupa usada nos ataques às escolas, havia uma suástica.

O horror de Aracruz é um caso raro, mas não único. Até hoje não cicatrizaram as feridas dos massacres de Realengo em 2011 (12 mortos) e Suzano em 2019 (dez mortos). Em outubro, um adolescente de 15 anos, aluno de uma escola pública de Sobral, no Ceará, atirou contra três colegas de turma, matando um deles e ferindo os outros dois. À polícia, o rapaz, que usou arma registrada em nome de um amador, alegou sofrer bullying. Dois meses antes, um ex-aluno invadira outra escola em Vitória com facas, flechas e coquetéis molotov, ameaçando matar alunos, professores e funcionários. O jovem de 18 anos foi preso pela polícia antes de consumar a tragédia.

Embora esses casos sigam padrões conhecidos, ultrapassam em muito a violência cotidiana nas escolas brasileiras. Misturam fatores complexos como bullying, ação de grupos extremistas, facilitação do acesso (e culto) a armas e munições, disseminação de ideias nazistas e racistas na internet ou desatenção com a saúde mental dos alunos. As incertezas que os cercam, porém, não são pretexto para a inação. É fundamental deter a escalada das atrocidades antes que se repita aqui a infâmia que assombra os Estados Unidos, onde massacres em escolas se tornaram desgraçadamente corriqueiros.

Os serviços de inteligência das polícias precisam se adaptar aos tempos atuais e ser mais ágeis no meio digital para descobrir atos bárbaros no nascedouro. Por dois anos, ninguém percebeu a tragédia que se desenhava em Aracruz. O debate não deveria ficar restrito a estados e municípios. O governo federal precisa ter uma política para prevenir esse tipo de monstruosidade e cuidar da saúde mental de estudantes. Talvez os atores mais importantes sejam as famílias e as escolas. É fundamental identificar logo o problema e oferecer assistência especializada, antes que adolescentes aparentemente insuspeitos se tornem assassinos bárbaros.

Tragédia em rodovia no Paraná precisa servir de aprendizado

O Globo

Mesmo tendo sido interditada, estrada foi liberada sob chuva torrencial antes da catástrofe

Seria prematuro — e leviano — acusar quem quer que seja pelo deslizamento de terra na BR-376, em Guaratuba, no Paraná, que deixou pelo menos dois mortos na noite de segunda-feira. Quedas de barreiras podem ocorrer, especialmente sob chuva torrencial, mesmo em encostas monitoradas e aparentemente estáveis. A Rio-Santos, que corta a Serra do Mar numa região conhecida pelos altos índices pluviométricos, vive às voltas com desmoronamentos difíceis de prever

Mas há questões que é preciso analisar. Por volta das 15h30, houve um primeiro deslizamento, que interditou parte da rodovia. Claro que ninguém poderia prever que a encosta desabaria por inteiro quatro horas depois, cobrindo 200 metros de pista e atingindo seis caminhões e 15 automóveis. Da mesma forma que ninguém poderia prever que isso não aconteceria, pois as más condições meteorológicas prosseguiam. Apesar disso, os veículos continuaram trafegando pelo trecho acidentado.

Mesmo em situações críticas, como chuvas, ventos fortes ou incêndios florestais, motoristas não têm como saber se uma estrada dispõe de condições seguras de tráfego. Essa tarefa não cabe a eles. Obviamente, confiam nas autoridades que administram as vias e nas que as fiscalizam. Ainda que se possam fazer todas as ressalvas num acidente sob investigação, é inaceitável que cidadãos peguem uma estrada liberada ao trânsito e acabem soterrados por toneladas de terra.

Mais importante que buscar culpados pela tragédia é evitar que episódios semelhantes se repitam. Levando em conta os efeitos das mudanças climáticas, que tornaram mais frequentes tempestades inclementes, a possibilidade de novos deslizamentos em qualquer estrada só tende a crescer, por mais que se monitorem os pontos vulneráveis.

Tragédias costumam deixar lições. As chuvas que devastaram o Rio em 1966 originaram um trabalho para estabilizar as encostas do município e reduzir os riscos de deslizamentos. O dilúvio que matou quase mil moradores na Serra Fluminense em 2011 — a maior catástrofe do tipo registrada no Brasil — resultou em ações de redução de danos, como a instalação de sirenes nas áreas de maior risco. Investigar o que aconteceu na rodovia do Paraná é essencial. Tanto quanto saber por que a estrada não foi fechada depois do primeiro deslizamento, ainda à luz do dia. Havia um sinal de que algo não estava bem, desprezado pelas autoridades.

Ontem os bombeiros encerraram os trabalhos de buscas por desaparecidos e disseram não ter encontrado mais vítimas sob a lama. O estrago está consumado. O que se pode fazer agora é criar planos de contingência para fechar estradas em situações semelhantes, pelo menos até que os riscos estejam afastados. Os transtornos se tornarão inevitáveis, mas vidas serão poupadas.

Copa viva

Folha de S. Paulo

Mais que excelência esportiva, surpresas e dramas mantêm o apelo do Mundial

Chegou ao fim a fase de grupos da Copa do Mundo do Qatar, com novidades e surpresas que mantêm a alta voltagem de interesse e controvérsias em torno dos Mundiais de seleções nacionais de futebol.

Talvez a primeira constatação, nesta etapa inicial, seja a de que a concentração dos melhores jogadores do mundo em equipes da Europa —e o quase monopólio do velho continente em competições de altíssimo nível— não diminuiu o interesse pela Copa.

Embora não seja mais o ansiado momento de encontro de craques dos diversos cantos do planeta, já que hoje praticamente todos, consagrados ou emergentes, atuam em ligas europeias, a disputa de seleções a cada quatro anos continua a empolgar e a atrair atenções.

As próprias estrelas do espetáculo demonstram de forma inequívoca a importância que dão ao torneio de curta duração. Jogadores consagrados, atuantes em clubes milionários, reagem com emoção visível a sucessos, malogros e lesões no transcorrer das partidas.

Dentre as novidades, a que mais tem provocado discussões é a nova tecnologia do VAR, a arbitragem eletrônica que se tornou vedete do esporte nos últimos anos. Criado para dirimir dúvidas e aplacar polêmicas, o VAR e suas checagens de imagens embasam decisões objetivas, mas naturalmente não eliminam a necessidade de interpretações por parte dos árbitros.

Uma das peculiaridades dessa Copa, ao menos em seu início, tem sido a capacidade de algumas equipes tidas como coadjuvantes assumirem protagonismo contra seleções tradicionais, em especial da Europa.

No caso mais espantoso, o Japão venceu Espanha e Alemanha, eliminando a segunda, quatro vezes campeã da competição.

Como a seleção asiática, o Marrocos também terminou em primeiro no seu grupo —no qual a Bélgica, que eliminou o Brasil em 2018, não conseguiu se classificar.

Argentina, França e Portugal, listadas entre as favoritas, sofreram derrotas inesperadas para Arábia Saudita, Tunísia e Coreia do Sul, respectivamente. O mesmo aconteceu com a seleção brasileira diante de Camarões, nesta sexta-feira (2).

O nível máximo de excelência do esporte pertence hoje aos certames nacionais e continentais de clubes da Europa, mas a emoção de partidas decisivas e imprevisíveis, além da paixão nacionalista, mantém o apelo da Copa.

O futebol, como nenhum outro esporte, combina competição, espetáculo, negócios, política e globalização —e o Mundial de seleções nacionais continua parte importante dessa engrenagem.

Uma frágil esperança

Folha de S. Paulo

Sinalizações entre EUA e Rússia sugerem caminho para o fim da Guerra da Ucrânia

Após nove meses, a Guerra da Ucrânia segue sem um fim claro à vista, alimentando uma tragédia humanitária que não se via em conflitos entre Estados nacionais da Europa desde a Segunda Guerra, em 1945.

Não só isso: a economia global sofre os efeitos do cerco imposto a Vladimir Putin como punição por sua agressão ao vizinho, na forma de sanções e embargos.

A inflação de energia e de alimentos bate recordes, um cenário que é agravado pelas dificuldades enfrentadas na China com a ilusória política de Covid zero de Xi Jinping.

Em meio à escuridão do cenário, que emula os desumanos apagões que Putin impôs a boa parte da já invernal Ucrânia, surgiram algumas nesgas de luminosidade.

Tudo começou com declarações de membros do establishment americano, como o chefe militar Mark Milley, sugerindo que Kiev deveria abandonar sua intransigência e aceitar negociar com Moscou.

A Rússia, por sua vez, insinuou seus termos ao recuar tropas em um dos pontos ocupados, sugerindo uma fronteira de cessar-fogo.

A reação ucraniana foi a de dizer que lutaria até o fim, mesmo com "uma facada nas costas dos aliados", nas palavras de um assessor do presidente Volodimir Zelenski.

Buscando manter a fachada, para cada empurrão em favor de conversas por parte dos EUA, houve um renovado comprometimento com o apoio militar que permite à Ucrânia seguir em combate.

Só de ajuda militar direta, os EUA já empenharam quase US$ 20 bilhões neste ano, cinco vezes o orçamento de defesa de Kiev em 2021.

Os problemas surgem aí. A conta está ficando salgada, ainda mais com a perda do controle do Partido Democrata do presidente Joe Biden na Câmara dos Representantes. Se ninguém antevê republicanos retirando apoio de Kiev, o entusiasmo atual pode mudar.

Além disso, há uma crescente percepção de que a pressão econômica contra Moscou, que pune duramente o regime, não é exatamente uma bala de prata. O governante russo segue firme e o país resiste melhor do que o esperado.

Somada à noção de que o teto de preços ao petróleo russo, proposto pelo Ocidente, tende a não levar a nada além de mais inflação para o resto do mundo, chegou-se ao momento em que o próprio Biden sugeriu negociar.

Ele o fez de forma condicional, claro, exigindo a retirada russa dos cerca de 17% de território ucraniano. O Kremlin negou tal demanda, mas Putin diz que aceita conversar.

Trata-se de um avanço, apesar dos entraves, e talvez motivo para comedida esperança.

Mais política e menos fisiologismo

O Estado de S. Paulo

O Estadão informa que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2022, a PEC da Transição, virou moeda de troca para barganhas entre o Congresso e a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Lideranças parlamentares estariam condicionando a aprovação do texto, entre outros pontos, à ocupação de Ministérios e vagas regionais e ao apoio à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao comando da Câmara e do Senado, respectivamente.

A rigor, essa notícia não causa nenhuma surpresa. A política em Brasília – e em todos os outros lugares – sempre foi assim. Para aprovar determinada matéria, o governo tem de ceder poder a outros partidos e grupos políticos. Segundo apurou o jornal, MDB, União Brasil e PSD pleiteiam com a equipe de Lula pelo menos duas pastas, cada um, no novo governo. Ao todo, os três partidos têm hoje 30 senadores, de um total de 81. Ou seja, se o PT deseja aprovar a PEC da Transição, não pode prescindir do apoio das três legendas.

Perante esse cenário, talvez alguém possa se lamentar da política nacional. Para apoiar um projeto de lei ou uma PEC, em vez de analisar o conteúdo específico do texto, um partido exige cargos no governo. Ora, isso não é necessariamente ruim. Se uma legenda tem muitos parlamentares eleitos – e, por isso, tem de fato capacidade de barganhar cargos em troca de apoio no Congresso –, significa que ela tem ampla base eleitoral e que sua participação no governo é também um modo de que os interesses dessa parcela da população estejam representados no Executivo.

Pensando nos próximos quatro anos, é muito bom para o País que o PT tenha de ceder espaço no governo a outros partidos. É a concretização daquilo que Lula reconheceu, no dia 30 de outubro, após o anúncio do resultado da eleição presidencial: “Esta não é uma vitória minha, nem do PT”. Para governar, a legenda petista precisará ceder poder a outros grupos políticos. Não poderá implementar sozinha suas ideias e propostas pelo simples fato de que não detém sozinha apoio suficiente no Congresso para isso.

Essa dinâmica negocial entre Executivo e Legislativo revela que o princípio democrático mais fundamental – todo o poder emana do povo – está funcionando. Como o PT não tem maioria no Legislativo, ou seja, como a população não lhe conferiu uma representação majoritária, ele é obrigado a dialogar com outros partidos, que também representam parcelas relevantes da população, e ceder-lhes poder, seja na redação final das diversas propostas legislativas, seja na composição do próprio Executivo, com cargos na máquina pública.

O grande perigo nessas negociações está em dois pontos, que merecem atenta vigilância. Em primeiro lugar, a negociação deve ter por base os interesses das respectivas bases eleitorais dos partidos. As legendas não estão ali para obter favores para os caciques partidários, e sim para defender os interesses de seus eleitores. Por isso, é fundamental que os compromissos relacionados aos acordos sejam públicos e se refiram a pontos programáticos, conectados de fato com os interesses dos eleitores de cada partido. Infelizmente, no Brasil, ainda é raro que os apoios partidários venham precedidos da celebração pública desses compromissos. Mas, precisamente por isso, eles precisam ser exigidos e cobrados. Deve haver um ônus político significativo para a legenda que não respeita minimamente o seu eleitorado.

O segundo ponto a demandar especial atenção diz respeito ao modo como os partidos aliados exercem os cargos obtidos nessas negociações. Deter um cargo público não dá direito a se apropriar daquela fatia da máquina pública para interesses particulares. O Estado existe para servir à coletividade. Eis um dos grandes desafios nacionais, em relação tanto à eficiência do aparato estatal como à moralidade pública: o exercício republicano dos cargos públicos.

Diante de todas essas negociações, é preciso reconhecer: o País precisa de mais, e não de menos, política. O que se dispensa, e deve ser combatido, é o fisiologismo.

O déficit que Bolsonaro criou

O Estado de S. Paulo

Limitação da tributação sobre energia e combustíveis imposta pelo presidente para baixar preços e melhorar suas chances eleitorais comprometeu o equilíbrio financeiro dos Estados

O surgimento de déficit primário nas finanças estaduais em outubro, depois de superávits mensais consecutivos desde junho de 2020 (com exceção dos meses de dezembro), é a primeira consequência nas finanças públicas da decisão político-eleitoral do presidente Jair Bolsonaro de fazer baixar temporariamente o preço da gasolina, da energia elétrica e das telecomunicações, transferindo os ônus para os governadores. As contas dos Estados registraram déficit primário de R$ 3,9 bilhões em outubro, o que significa uma piora de R$ 10,5 bilhões em relação ao resultado de um ano antes, segundo as estatísticas fiscais do Banco Central (BC).

A conta tende a piorar, daí o caráter de urgência com que os futuros governadores tratam a reunião prevista com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, certamente dirão que os Estados precisam de alguma compensação financeira da União para conter a sangria financeira que vêm sofrendo. Às voltas com problemas fiscais mais sérios, o futuro governo federal terá dificuldades para atender à demanda dos governadores. Nessa questão, pelo menos, não será um bom começo de gestão para o futuro presidente nem para os futuros governadores.

A limitação da incidência do ICMS, o principal tributo estadual, foi o meio que Bolsonaro encontrou para conter a alta das tarifas de energia e do preço dos derivados de petróleo, que vinha corroendo sua popularidade no momento em que precisava fortalecer sua campanha pela reeleição. Era medida de efeito temporário, pois, no caso dos combustíveis, os preços internos estão condicionados às cotações internacionais do petróleo, que continuam a oscilar.

O custo dessa aventura sobre as finanças estaduais começa a ser conhecido um mês depois de Bolsonaro ter perdido a disputa. Pelo peso que a arrecadação do ICMS sobre esses itens tem nas finanças estaduais, não parece haver dúvidas que os déficits se repetirão nos meses seguintes.

Ao avaliar a deterioração de R$ 10,5 bilhões nas finanças estaduais em 12 meses (o resultado passou de superávit de R$ 6,6 bilhões para déficit de R$ 3,9 bilhões), o chefe do Departamento de Estatística do Banco Central, Fernando Rocha, destacou que “um aspecto importante é a redução de receitas, dado que a variação real do ICMS caiu 12,1% quando se compara com outubro de 2021″. Outros estudos chegaram a conclusões semelhantes à apresentada pelo BC. A perda da arrecadação em um ano supera 10%, o que tem impacto nada desprezível nas contas estaduais.

Cria-se, agora, uma situação bem diferente da que vinha sendo observada desde o auge da pandemia, em junho de 2020. Naquele momento, transferências extraordinárias da União para que os governos estaduais pudessem enfrentar a crise da covid-19 contribuíram para a geração de superávits primários (que excluem os gastos com a dívida) dos Estados. A retomada das atividades econômicas, com a redução das restrições à circulação das pessoas, e o impulso propiciado pela inflação mantiveram as contas estaduais positivas. Os resultados negativos nos meses de dezembro eram sazonais, devidos ao pagamento do 13.º salário do funcionalismo.

Em junho deste ano, já no período de campanha eleitoral, o presidente da República sancionou a lei que impôs o teto de 18% para a alíquota do ICMS incidente sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicação. Esses itens são os que mais pesam na arrecadação dos Estados. Daí a arrecadação desse tributo ter caído 6,5% em valores reais no terceiro trimestre deste ano na comparação com igual período de 2021. É efeito que se repetirá daqui para a frente.

Alguns cálculos dos secretários estaduais de Fazenda apontam perda de R$ 125 bilhões de receita em um ano. Desaceleração do crescimento e perda de dinamismo das exportações de commodities são outros fatores que imporão acertos financeiros aos Estados, que estão exigindo compensações da União. Não será um ajuste fácil nem será fácil encontrar uma solução que agrade tanto ao governo federal como aos estaduais.

Reindustrializar, tarefa urgente

O Estado de S. Paulo

Mesmo com crescimento em outubro, a produção industrial segue emperrada; reindustrialização deve ser prioridade

Puxada pelo setor de alimentos e pela metalurgia, a indústria reagiu em outubro e produziu 0,3% mais que em setembro, mas sem compensar a perda de 1,3% acumulada nos dois meses anteriores. Muito contido, o crescimento só foi observado em 7 dos 26 segmentos industriais cobertos pela pesquisa mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O volume produzido foi 1,7% maior que o de outubro do ano passado, mas o resultado do ano foi 0,8% inferior ao de janeiro-outubro de 2021 e o acumulado em 12 meses foi 1,4% menor que o do período anterior. Esse balanço, primeiro resultado setorial de outubro publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é mais um indicativo da fraqueza da indústria, há muitos anos o setor mais débil da economia brasileira.

A atividade industrial nem sequer se recuperou totalmente do tombo causado pela pandemia de covid-19. Em outubro, a produção ficou 2,1% abaixo do nível pré-pandêmico, registrado em fevereiro de 2020. Além disso, ainda foi 18,4% inferior ao recorde alcançado em maio de 2011, no começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Naquele momento, a economia ainda mantinha algum vigor. Sinais de crise começaram a surgir no ano seguinte, prenunciando a recessão de 2015-2016 e a longa fase de emperramento da indústria.

A indústria – principalmente a de transformação – foi o setor com pior desempenho no período iniciado no último governo petista. Depois do desastre sanitário de 2020, quando se registraram os primeiros casos de covid, houve forte recuperação no setor de serviços e em alguns segmentos industriais, com destaque para a construção imobiliária. Mas a indústria de transformação pouco se moveu. A agropecuária se manteve como o setor mais sólido e mais competitivo, com recuos ocasionais causados principalmente por problemas como escassez ou excesso de chuvas.

Em outubro, o segmento de bens de capital, isto é, de máquinas, equipamentos e outros bens de produção, teve o pior desempenho, com recuo mensal de 4,1% Em 12 meses, no entanto, foi o único dos grandes grupos de atividades a registrar resultado positivo, com avanço de 0,2%. Nesse período, houve perdas de 1,1% em bens intermediários, de 2,6% em bens de consumo e de 1,4% na indústria geral. O crescimento obtido em outubro nas áreas de bens intermediários (+0,7%), de bens de consumo (+0,3%) e na indústria geral (+0,3%) foi insuficiente para alterar o quadro geral de fraqueza do setor.

Os números de outubro apenas confirmam a estagnação e até o retrocesso da atividade industrial ou, mais precisamente, da indústria de transformação. Transformação é o nome atribuído tecnicamente à produção da maior parte dos bens industriais, como automóveis, caminhões, ônibus, bicicletas, sapatos, vestuário, canetas, papelaria, máquinas, móveis, fogões, geladeiras – enfim, daquele enorme conjunto de bens necessários ao nosso dia a dia e ao funcionamento da sociedade. O novo governo terá de incluir no topo de suas prioridades a revitalização da indústria. Sem isso, fracassará.

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