sábado, 11 de junho de 2022

O Que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Eletrobras de muitos

Folha de S. Paulo

Em marco do plano de privatização, gigante da energia deixa de ter controlador

Com a conclusão da oferta de ações que diluirá a participação da União no capital da Eletrobras, chega-se a um marco do longo processo de desestatização iniciado nos anos 1990. A transferência ao setor privado da empresa responsável por cerca de um terço da geração de energia no país abrirá nova etapa de investimentos no setor.

O processo de venda significa que a União passa a deter cerca de 40% do capital votante (e 36,9% do total), ante 68,6% até então. A oferta em mercado poderá movimentar até R$ 33,7 bilhões ao preço de R$ 42 por ação, avaliando a empresa em cerca de R$ 66 bilhões. A demanda total somou R$ 60 bilhões.

Além de investidores estrangeiros e institucionais domésticos, nessa quantia estão inclusos R$ 6 bilhões oriundos de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) . Estima-se que 370 mil pessoas fizeram compras.

Doravante, a governança societária impedirá que qualquer grupo, inclusive o governo, exerça poder de voto superior a 10%.

Na prática, a Eletrobras foi transformada numa corporação pública, no sentido mais estrito do termo —com ações amplamente distribuídas no mercado e gestão profissional escolhida em processos transparentes. A União preserva prerrogativas especiais, como a de impedir mudanças no estatuto que alterem essa condição.

A operação como um todo foi cercada de controvérsias, a começar por infundadas objeções ideológicas. Não há, como defendem os críticos, uma privatização do regime de águas. Ao contrário, a prerrogativa regulatória permanece estatal e o governo continuará a definir políticas públicas e parâmetros técnicos que norteiam todas as empresas atuantes no setor.

Mesmo as exigências despropositadas determinadas pelo Congresso, como a construção de usinas térmicas em locais direcionados politicamente, não obscurecem os ganhos ao final.

Para a Eletrobras, abre-se um novo capítulo. Historicamente usada para abrigar apaniguados políticos nas várias subsidiárias e amarrada por ineficiências, a companha apresenta amplo espaço para corte de custos e melhoria administrativa.

Amplia-se, além disso, a capacidade para novos investimentos —e não será surpresa se a empresa recuperar parte da participação na geração perdida nas últimas duas décadas justamente por causa do esgotamento financeiro.

Trata-se da primeira venda importante neste século de empresa diretamente controlada pelo Tesouro Nacional, o que não significa que o processo de desestatização tenha ficado inerte no período.

Concessões à iniciativa privada, realizadas por todos os governos, e alienação de subsidiárias das estatais têm contribuído para a eficiência econômica, ainda que caminhem a passos lentos as reformas do Estado brasileiro.

Ecos do Capitólio

Folha de S. Paulo

Comitê apura atos insuflados por Trump, modelo de Bolsonaro em contestar eleição

Após quase um ano de apuração, com cerca de 800 prisões e mais de 1.000 entrevistas, começou nos EUA um procedimento congressual com potencial de evento histórico na principal democracia do globo.

Na quinta (9) ocorreu a primeira audiência pública do comitê da Câmara dos Representantes que investiga as circunstâncias da invasão do Capitólio, sede do Legislativo tomada de assalto por manifestantes insatisfeitos com a derrota de Donald Trump em sua tentativa de reeleição em 2020.

Naquele 6 de janeiro de 2021, as hordas haviam sido insufladas pelo então presidente a rejeitar a sessão do Congresso que viria a validar a vitória de Joe Biden, ritual burocrático do processo eleitoral.

O resultado foram as longas horas de horror da invasão, com figuras grotescas ocupando salas e galerias do edifício, encimadas por ao menos cinco mortes, algo inaudito na história norte-americana.

A culpa do republicano no episódio é cristalina. Mas, ciente do mundo de disputas de versões da política, o comitê buscou elaborar um acervo probatório robusto sobre o ocorrido, baseado em investigação própria e de outros.

Com efeito, foi chamado de caça às bruxas por Trump. Não há dúvidas de que, com 5 de 7 integrantes sendo do Partido Democrata que se opõe ao ex-presidente, há viés na sua forma de divulgação.

Espera-se que o relatório a ser desfiado em mais cinco sessões esteja impecável tecnicamente. Não irá convencer eleitores do ex-mandatário, mas poderá estabelecer um alerta. Afinal, como disse o presidente do comitê, o democrata Bennie Thompson, o perigo subsiste: "A conspiração para frustrar a vontade do povo não acabou".

O processo não deixa de ecoar no Brasil, atormentado pela cantilena golpista de seu presidente —nada por acaso um apoiador de Trump. Jair Bolsonaro (PL) pode até considerar o ídolo "passado", como disse antes de se encontrar com Biden na quinta (9), mas sua prática é outra.

O desprezo pelo regramento democrático, o roteiro de contestação prévia de resultados eleitorais desfavoráveis e a incitação à balbúrdia institucional são elementos inerentes à conduta do mandatário brasileiro.

A provável condenação do americano no comitê poderá levar a medidas judiciais. Cabíveis, riscam no chão uma linha que, com algum otimismo, pode servir de alerta para as intentonas do bolsonarismo.

Lula quer imprensa encabrestada

O Estado de S. Paulo

Candidato petista defende que veículos de comunicação não sejam livres para publicar o que bem entendem. A isso ele dá o nome de ‘democratização dos meios’

O PT é obcecado pela ideia de uma imprensa encabrestada. O partido jamais lidou bem com a liberdade – assegurada pela Constituição – que permitiu ao jornalismo profissional e independente revelar ao País os muitos erros administrativos e os crimes cometidos por seus próceres e apaniguados ao longo dos 14 anos em que esteve no poder. Se durante todo esse tempo o PT não conseguiu moldar a imprensa à sua maneira, que fique claro que não foi por convicção democrática, mas sim por falta de apoio na sociedade e no Congresso. Fosse a imprensa “regulada” àquela época, talvez os brasileiros não tivessem tomado conhecimento de esquemas como o mensalão e o petrolão, apenas para citar dois grandes marcos da passagem do PT pela administração federal. Ao menos não com a extensão e a riqueza de detalhes com que esses escândalos ganharam a luz do dia.

A campanha eleitoral de 2022 trouxe o tema novamente ao debate público. Em entrevista ao portal Metrópoles, no dia 8 passado, Lula da Silva, atual líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, tornou a ameaçar o País com um projeto de “regulação da mídia” caso vença a eleição em outubro. Todo mundo sabe muito bem do que se trata quando o ex-presidente fala em “regulação da mídia”: um eufemismo pouco sutil para a sujeição dos meios de comunicação ao tacão estatal.

“Ninguém quer censura”, disse Lula. “O que a gente quer”, prosseguiu o petista, “é que os meios de comunicação sejam efetivamente democratizados, que as pessoas possam ouvir a oposição, que tenha sempre o outro lado falando. Não pode ser um meio de comunicação que fala só um lado.”

É um tanto peculiar essa ideia que Lula faz de “democratização” dos meios de comunicação. Ora, nos regimes democráticos as empresas de comunicação são totalmente livres para decidir o que e como publicar, e há múltiplos veículos de comunicação, que, a depender de seus valores e interesses empresariais, abordam os fatos sob diferentes ângulos. A escolha do “lado”, como disse Lula, que essas empresas decidem focalizar, tanto em coberturas jornalísticas como em editoriais ou artigos de opinião, é uma decisão legítima que diz respeito única e exclusivamente ao veículo e à sua audiência, não ao governo de turno. Não é concebível, numa democracia, que um veículo de comunicação tenha que tomar suas decisões editoriais não conforme os padrões jornalísticos, e sim segundo um modelo estatal de “equilíbrio editorial”.

Ademais, já há limites, éticos e legais para o trabalho dos veículos de comunicação profissionais e independentes. Os jornalistas profissionais são responsáveis pelo que publicam, e as empresas jornalísticas podem ser contestadas na Justiça e ter de responder por eventuais erros ou crimes contra a honra cometidos por seus funcionários. Logo, se Lula, de fato, estivesse preocupado com uma “regulação da mídia que interesse à sociedade”, nem deveria pugnar pela proposta. Os interesses da sociedade já são resguardados pelas leis e pela Constituição. O que Lula quer é outra coisa. Quer subjugar veículos para que deixem de publicar o que ele não quer que seja publicado.

O petista ainda afirmou que as mídias sociais digitais não podem “permitir que mentiras, inverdades, grosserias e ofensas façam parte da cultura brasileira”. É legítima a cobrança por maior responsabilização das chamadas big techs, mas Lula não é o mais indicado para encampar essa agenda. Há quem não se lembre, mas foi o PT que alçou a destruição de reputações por meio das redes sociais à categoria de arma política. O 4.º Congresso do PT, em 2011, marcado por ataques à imprensa, decidiu criar um núcleo de treinamento para a militância nas redes sociais, o que ajudou a abrir esse bueiro do qual saíram extremistas que hoje atacam adversários e turvam o debate público por meio de mentiras e distorções da realidade.

No ideal de uma imprensa subserviente e aduladora e na hostilidade que estimulam contra os jornalistas que ousam publicar o que não lhes convém, Lula e o presidente Jair Bolsonaro são irmãos siameses. 

Bolsonaro investe no tumulto

O Estado de S. Paulo

O presidente aproveitou as manobras de seus prepostos no STF para reinvocar ameaças golpistas; por isso é preciso que o Judiciário o deixe falando sozinho

O Supremo Tribunal Federal (STF), através da Segunda Turma, restabeleceu a cassação do deputado Fernando Francischini (União Brasil – PR), determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por divulgação de notícias falsas sobre o sistema eleitoral. A decisão consolida a jurisprudência deixando uma mensagem inequívoca ao universo político: espalhar desinformação com o intuito de semear a desconfiança sobre as eleições não será tolerado e levará, conforme a lei, à cassação dos mandatos. Nem por isso os ministros do STF Kassio Nunes Marques e André Mendonça deixaram de lograr seu intento: lançar lenha na fogueira armada pelo presidente Jair Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.

Na semana passada, Marques feriu o protocolo institucional ao derrubar monocraticamente, em vez de encaminhar ao plenário do Supremo, a decisão colegiada do TSE em desfavor do citado deputado, não por acaso bolsonarista.

Um mandado de segurança já estava em julgamento em uma sessão extraordinária do pleno, quando o ministro André Mendonça pediu vista. Paralelamente, Marques havia pautado o processo na Segunda Turma, que afinal restaurou a decisão do TSE, por três votos contra os dois – de Marques e Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro.

A derrota era anunciada. Marques e Mendonça só evitaram que fosse acachapante. Mas a senha foi passada ao presidente. Bolsonaro usou um evento denominado “Brasil pela vida e pela família” como palanque para vociferar contra a decisão, retomar ameaças golpistas, atacar o STF e a imprensa, além de confessar o mesmo crime cometido por Francischini.

Francischini afirmou, nas eleições de 2018, que as urnas não estariam aceitando votos para Bolsonaro. Nunca houve um mísero indício disso além de um vídeo flagrantemente fraudulento. Mas, segundo Bolsonaro, “esse deputado não espalhou fake news, porque o que ele falou na live eu também falei”. É mais um exemplo do arbítrio lógico, ou melhor, da lógica do arbítrio característica de Bolsonaro: se ele falou, não pode ser mentira, assim como ele já disse que, se perder as eleições, elas não podem ser limpas.

Vale lembrar que a mesma Procuradoria-Geral da República que recorreu da decisão de Marques classificou as calúnias do presidente ao sistema eleitoral como “liberdade de expressão”.

No Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, Bolsonaro defendeu que a imprensa brasileira fosse fechada por ser “uma fábrica de fake news” e voltou a invocar “centenas de fragilidades” nas urnas apontadas pelas Forças Armadas. Não há qualquer evidência nem de uma coisa nem de outra, mas importa o pretexto para ameaçar as eleições. “Eu sou o chefe das Forças Armadas. Não faremos papel de idiotas. Eu tenho a obrigação de agir”, vociferou o presidente.

Na verdade, tudo não passa de tática eleitoral. Não sabendo nem querendo governar, Bolsonaro faz a única coisa que sabe bem e que lhe garantiu votos em suas mais de três décadas na política: confrontar. Vendo a sua corrida à reeleição fazer água, Bolsonaro busca juntar suas tropas militantes e lança cortinas de fumaça para que o eleitorado esqueça a inflação, a fome, a crise na educação e na saúde e a destruição do meio ambiente.

Tentando provar a sua força, Bolsonaro só comprova seu desespero; tentando conquistar popularidade, só amplia o seu isolamento. As intenções de voto estão estagnadas e os índices de rejeição crescem. As Forças Armadas e os presidentes da Câmara e do Senado já deram sinais claros de que não embarcarão em aventuras golpistas.

Apesar dos desconfortos no Judiciário fabricados por prepostos bolsonaristas, os tribunais vêm fazendo o seu trabalho. Ainda assim, é preciso que os ministros redobrem a precaução para não se deixar levar por provocações do presidente, que certamente ficarão mais frequentes até o desfecho das eleições. A resposta do Judiciário deve ser dada não em bate-bocas que só favorecem os truculentos, e sim em decisões serenas e firmes, como esta que pôs um limite claro à desinformação. Bolsonaro deve ser deixado falando sozinho. 

O golpe de Trump

O Estado de S. Paulo

Comitê da Câmara que investiga a invasão do Capitólio por extremistas trumpistas dá ao caso o nome correto

O comitê da Câmara dos Representantes (deputados) dos EUA que investiga a invasão do Capitólio (sede do Legislativo americano) em 6 de janeiro de 2021 por uma multidão de enfurecidos seguidores do então presidente Donald Trump deu ao episódio o nome correto: tratou-se de uma tentativa de golpe.

Não se pode relativizar o que houve naquele tenebroso episódio. É preciso que haja punição exemplar para os que, a pretexto de defender a democracia, violentam justamente as instituições que a sustentam, como foi o caso da turba de vândalos que, sob o comando incontestável de seu líder Trump, inconformado com sua derrota eleitoral, tentou reverter na marra o resultado das urnas.

As cenas de militantes pró-Trump enfrentando a polícia e adentrando a sede do Congresso dos EUA, até o plenário, no momento em que os congressistas se reuniam para confirmar a vitória de Joe Biden, evidenciaram as ameaças que pairam sobre as instituições democráticas − mesmo na maior potência econômica do planeta.

Nos EUA, a resposta dessas mesmas instituições democráticas foi rápida. Horas após a invasão do Capitólio, já de madrugada, os congressistas retornaram ao prédio para oficializar o resultado das urnas. Confirmaram, assim, a maioria conquistada por Biden no colégio eleitoral, sacramentando a derrota do presidente Trump, que buscava a reeleição. Na semana seguinte, a Câmara dos EUA aprovou o impeachment de Trump, acusado de incentivar a invasão do Capitólio. Um mês mais tarde, porém, com Biden já devidamente no poder e Trump longe da Casa Branca, o Senado rejeitou o pedido.

Na última quinta-feira, o comitê da Câmara que investiga o ataque deu início a uma série de audiências públicas sobre o caso. Formado por democratas e republicanos, o comitê apresentou vídeos e depoimentos coletados ao longo de 11 meses de apuração. O material é vasto: inclui mais de mil testemunhas, desde servidores de alto escalão da Casa Branca e assessores da campanha eleitoral de Trump até familiares do ex-presidente, como a filha mais velha, Ivanka, o genro Jared Kushner e o filho Donald Trump Jr. O relatório final deverá ser divulgado em setembro e encaminhado ao Departamento de Justiça dos EUA, que decidirá sobre eventuais indiciamentos.

As primeiras conclusões, entretanto, são categóricas: o então presidente Trump é acusado de estar no centro de “uma conspiração de várias etapas com o objetivo de derrubar o governo eleito”, nas palavras do presidente do comitê, o democrata Bennie Thompson. Para a republicana Liz Cheney, vice-presidente da comissão, Trump convocou e reuniu uma multidão para “acender a chama deste ataque”. Ela declarou: “Donald Trump se foi, mas sua desonra permanecerá”.

As declarações ganham ainda mais peso com o fato de que foram transmitidas ao vivo, no horário nobre da TV americana. O objetivo, óbvio, foi dar conhecimento ao maior número possível de americanos que sua democracia, malgrado as tentativas de Trump e de seus seguidores de arruiná-la, segue vigorosa. Talvez os extremistas continuem a acreditar em suas mirabolantes teorias e estejam dispostos a causar mais confusão, mas o fato é que o regime que eles tentam subverter está mostrando sua força.

Bolsonaro deveria manter diálogo com Joe Biden

O Globo

Levando em conta a expectativa, até que foi positiva a participação brasileira na Cúpula das Américas. O presidente Jair Bolsonaro viajou para Los Angeles de má vontade, tamanho o ressentimento acumulado com o americano Joe Biden, que derrotou seu aliado Donald Trump em 2020 (Bolsonaro foi um dos últimos a cumprimentar o vencedor). O encontro bilateral com Biden na quinta-feira serviu para desanuviar o clima e estabelecer o mínimo que se espera de antagonistas ideológicos que precisam zelar pelo interesse de seus países: um convívio civilizado.

Depois de 35 minutos de conversa com Biden, Bolsonaro demonstrou ter deixado para trás ao menos parte das restrições. Considerou o encontro “maravilhoso” e, ao que parece, compreendeu a importância de manter desobstruído o canal de comunicação com a Casa Branca. Em discurso ontem, ele manteve uma sobriedade que tem sido incomum ultimamente.

Isso não significa que as desavenças tenham sumido. Tome-se o exemplo da Amazônia. Ainda na campanha eleitoral, Biden afirmara que, se eleito, destinaria US$ 20 bilhões para “o Brasil não queimar mais a Amazônia”. No encontro com Bolsonaro, se referiu à necessidade de o Brasil receber ajuda para conservar a floresta. Bolsonaro, ainda assombrado pelo fantasma da “internacionalização” que apavora militares e nacionalistas, comentou que “por vezes nos sentimos ameaçados na nossa soberania”. Não parece haver avanço tangível nessas bases.

Um tema que tinha tudo para gerar celeuma é o endosso de Bolsonaro às mentiras de Trump sobre o resultado da eleição de 2020, mantidas até hoje por seus correligionários (os Estados Unidos acompanham com atenção as conclusões da comissão da Câmara que apontou Trump como mentor da invasão do Capitólio). Mas a satisfação do presidente brasileiro sugere que a questão não atravancou o diálogo.

Bolsonaro também foi comedido ao falar nas urnas eletrônicas brasileiras. Limitou-se, antes de as portas se fecharem para a conversa particular com Biden, a afirmar desejar eleições “limpas, confiáveis e auditáveis”. Pouco depois afirmou que chegou ao governo pela democracia e concluiu: “Tenho certeza de que, quando deixar, também será de forma democrática”. É um compromisso que lhe deve ser cobrado sempre que retomar sua retórica golpista.

Tudo caminhava para Bolsonaro nem comparecer ao encontro de Los Angeles, que já não contaria com o mexicano Andrés Manuel López Obrador, contrariado pelo veto dos Estados Unidos à presença dos ditadores de Venezuela, Nicarágua e Cuba. Sem Brasil nem México, os dois maiores países latino-americanos, a Cúpula de Biden naufragaria. Para evitar o desastre, ele enviou seu assessor especial Christopher Dodd a Brasília, que costurou o encontro bilateral.

O balanço positivo significa que a conversa fluiu sem desentendimentos insuperáveis. Claro que Bolsonaro está longe de ter vencido sua deficiência crônica no front externo. Sempre pesarão contra ele a política ambiental desastrosa, o alinhamento incondicional a autocratas como Trump ou o húngaro Viktor Orbán, a visita descabida a Vladimir Putin antes da invasão da Ucrânia e até a tentativa ridícula de levar a campanha eleitoral para a Flórida, com um passeio de motocicleta previsto para hoje. Mas foi importante, quase no fim do governo, ter estreado na diplomacia como ela deve ser exercida.

STJ tomou decisão certa ao limitar a cobertura dos planos de saúde

O Globo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu num caso de enorme repercussão que os planos de saúde não terão a obrigação de cobrir exames e procedimentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), exceto quando não houver tratamento similar na lista. A decisão levantou a previsível grita de grupos de defesa do consumidor e especialistas em saúde, que viram nela a submissão da Justiça e da ANS aos interesses e à ganância dos planos de saúde, cujos lucros são vistos como abusivos diante do direito universal à saúde estabelecido na Constituição.

Os ataques reverberaram também porque a clientela dos planos está atônita diante dos reajustes autorizados pela ANS neste mês (15,5% em média). A oposição mais veemente veio de associações ligadas a pacientes cujos tratamentos não estão previstos no rol da ANS, como autistas ou portadores de certos tipos de câncer. É esperado que os insatisfeitos levem o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em que pese o drama das famílias que terão mais dificuldade para obter tratamento, a decisão do STJ está correta. Primeiro, por trazer clareza a um universo cinzento. Um estudo anterior à pandemia verificou que, entre 2008 e 2017, as demandas relativas a saúde na Justiça cresceram 130%. Entre 2015 e 2020, resultaram em mais de 2,5 milhões de processos, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Há uma indústria de advogados dedicados a processar os planos de saúde, uma vez recusados tratamentos. É uma situação absolutamente insustentável e injusta para os pacientes. Os planos são incentivados a negar procedimentos, porque sabem que nem todos irão à Justiça, e só quem pode arcar com o custo dos processos obtém acesso ao recomendado.

O segundo motivo para o acerto do STJ é econômico. Ao estipular regras claras, em vez de deixar tudo ao alvitre do juiz de ocasião, a decisão contribui para assegurar maior eficiência ao negócio dos planos e, indiretamente, garantir melhores preços ao mercado (com a queda no custo da judicialização). Evidentemente, a contrapartida é que haja mais afinco da ANS na manutenção de um rol de procedimentos compatível com os melhores tratamentos disponíveis. Em vez de se submeter aos desígnios dos planos, a agência precisará ser rigorosa ao manter uma lista completa e exaustiva. Isso será também do interesse das seguradoras, pois serão obrigadas a cobrir o que não tiver similar nesse rol.

Zelar pelo direito à saúde é dever do Estado. Isso exige recursos abundantes — trata-se de um “direito positivo”, no jargão jurídico-filosófico. Embora a lei brasileira seja deficiente na atribuição desses recursos, o país dispõe de um sistema de saúde público universal e gratuito, o Sistema Único de Saúde (SUS), de qualidade irregular (há áreas de excelência internacional, enquanto o grosso da população é sujeito a condições precárias). Garantir a qualidade do SUS aliviaria a carga que recai sobre a população que busca saúde suplementar. É nisso que o governo deveria investir.

Um comentário:

Unknown disse...

O Estadão parece estar vivendo no mundo da fantasia ... Os diretores da ANS respondem a que interesses? São indicados por quem? Os juízes que julgam são comprados por quais corporações?