sexta-feira, 19 de junho de 2020

Reação da economia fará com que deflação seja breve – Editorial | Valor Econômico

Com a queda abissal das atividades, a cautela do Banco Central parece preciosismo ocioso

A economia brasileira teve seu pior desempenho desde a depressão dos anos 30 e as estatísticas de abril confirmaram isso, em todos os setores. Em relação a março, os serviços recuaram 11,7%, o varejo, 16,8% e a indústria, 18,8%, recordes nas respectivas séries históricas. No ano, a inflação acompanhou o mergulho da oferta e transformou-se, em maio, em uma deflação no ano de -0,16%. As previsões de que o PIB deve encolher 6,5% (Focus) pode ser um palpite otimista, diante das que apontam queda de 10%. De acordo com o Indicador de Atividade Econômica da FGV, o PIB caiu 12,9% em abril. Pelo IBC-Br, do Banco Central, o tombo foi de 15,09%, desta vez sobre abril de 2019. Estes são os piores números e possivelmente já refletem o passado.

Há enormes incertezas no horizonte, a maior parte delas derivada do desenrolar da pandemia - não só sobre o fim da primeira onda, que ainda não terminou, mas da possibilidade da segunda, com a qual se deparam China e vários Estados americanos. A economia deu sinais de fim da prostração em maio, segundo indicadores antecedentes. O fim da parada súbita pode ser também o fim de dois meses de deflação (-0,31% em abril, -0,38% em maio).

Apesar do índice cheio indicar deflação maior em maio, os principais componentes do IPCA sugerem que a variação negativa dos preços pode terminar logo. Houve alta menor em alimentação em relação a abril (0,24% ante 1,79%) e em habitação (-0,25% ante 0,1%), mas nos demais grupos a magnitude da deflação diminuiu ou os preços voltaram a aumentar. O maior impacto individual do mês veio da gasolina (-4,35%), metade da queda de abril.

No boletim Focus a previsão de inflação subiu para 1,6%, após revisões sucessivas que a haviam colocado em 1,53% na semana passada. Nesse nível muito baixo, menor do que o piso da banda de metas, o BC não tem o menor sinal de que deva interromper sua intenção de manter estímulo monetário “extraordinariamente elevado”, como reafirmou anteontem no comunicado da reunião do Copom, que decidiu por corte da Selic de 3% para 2,25%, amplamente previsto.

Como já mira 2021, o BC não pesou a balança para o lado dos fatores que podem contribuir para uma inflação ainda menor no ano, que são abundantes nas estatísticas. Estranhamente, pesou bastante os que poderiam levá-la para mais perto da meta do ano que vem (3,75%). Por todas as métricas, o IPCA de 2021 fica bem comportado abaixo da meta, em 3%. “Os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos”, afirma a nota do Copom.

Essa preocupação é exagerada, mas não é aquela na qual carrega mais as tintas, como a da descontinuidade das reformas e alterações de “caráter permanente” no processo de ajuste fiscal. O Brasil, segundo o Focus, fecha o ano com um déficit nominal de 14% do PIB, e a IEU, da revista Economist, prevê 16% do PIB. Sem um rearranjo de receitas e gastos em uma situação tão ruim, o ajuste clássico costuma ser pela inflação.

Talvez por este motivo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tenha jogado um pouco de água fria nas expectativas de que com os novos instrumentos que lhe foram conferidos (compra de títulos públicos e privados), monetizaria os déficits. Ao Financial Times, disse que esses novos instrumentos são próprios para “estabilização do mercado e não como forma alternativa de política monetária”. Há uma interrogação no ar sobre quando e se serão acionados. Campos Neto indicou que ainda “há espaço monetário na política convencional” antes de se recorrer a eles.

Há questões igualmente complexas a serem desvendadas e que influem na política monetária. A cesta de gastos dos consumidores pós-pandemia, pelas restrições conhecidas, será diferente da anterior, eliminando serviços que exigem interação social, ao mesmo tempo que parte nada desprezível da capacidade produtiva desaparecerá com a devastação econômica da pandemia, afetando a capacidade ociosa real da economia e a rapidez de fechamento do “hiato do produto” (temas levantados por (Tiago Berriel e Eduardo Zilberman, Valor, 13-5).

Com a queda abissal das atividades, a cautela do Banco Central parece preciosismo ocioso. Isso, no entanto, não o impediu de agir e de deixar a porta aberta para mais um corte, mesmo “residual”, na mais baixa taxa real de juros em décadas.

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