Hora de decidir – Editorial | Folha de S. Paulo
Cabe ao STF pôr fim à indefinição criada por Toffoli sobre dados sigilosos
Não é de hoje que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, se mostra empenhado em restringir o acesso de procuradores e policiais a informações sigilosas detidas pelo governo.
Em julho, o magistrado mandou suspender todas as investigações em andamento no país baseadas em dados transmitidos automaticamente por órgãos de controle, sem autorização judicial prévia.
Em outubro, Toffoli determinou que o Banco Central e a Receita Federal lhe mandassem cópias de todos os relatórios enviados a investigadores nos últimos três anos, argumentando que a providência era necessária para verificar a legalidade do acesso aos dados sigilosos.
No fim de semana, após um apelo da Procuradoria-Geral da República para reconsiderar a drástica medida, o presidente do STF cobrou informações detalhadas sobre os procuradores que receberam os relatórios. Nesta segunda-feira (18), acabou por recuar.
Todas essas decisões foram tomadas em caráter provisório e de forma monocrática —ou seja, Toffoli decidiu sozinho, sem que os demais integrantes da corte tivessem a chance de opinar sobre o tema.
Até agora, o principal efeito dessa atividade frenética foi a paralisia de centenas de inquéritos, dos quais o mais notório é o que tem por objeto a estranhíssima movimentação detectada pelo antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nas contas de um ex-assessor ligado à família do presidente Jair Bolsonaro.
Foram todos atirados num limbo jurídico até que a Justiça decida em quais situações houve violação da lei, e quando os órgãos de controle podem compartilhar informações sensíveis com investigadores sem autorização específica.
Espera-se que essa incerteza seja eliminada nesta quarta (20), quando finalmente o plenário do Supremo vai se reunir para examinar as decisões de Toffoli e deliberar sobre o assunto em caráter definitivo.
Em seu despacho de julho, o ministro indicou que informações genéricas poderiam ser transmitidas automaticamente pelos órgãos de controle e somente dados minuciosos, como depósitos específicos e seus beneficiários, dependeriam de autorização judicial expressa.
Mas somente o pronunciamento dos 11 integrantes do tribunal pode oferecer a segurança necessária para definir esses limites e decidir o futuro dos inquéritos suspensos por ordem do presidente da corte.
É papel do STF proteger os cidadãos contra abusos de poder e devassas promovidas sem a devida supervisão judicial. Cabe agora aos seus ministros pôr fim à prolongada indefinição criada pelas decisões de Toffoli, evitando o acirramento das tensões entre as instituições envolvidas.
STF julga mais um caso que afeta a luta contra a corrupção – Editorial | O Globo
Depois de deliberar sobre a prisão em 2ª instância, Corte trata da atuação da inteligência financeira
Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal trata de um tema que tem relação direta com a capacidade de o Estado brasileiro enfrentar o crime organizado como um todo e a corrupção em particular.
Há pouco, foi a vez da prisão a partir da confirmação de sentença em segunda instância, em julgamento no qual, por seis votos a cinco —tendo sido decisivo o do presidente da Casa, ministro Dias Toffoli —, voltou a vigorar a tradução literal da Constituição de que a pena só começa a ser executada depois de vencidos os incontáveis recursos permitidos pela legislação. Um passaporte para a prescrição dos crimes.
Menos mal que, até mesmo com aquiescência individual de Toffoli, o Congresso trabalhe para deixar clara no Código de Processo Penal a possibilidade de antecipação do cumprimento da pena. Maneira de se evitarem recuos maiores na percepção de que o Brasil é um país em que ricos e poderosos podem ficar impunes.
Outro julgamento divisor de águas ocorrerá amanhã, quando a Corte tratará da suspensão, feita em caráter liminar, por Toffoli, de investigações abertas sobre a devolução de parte dos salários dos assessores lotados no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), eleito senador.
A decisão do presidente da Corte teve amplo alcance, porque atingiu um eixo essencial no sistema de prevenção de crimes financeiros, formado pelo antigo Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Investigação Financeira), e o Ministério Público.
Ficou estabelecido que relatórios detalhados de movimentações financeiras só poderão ser entregues ao MP com autorização da Justiça. Estima-se que 446 inquéritos sobres crimes contra a ordem tributária e 193 acerca de lavagem de dinheiro estejam suspensos, junto com o caso de Flávio Bolsonaro. O preceito constitucional da privacidade precisa proteger o cidadão em todos os aspectos, inclusive na sua vida financeira. A liminar concedida por Toffoli, porém, coloca em questão um instrumento eficaz, no mundo inteiro, para o enfrentamento do crime organizado, não apenas o que opera nos desvãos da corrupção.
O Brasil assina convenções internacionais que garantem um trabalho integrado entre órgãos de inteligência financeira e o MP — e isso não significa desrespeitar direitos.
Há poucos dias, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual o Brasil se candidata, registrou sua “preocupação” com a suspensão das investigações. Há o medo de que o Brasil se torne um paraíso para dinheiro sujo.
Assim como ocorreu com a Operação Mãos Limpas, na Itália, no Brasil há uma onda de fundo político para conter a Lava-Jato e o que ela significa em termos de reação ao assalto aos cofres públicos. O julgamento não pode dar margem a interpretações neste sentido.
Linha vermelha – Editorial | O Estado de S. Paulo
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem de ser demitido imediatamente. Sua errática gestão – se assim pode ser chamada – à frente de um dos mais importantes Ministérios já seria razão suficiente para sua substituição por quadros mais qualificados, e estes não faltam no País. Mas há outra razão, muito mais séria, que torna a sua permanência no cargo uma indignidade.
Não é de hoje que o ministro se porta em desacordo com a decência que deve pautar a conduta de um servidor do primeiro escalão da República. Abraham Weintraub já veio a público exibir cicatrizes para justificar seu baixo rendimento acadêmico e já dançou segurando um guarda-chuva para fazer troça de cidadãos críticos às suas políticas para a área de educação. Também já são bastante conhecidas as suas discussões infantis no Twitter. Mas até para os padrões do bolsonarismo – que estabeleceu novo patamar de insalubridade nas redes sociais – o ministro cruzou a linha vermelha.
No feriado da República, Abraham Weintraub postou-se a defender a monarquia na rede social. A Constituição não o proíbe de ter a opinião que for sobre as formas de governo. Em se tratando de um ministro de Estado, no entanto, manifestar predileção pela monarquia é, no mínimo, uma conduta inapropriada. Mas Weintraub foi além. Acometido por algo próximo de um “surto antirrepublicano”, o ministro da Educação classificou como “infâmia” a proclamação de 15 de Novembro de 1889 e passou a desfiar uma série de aleivosias contra personagens da história brasileira ligadas ao movimento republicano.
Uma pessoa que acompanha as postagens do ministro no Twitter respondeu que “se voltarmos à monarquia, certamente você (o ministro Abraham Weintraub) será nomeado o bobo da corte”. “Uma pena. Eu prefiro cuidar dos estábulos. Ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”, retrucou o ministro da Educação. Diante da agressividade da resposta do ministro, outro cidadão, em tom jocoso, disse “ter encontrado o seu bom senso na rua, que mandou-lhe lembranças”. Mais uma vez, o ministro desceu ao rés do chão: “Quem (sic) bom. Agora continue procurando o seu pai”. Não são palavras que se supõe proferidas por um ministro de Estado, mas por um grosseirão.
É admissível que o ministro da Educação pudesse ter usado um canal público de comunicação, como hoje é o Twitter, em especial para este governo, para estabelecer um debate com a sociedade sobre os desafios que o regime republicano certamente tem de enfrentar passados 130 anos de sua vigência no País. Mas, para tanto, o ministro teria de ser outra pessoa.
Abraham Weintraub achou por bem classificar o marechal Deodoro da Fonseca como um “traidor” da Pátria e compará-lo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diante de uma estultice dessa natureza, na melhor hipótese, o ministro da Educação está absolutamente desinformado. Na pior, trata-se de alguém que se move por ressentimento, revanchismo e má-fé. Seja como for, a sua permanência à frente do Ministério da Educação é um enorme desserviço ao País.
Especula-se que Abraham Weintraub tenha sido escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez justamente para adotar esse comportamento, digamos, mais “combativo” à frente do Ministério da Educação. A ser verdade, esse modo de proceder do ministro pode muito bem ser mais uma fagulha a manter acesa a chama da militância bolsonarista nas redes sociais, mas chegará o momento em que o presidente da República precisará de uma rede de apoio muito mais ampla do que as chamadas “milícias virtuais”. Não será mantendo no cargo um ministro que avilta as tradições do Exército brasileiro e as mais comezinhas regras de conduta social que Jair Bolsonaro atingirá o objetivo.
Os brasileiros de bom senso, independentemente de suas predileções políticas, hão de estar estarrecidos com a mais recente explosão do ministro da Educação. Se ainda assim Abraham Weintraub não for substituído, o que mais pode vir?
Lei do saneamento entra em turbulenta reta final - Editorial | Valor Econômico
Duas Medidas Provisórias sobre o tema caducaram por falta de consenso
Nos próximos dias deverá ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados o novo marco regulatório do saneamento. Será a terceira tentativa em menos de um ano de se modernizar as regras da atividade, em que ainda predominam as empresas públicas e serviços claramente insatisfatórios. Basta ver os elevados índices de doenças originadas da higiene deficitária e o baixo índice de cobertura dos domicílios.
Dados recentes registrados no Sistema de Indicadores Sociais (SIS), divulgados pelo IBGE na semana passada, retratam a situação. O percentual de domicílios sem abastecimento de água por rede geral em 2018 era de 15,1%, estagnado em relação a 2017, quando era exatamente o mesmo. O número de domicílios sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial diminuiu quase imperceptivelmente entre os dois anos, de 35,9% para 35,7%. Isso não significa que todo o esgoto coletado dos 64,3% dos domicílios atendidos seja tratado antes de ser despejado em rios e oceano. Calcula-se que o esgoto tratado ronde os 45%. O melhor indicador é o da coleta direta ou indireta de lixo que, ainda assim, não atende 9,7% dos domicílios.
A situação é muito pior para a população de baixa renda, confirmando que o saneamento é também uma faceta da desigualdade social e racial. Os índices são mais precários nos domicílios com renda per capita inferior a US$ 5,50 de paridade de poder de compra (PPC) por dia, que equivale a cerca de R$ 420 por mês, critério do Banco Mundial para estabelecer a linha de pobreza. No ano passado, segundo o IBGE, nada menos que 25,6% dos domicílios dessa faixa de renda não tinham abastecimento de água por rede geral, 56,2% não possuíam rede coletora ou pluvial de esgoto e 21,5% não eram atendidos pela coleta direta ou indireta de lixo. Nada menos do que um quinto da população brasileira está nessa faixa, o que equivale a 52,5 milhões de pessoas, 72,5% das quais são pretos ou pardos.
A votação do marco regulatório do saneamento no plenário da Câmara promete ser acalorada. Duas Medidas Provisórias a respeito do tema caducaram por falta de consenso. A aprovação da mudança de regras prevista no Projeto de Lei 3.261/19, do senador Tasso Jereissati, levou mais de oito horas de debates na comissão especial da Câmara. O PL recebeu 21 votos a favor e 13 contra.
A oposição ao projeto aglutina os deputados de esquerda e governadores do Norte e Nordeste. Já o grupo a favor das mudanças atribui a situação deficitária do saneamento exatamente à predominância das companhias estatais.
Para levar o projeto de lei adiante, o relator, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), contemporizou com a oposição. Foi flexibilizado um dos pontos mais importantes do novo marco, que introduz a licitação obrigatória do serviço em concorrência aberta ao setor privado, e estabelece regras para os chamados contratos de programa, firmados sem licitação, diretamente pelas prefeituras e companhias estatais de água e esgoto.
O Projeto de Lei ganhou dispositivo que permite às companhias estatais de saneamento prorrogar os acordos em vigor no ano seguinte após a publicação da lei, desde que cumpram certos requisitos e a metas de universalização dos serviços de água (99% da população atendida) e de esgoto (90%) até 2033, como preconiza o Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2007. Isso significa que, na prática, esses contratos poderão ser estendidos por mais 30 anos. A formalização de novos contratos do tipo está, porém, vetada.
A condição para a prorrogação dos contratos é que as atuais prestadoras de serviços já garantam cobertura acima de 90% no abastecimento de água e de 60% a coleta e tratamento de esgoto. No entanto, levantamento feito pelo governo e obtido pelo Valor (11/11) mostra que esses requisitos são cumpridos em apenas 6% dos municípios, ou seja, em 343 dos 5,7 mil existentes no país, dos quais 230 são atendidos por sociedades de economia mista, 80 por autarquias, 31 por companhias privadas e dois por empresas públicas. Outro ponto de debate é o atendimento das cidades menores, que não atrairiam as empresas privadas.
Se o projeto for aprovado no plenário da Câmara, seguirá então para o Senado, onde foi avalizado em comissão em junho. Mas a divisão igualitária de número de senadores por Estado faz com que o embate seja ainda mais acirrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário