sábado, 11 de junho de 2022

Ricardo Rangel: A retaguarda do atraso

Revista Veja

Na lida com o meio ambiente, o Brasil de Bolsonaro só piorou

Junho é o mês da conscientização ambiental. No dia 5 se comemorou o Dia Mundial do Meio Ambiente. O Dia Nacional da Educação Ambiental foi dia 3. O Dia Mundial dos Oceanos, 8. Dia 13 é o aniversário do primeiro Jardim Botânico do Brasil. E dia 17 é o Dia Mundial de Combate à Desertificação.

Meio ambiente, como se sabe, é tema no qual o Brasil, dono da maior floresta úmida do mundo, se destaca. De acordo com o Imazon, o desmatamento em 2021, de mais de 10000 quilômetros quadrados, foi o maior desde 2008: um crescimento de 29% em relação aos mais de 8000 quilômetros quadrados de 2020 (até então o maior da década). Segundo o Ipam, o desmatamento na Amazônia cresceu 56,6% no governo Bolsonaro. A Amazônia é só o aspecto mais crítico de um problema que alcança todos os biomas do país.

Ninguém deve se surpreender. Desde a posse, Jair Bolsonaro fez de tudo para inviabilizar o combate ao desmatamento. Seu ministro Ricardo Salles demitiu 21 dos 27 superintendentes do Ibama, e nomeou gente que nada entendia do assunto. No ICMBio, substituiu os profissionais da área por PMs. Cortou os orçamentos, engessando os órgãos ambientais. Reduziu o número de analistas e fiscais e aumentou a burocracia. Elogiou madeireiros ilegais (“homens de bem”) que haviam incendiado um caminhão-tanque do Ibama. O Brasil aplica hoje o menor número de multas por crimes ambientais em vinte anos, menos da metade do que já foi.

Combater o desmatamento é garantia de exoneração. Ricardo Galvão, do Inpe, caiu porque provou que o desmatamento estava aumentando. O superintendente da PF do Amazonas, Alexandre Saraiva, que apresentou notícia-crime contra Salles por atrapalhar o trabalho da Polícia Federal, foi transferido para o Rio de Janeiro (o ministro ficou onde estava).

No Congresso, o governo garantiu anistia a desmatadores, avançou com o “PL da Grilagem” e aprovou o menor orçamento para proteção de florestas em vinte anos. Bolsonaro hostiliza nações amigas, mentiu na ONU que o Brasil não desmata e, na COP-26, prometeu metas que não pretende cumprir. A narrativa de que os países desenvolvidos seriam os “culpados” pelo aquecimento global caiu: o site Carbon Brief informa que, desde 1850, o Brasil é o quarto maior emissor.

Primeiro de junho foi o Dia da Imprensa e 7, o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Em 2020, a família Bolsonaro atacou a imprensa 469 vezes; em 2021, foram 331 só no primeiro semestre. Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas, em 2021 a Empresa Brasil de Comunicação, órgão governamental, censurou seus jornalistas 138 vezes. Só a ditadura foi mais hostil.

Quando o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips desapareceram na Amazônia, Bolsonaro afirmou que a “aventura” dos dois não era “recomendável”, culpando as vítimas pelo ocorrido. E que “torcia” para que fossem encontrados, como se fosse mero observador. O Exército soltou uma nota vinculando uma missão de busca e salvamento ao “Escalão Superior”, sugerindo que Bolsonaro não teria autorizado a ação.

Em 1985, o deputado Fernando Lyra definiu José Sarney como “vanguarda do atraso”. Era um elogio. Se estivesse vivo, Lyra diria que o Brasil de hoje é a retaguarda do atraso.

Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793

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