DEU NO VALOR ECONÔMICO
O consenso oficial nos Estados Unidos e na Europa é de que o pior da crise internacional já passou, a economia retomou o crescimento e as medidas drásticas de política monetária e fiscal foram um grande sucesso. Entretanto, a presidente do Conselho de Assessoria Econômica do presidente dos Estados Unidos, Christina Romer, declarou, na semana passada, que o governo só considerará que a recessão chegou ao fim quando a taxa de desemprego voltar ao que era antes da crise e só aí reverterá a sua atual política econômica e cuidará do explosivo crescimento da dívida pública.
Essas declarações são preocupantes, pois a manutenção prolongada da atual política fiscal, com monetização da dívida pública, e a política monetária de liquidez super abundante do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), terão consequências graves e explosivas para o quadro financeiro global, afetando, particularmente, os países emergentes. Tratarei a seguir de algumas dessas consequências.
Antes de tudo cabe lembrar que a manutenção da atual política econômica é a de acomodação com o setor financeiro e não a busca rápida de solução para a crise, muito semelhante ao que fez o Japão ao longo da década de 90. Como a recuperação do emprego poderá levar anos, isso poderá significar que os problemas estruturais da economia norte-americana ficarão para o segundo plano e a superação definitiva das causas estruturais e institucionais, que causaram a grande crise financeira, somente virão após a implementação da nova regulação e controles em discussão no congresso norte-americano, o que poderá levar anos.
As declarações recentes de Christina Romer e de Lawrence Summers explicitam as prioridades políticas do governo e permitem entender melhor o que está por trás da política do Fed. Como a crise é de endividamento excessivo e de grande redução da riqueza financeira dos bancos e das famílias norte-americanas, que agora têm que reconstituir seu capital e aumentar a taxa de poupança, respectivamente, sabemos que redução de juros não tem o efeito convencional de retomada do crédito e, portanto, da demanda agregada como numa recessão típica.
O Fed está socorrendo diretamente os balanços das instituições financeiras e mesmo das empresas do setor real da economia, comprando ativos, ações, dando garantias etc. O que está em jogo é salvar o chamado "shadow banking system" que promoveu uma expansão explosiva do crédito com operações de mercado de capitais que desencadearam a crise financeira e não o sistema bancário tradicional sobre o qual o Fed tinha controle por meio da política de taxa de juros, atuando no mercado de reservas bancárias. (Ver, por exemplo, Claudio Borio & Piti Disyatat, "Unconventional monetary policies: an appraisal", BIS Working Paper nº 292, November 2009, ou Tobias Adrian & Hyun Song Shin, "Prices and quantities in the monetary policy transmission mechanism", Federal Reserve Bank of New York Staff Papers nº 396, October 2009).
No quadro atual, a redução da taxa de juros para zero não trouxe de volta nem o crédito nem o emprego, que dependem, hoje, da política fiscal. Com aumento da taxa de poupança, a demanda doméstica e o nível de emprego não voltarão ao nível anterior. Assim, só a demanda externa, com aumento das exportações e redução nas importações, fará a taxa de desemprego voltar ao nível pré-crise e isso requer depreciação do dólar. A política do Fed tem duplo objetivo. Primeiro, está subsidiando e injetando trilhões de dólares diretamente nos balanços das instituições financeiras, comprando seus ativos que, de outra forma, estariam quebradas. O Fed restaurou tanto a liquidez de funding das instituições como a de mercado, evitando colapso maior dos preços dos ativos financeiros. A contrapartida é o aumento dos ativos no balanço do banco central americano.
Ao fazer isso, as instituições financeiras voltaram a realizar as mesmas operações de mercado que desencadearam a crise financeira especulando nos mercados de commodities, taxa de câmbio, petróleo e bolsa de ações, que se recuperaram rapidamente em plena recessão mundial! Como conseguiram inflar novamente os preços dos ativos, gerando novas bolhas, os lucros voltaram imediatamente, agora recordes e gerando novos incentivos para especular, distribuindo bilionários bônus aos seus executivos. Com a nossa bolsa de valores subindo, o real se aprecia e a cotação das commodities que exportamos aumenta o balanço das instituições financeiras norte-americanas. Mas essa recuperação não está baseada numa melhoria nos fundamentos, isto é, numa perspectiva efetiva e segura de aumento do investimento produtivo e crescimento da renda. A fragilidade financeira permanece e qualquer problema nos fluxos de capitais ou por contágio pode fazer estourar as bolhas.
O segundo objetivo não explícito da política do Fed é a depreciação do dólar frente às demais moedas, isto é, a guerra cambial. Com a taxa de juros praticamente zero e com a política de redução das taxas de juros dos títulos públicos norte-americanos de longo prazo, por meio da sua monetização, restaurou-se um imenso excesso de dólar, daí a sua depreciação. Este excesso gerou um monumental "carry trade" com recursos fluindo especialmente para os países emergentes, já que a Europa enfrenta problemas similares aos dos Estados Unidos e o Japão é um país que não cresce. Mas o dólar está se depreciando em relação a quase todas as demais moedas. Como a China fixou desde junho de 2008 o yuan ao dólar, juntando-se aos norte-americanos nessa guerra cambial, são os demais emergentes que promoverão a recuperação do emprego norte-americano, reduzindo as suas exportações e aumentando as importações dos Estados Unidos, como vem fazendo o Brasil.
Infelizmente, enquanto os Estados Unidos e a China declaram guerra pelo emprego contra o resto do mundo, utilizando e afiando os instrumentos de política monetária e cambial, o Banco Central do Brasil nega-se a utilizar os instrumentos adequados e assiste à brutal apreciação do real e explosão no nosso déficit em transações correntes, que significa transferir emprego para os Estados Unidos e China. Mas basta uma parada no fluxo de capital que o real voltará a depreciar, aí certamente o Banco Central vai mostrar suas armas, o seu vício de aumentar as taxas de juros.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
O consenso oficial nos Estados Unidos e na Europa é de que o pior da crise internacional já passou, a economia retomou o crescimento e as medidas drásticas de política monetária e fiscal foram um grande sucesso. Entretanto, a presidente do Conselho de Assessoria Econômica do presidente dos Estados Unidos, Christina Romer, declarou, na semana passada, que o governo só considerará que a recessão chegou ao fim quando a taxa de desemprego voltar ao que era antes da crise e só aí reverterá a sua atual política econômica e cuidará do explosivo crescimento da dívida pública.
Essas declarações são preocupantes, pois a manutenção prolongada da atual política fiscal, com monetização da dívida pública, e a política monetária de liquidez super abundante do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), terão consequências graves e explosivas para o quadro financeiro global, afetando, particularmente, os países emergentes. Tratarei a seguir de algumas dessas consequências.
Antes de tudo cabe lembrar que a manutenção da atual política econômica é a de acomodação com o setor financeiro e não a busca rápida de solução para a crise, muito semelhante ao que fez o Japão ao longo da década de 90. Como a recuperação do emprego poderá levar anos, isso poderá significar que os problemas estruturais da economia norte-americana ficarão para o segundo plano e a superação definitiva das causas estruturais e institucionais, que causaram a grande crise financeira, somente virão após a implementação da nova regulação e controles em discussão no congresso norte-americano, o que poderá levar anos.
As declarações recentes de Christina Romer e de Lawrence Summers explicitam as prioridades políticas do governo e permitem entender melhor o que está por trás da política do Fed. Como a crise é de endividamento excessivo e de grande redução da riqueza financeira dos bancos e das famílias norte-americanas, que agora têm que reconstituir seu capital e aumentar a taxa de poupança, respectivamente, sabemos que redução de juros não tem o efeito convencional de retomada do crédito e, portanto, da demanda agregada como numa recessão típica.
O Fed está socorrendo diretamente os balanços das instituições financeiras e mesmo das empresas do setor real da economia, comprando ativos, ações, dando garantias etc. O que está em jogo é salvar o chamado "shadow banking system" que promoveu uma expansão explosiva do crédito com operações de mercado de capitais que desencadearam a crise financeira e não o sistema bancário tradicional sobre o qual o Fed tinha controle por meio da política de taxa de juros, atuando no mercado de reservas bancárias. (Ver, por exemplo, Claudio Borio & Piti Disyatat, "Unconventional monetary policies: an appraisal", BIS Working Paper nº 292, November 2009, ou Tobias Adrian & Hyun Song Shin, "Prices and quantities in the monetary policy transmission mechanism", Federal Reserve Bank of New York Staff Papers nº 396, October 2009).
No quadro atual, a redução da taxa de juros para zero não trouxe de volta nem o crédito nem o emprego, que dependem, hoje, da política fiscal. Com aumento da taxa de poupança, a demanda doméstica e o nível de emprego não voltarão ao nível anterior. Assim, só a demanda externa, com aumento das exportações e redução nas importações, fará a taxa de desemprego voltar ao nível pré-crise e isso requer depreciação do dólar. A política do Fed tem duplo objetivo. Primeiro, está subsidiando e injetando trilhões de dólares diretamente nos balanços das instituições financeiras, comprando seus ativos que, de outra forma, estariam quebradas. O Fed restaurou tanto a liquidez de funding das instituições como a de mercado, evitando colapso maior dos preços dos ativos financeiros. A contrapartida é o aumento dos ativos no balanço do banco central americano.
Ao fazer isso, as instituições financeiras voltaram a realizar as mesmas operações de mercado que desencadearam a crise financeira especulando nos mercados de commodities, taxa de câmbio, petróleo e bolsa de ações, que se recuperaram rapidamente em plena recessão mundial! Como conseguiram inflar novamente os preços dos ativos, gerando novas bolhas, os lucros voltaram imediatamente, agora recordes e gerando novos incentivos para especular, distribuindo bilionários bônus aos seus executivos. Com a nossa bolsa de valores subindo, o real se aprecia e a cotação das commodities que exportamos aumenta o balanço das instituições financeiras norte-americanas. Mas essa recuperação não está baseada numa melhoria nos fundamentos, isto é, numa perspectiva efetiva e segura de aumento do investimento produtivo e crescimento da renda. A fragilidade financeira permanece e qualquer problema nos fluxos de capitais ou por contágio pode fazer estourar as bolhas.
O segundo objetivo não explícito da política do Fed é a depreciação do dólar frente às demais moedas, isto é, a guerra cambial. Com a taxa de juros praticamente zero e com a política de redução das taxas de juros dos títulos públicos norte-americanos de longo prazo, por meio da sua monetização, restaurou-se um imenso excesso de dólar, daí a sua depreciação. Este excesso gerou um monumental "carry trade" com recursos fluindo especialmente para os países emergentes, já que a Europa enfrenta problemas similares aos dos Estados Unidos e o Japão é um país que não cresce. Mas o dólar está se depreciando em relação a quase todas as demais moedas. Como a China fixou desde junho de 2008 o yuan ao dólar, juntando-se aos norte-americanos nessa guerra cambial, são os demais emergentes que promoverão a recuperação do emprego norte-americano, reduzindo as suas exportações e aumentando as importações dos Estados Unidos, como vem fazendo o Brasil.
Infelizmente, enquanto os Estados Unidos e a China declaram guerra pelo emprego contra o resto do mundo, utilizando e afiando os instrumentos de política monetária e cambial, o Banco Central do Brasil nega-se a utilizar os instrumentos adequados e assiste à brutal apreciação do real e explosão no nosso déficit em transações correntes, que significa transferir emprego para os Estados Unidos e China. Mas basta uma parada no fluxo de capital que o real voltará a depreciar, aí certamente o Banco Central vai mostrar suas armas, o seu vício de aumentar as taxas de juros.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
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