- O Estado de S.Paulo
Há que estimulá-las a fazer estudos e debates sobre os grandes problemas nacionais
O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez no evento O que é o Poder?, realizado em outubro por este jornal, uma declaração contundente sobre o papel que as corporações e a burocracia ocupam hoje no cenário político do País. “Nós não temos uma elite nacional. A burocracia ocupou este espaço. Infelizmente, os partidos políticos não fazem projetos de nação. Infelizmente, as universidades não fazem projetos de nação”, disse ele.
Há tempos não se ouve no Brasil um chamado tão importante como este para que as universidades ocupem um papel mais importante no cenário nacional. O que temos visto, ao contrário, são, por um lado, declarações desarrazoadas e até truculentas de ministros da Educação desqualificando as universidades públicas e, por outro, grupos parassindicais dentro delas concentrados na defesa de seus interesses corporativos.
Sucede que universidades não são apenas locais em que se aprende uma profissão, mas um espaço em que se tenta entender o mundo que nos cerca, tanto do ponto de vista físico como humano e social.
Foi assim que elas surgiram, há mais de 800 anos Começando com a Universidade de Bolonha, em 1088, onde grupos de estudantes de várias regiões da Europa se agruparam em torno de grandes professores estudando humanidades e Direito Civil.
Sucede que o imperador Frederico I (Barbarossa) do Sacro Império Romano-Germânico (1122-1190) reconheceu a importância desses estudos, sobretudo os que diziam respeito ao Direito Romano, que ele considerava fundamental para legitimar seu poder. Frederico deu autonomia e proteção à nascente universidade.
Ao longo dos séculos inúmeras outras universidades foram criadas em toda a Europa e sua autonomia – de modo geral – era respeitada como forma de garantir a qualidade dos estudos e pesquisas que realizava. Também ao longo dos séculos a procura do conhecimento e uma melhor compreensão da natureza, promovida por homens como Bacon, Galileu, Newton, Rousseau e muitos outros provocaram uma grande efervescência cultural e científica, que deu origem ao Iluminismo, o qual solapou as ideias retrógradas da Igreja Católica da época, que legitimavam monarquias absolutistas e os privilégios da aristocracia. O resultado foi a Revolução Francesa, de 1789, que criou o regime republicano que se espalhou pelo mundo todo.
Foram as grandes universidades, como Oxford (na Inglaterra), Harvard (nos Estados Unidos), Humboldt (na Alemanha) e Paris (na França), que consolidaram o avanço do progresso no mundo todo e foi nelas que se inspiraram brasileiros esclarecidos como Armando de Salles Oliveira, que criou a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. A Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro) seguiu o mesmo caminho. Essas universidades educaram gerações de profissionais e homens públicos que contribuíram muito para a formulação de políticas públicas no País.
Na USP, o reitor Miguel Reale, na década dos 1970, deu-lhe uma dimensão tal que teve influência decisiva na organização do sistema universitário brasileiro. A Escola Politécnica, antes disso, teve enorme papel na consolidação da engenharia nacional. Na área médica, o prestígio da Faculdade de Medicina e o trabalho do professor (e ministro) Adib Jatene e de Sergio Arouca, da Fiocruz, foram essenciais para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), um dos mais abrangentes do mundo. E na área ambiental o professor Paulo Nogueira Neto criou não só a legislação, como também a estrutura de todo o sistema de proteção ambiental do País.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor Alberto Luiz Coimbra criou a Coordenadoria de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), que é a espinha dorsal da pesquisa tecnológica na área de petróleo do Brasil.
Em 1987 o presidente José Sarney estimulou na USP a discussão sobre o papel dos partidos políticos e a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Esses são apenas alguns exemplos do muito que já foi feito pelas universidades brasileiras na formulação de políticas públicas para o País, em que conhecimento e competência são essenciais. Um exemplo corrente é o papel que um professor como José Pastore teve na formulação da reforma trabalhista em 2018.
Contudo não se pode esperar demais das universidades. No regime presidencialista o governo escolhe suas prioridades e seus projetos para a Nação e os submete ao Legislativo, ao mesmo tempo que tenta mobilizar a sociedade para apoiá-los.
No passado recente tivemos até governos cujos projetos de Nação foram tão mal implementados que nos levaram à maior recessão que o Brasil atravessou. O atual governo não parece ter um projeto propositivo para o País, exceto na área de costumes, e seu papel acabou sendo assumido pelo Congresso Nacional, numa espécie de “parlamentarismo branco”. Em tese, isso deveria reforçar o papel dos partidos políticos, o que lamentavelmente ainda não aconteceu. Tem razão, portanto, o ministro Toffoli ao lamentar que as universidades não estejam fazendo “projetos de Nação”, como se viu no passado.
Parece oportuno tentar recuperar esse desempenho estimulando-as a realizar estudos e debates sobre os grandes problemas nacionais. O presidente Lincoln, dos Estados Unidos, fez isto 150 anos atrás (em plena Guerra Civil Americana), criando a Academia Nacional de Ciências para “prover recomendações objetivas à nação em matérias relacionadas com ciência e tecnologia”.
Essa missão é um pouco restrita para ser copiada. Um bom começo, porém, seria proceder a uma análise objetiva de algumas políticas públicas para o País, a começar por políticas educacionais, de saúde, energia e infraestrutura, áreas nas quais a competência das universidades brasileiras é indiscutível.
*Professor emérito e ex-Reitor da Universidade de São Paulo
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