terça-feira, 19 de novembro de 2019

Andrea Jubé - “Quem corre contra o relógio é o partido”

- Valor Econômico

APB poderá repetir o roteiro da criação do PSD

A criação do Partido Social Democrático (PSD) em 2011 foi uma corrida de três mil metros com barreiras completada em tempo recorde. No meio do percurso teve greve de três meses da Justiça Eleitoral, impugnações dos partidos adversários no plano nacional e estadual e até bate-boca de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a 15 dias do prazo para que a legenda disputasse o pleito municipal de 2012.

Para repetir a proeza na criação do Aliança pelo Brasil (APB) em quatro meses, o presidente Jair Bolsonaro terá de incorporar o “Cavalão”, apelido que o consagrou na Academia das Agulhas Negras (AMAN), inclusive pela velocidade nas provas de atletismo. Ele só não quebrou o recorde do então contemporâneo de academia, o ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz que ostenta a marca de 3,6 quilômetros em 12 minutos.

Em 2011, a corrida contra o tempo irritou o ministro Marco Aurélio Mello, autor do único voto contrário ao registro do PSD ao fim do julgamento no TSE. Com a influência política do então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, na linha de frente do novo partido, o processo correu a toque de caixa nos escaninhos da Corte: 35 dias.

“Quem corre contra o relógio é o partido, não o tribunal”, protestou Marco Aurélio durante os debates. “Não podemos conceber que se deva aprovar, e de cambulhada, um partido político em seis meses”!

Os ministros discutiam se as certidões expedidas pelos cartórios eleitorais equivaleriam às emitidas pelos tribunais regionais eleitorais (TREs), como exigia a lei. Então presidente da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski observou que a paralisação da Justiça Eleitoral dificultou a obtenção dos documentos pelo partido. “Existem formalidades. Se flexibilizarmos o que está em nossa resolução ficará aberta a porta para adotar-se o mesmo procedimento quanto a outros pedidos”, protestou Marco Aurélio.

“As situações excepcionais têm de ser resolvidas excepcionalmente”, devolveu Lewandowski.

“Se será automaticamente deferido este registro, então não sei o que estou fazendo aqui”, treplicou Marco Aurélio.

A comparação da epopeia da criação do PSD com a saga incipiente em torno do APB é inevitável. O voto de Lewandowski em 2011 vale para 2020: “um partido que pretende se organizar a tempo de concorrer às eleições, com meio milhão de filiados que têm, em tese, o direito de se apresentar como candidatos a vereador ou a prefeito nas próximas eleições. Isso é que temos que ponderar, a justiça pondera valores".

Em 2011, o PSD tinha à frente o habilidoso Gilberto Kassab, que completou o percurso em cinco meses: do registro civil em 11 de maio até o julgamento em 27 de setembro. Agora o APB tem à frente o presidente da República e apenas quatro meses.

Para tentar impedir o registro, ou ao menos retardá-lo, DEM e PTB impugnaram o processo no TSE e nos tribunais regionais eleitorais. O PSL repetirá a estratégia contra Bolsonaro.

Naquele ano, a ata de fundação do PSD contou com a adesão de 32 deputados federais, dois senadores e um governador. Maior prejudicado, o DEM perdeu 11 deputados e deflagrou a guerra judicial contra Kassab. PP e MDB também perderam quadros.

Oito anos depois, o PSD experimentará o mesmo remédio amargo, perdendo quadros para o APB. O deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA), da tropa de choque do governo na CPMI das Fake News, já anunciou que vai migrar para a sigla de Bolsonaro.

A par da batalha judicial com os adversários, interlocutores de Kassab dizem que até hoje ele considera que o maior entrave à formalização do PSD foi a dramática conferência das assinaturas pelos cartórios eleitorais. O processo foi ainda mais conturbado porque a Justiça Eleitoral entrou em greve. O prazo de 15 dias fixado em lei para a conferência das assinaturas virou peça de ficção.

Com os poucos funcionários atuando em ritmo de “operação padrão”, a sobrecarga de trabalho dos cartórios aumentava por causa do recadastramento eleitoral e início do cadastramento da biometria, que começaria a ser implantada na eleição de 2012. Bolsonaro não deverá encarar uma paralisação da Justiça Eleitoral, mas há um complicador que o PSD não enfrentou: a exigência de que os apoiadores do novo partido não sejam filiados a outras legendas. Os cartórios terão de conferir as assinaturas, os números dos títulos eleitorais e a não filiação a outras siglas.

A contagem regressiva marcou o processo do PSD no TSE. Em 31 de agosto, um despacho determinava a intimação dos advogados “pelos meios mais expeditos” possíveis. Em meio aos debates, o ministro Teori Zavascki (morto em 2017) disse que a relatora, ministra Nancy Andrighi, fez contorcionismo jurídico para concluir o voto rapidamente. Ela retrucou: “não, não fiz ginástica nenhuma, data maxima venia, ministro”!

Um político do entorno de Kassab diz que Bolsonaro tem amplitude, capilaridade e estatura política para tocar com igual velocidade a criação do Aliança pelo Brasil. Mas deve se precaver de acusações de utilização da máquina administrativa em proveito pessoal.

Este político, entretanto, não vê expressiva adesão de prefeitos de cidades médias e grandes ao APB porque a confirmação da viabilidade eleitoral ocorrerá em cima do prazo para a formalização das candidaturas.

Lideranças políticas locais, os prefeitos têm muito a perder com a mudança açodada para uma legenda embrionária, que deverá nascer sem fundo partidário e tempo de televisão.

A percepção é de que o APB nascerá com envergadura, entretanto, para substituir o PSL na garantia de uma governabilidade mínima para Bolsonaro no Congresso, onde o presidente enfrenta dificuldades.

A expectativa de políticos experientes é que até 50 deputados migrem para o APB. A briga pelas cotas dos fundos partidário e eleitoral será uma outra prova de três mil metros com barreiras.

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