quinta-feira, 12 de março de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Coronavírus não está na agenda de Bolsonaro – Editorial | O Globo

Alheio à realidade, presidente dá demonstrações de que não sabe a dimensão da crise à sua frente

Até agora o Ministério da Saúde tem dado conta da ameaça do coronavírus, enquanto ela se dá por meio de viajantes de estrato social mais elevado que foram contaminados em viagens ao exterior.

O ministro Luiz Henrique Mandetta e equipe se articulam com secretarias estaduais e outros órgãos, enquanto tratam, corretamente, de manter a população bem informada sobre a ainda incipiente evolução da doença no país, e com informações úteis de prevenção, para o cotidiano. Cria-se a consciência de que um surto no Brasil é inevitável, o que é necessário para que a população também se proteja.

Mas o Executivo, com o presidente Jair Bolsonaro na liderança, precisa trabalhar para que não apenas planos e protocolos estejam prontos quando o vírus acelerar a sua disseminação, dentro da sua característica, mas também a fim de preparar um amplo programa de abertura de leitos na rede de saúde etc. A depender do estágio da contaminação e das condições do paciente, o tratamento tem de ser feito em UTIs, um dos elos frágeis do sistema de saúde no Rio e em outros estados.

Pode ser que o Ministério da Saúde já tenha avançado nesta direção, mas é essencial o envolvimento do chefe da nação no assunto. Tem sido assim no mundo. Do presidente chinês Xi Jinping ao primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Mas infelizmente Jair Bolsonaro continua a funcionar em outra frequência, longe da realidade factual.

A dessintonia fica exposta em comentários e atitudes diante de uma crise mundial que pode rivalizar com a da Grande Recessão, iniciada em 2008 em Wall Street. Na viagem aos Estados Unidos, para jantar com o colega americano Donald Trump, o presidente brasileiro se excedeu.

Desinformado, Bolsonaro demonstrou não entender as implicações da vertiginosa queda da cotação do petróleo no mercado internacional, de US$ 60 para US$ 30. Talvez condicionado pelo senso comum entre os consumidores de combustíveis — por exemplo, os caminhoneiros, uma de suas bases eleitorais —, de que quanto mais barato o petróleo, melhor. Não necessariamente. O mergulho das cotações colocou em suspenso centenas de bilhões de dólares de investimentos na exploração, inclusive no Brasil. Prejudicou a Petrobras.

O presidente, assim, dá a entender que lhe escapa a conexão entre a derrubada da cotação do petróleo, causada por uma queda de braço entre dois grandes produtores, Arábia Saudita e Rússia, e as forças recessivas já liberadas no mundo pela paralisação de linhas de produção provocada pelo coronavírus a partir da China. Um problema turbina o outro.

Se entendesse essa mecânica, não comentaria que queda de Bolsa “acontece esporadicamente”. Enebriado de ideologia, o presidente também acusa a “grande mídia” pelo abundante noticiário econômico negativo. Nem desdenharia do coronavírus — “não é isso tudo (...).” É preciso trazer Bolsonaro para a realidade e explicar-lhe o que está acontecendo.

Crise lembra ao Rio para não errar nos royalties pela segunda vez – Editorial | O Globo

A queda no preço do petróleo é mais um alerta ao estado para que não considere a sua receita fixa

O Rio pode enfrentar pela segunda vez a maldição do petróleo. Acompanham a história secular do hidrocarboneto casos de países e regiões que enriqueceram ao produzi-lo nos momentos de cotações em alta, e depois foram à bancarrota quando os preços caíram ou o petróleo, um bem finito, acabou. Esta maldição não é pura magia, porque, para se realizar, precisa da conivência de governos e políticos em geral.

O mergulho da cotação do petróleo, segunda-feira, de US$ 60 para a faixa de US$ 30, foi em parte compensado terça-feira. Mas não se sabe como evoluirá a guerra de preços entre a Arábia Saudita do afoito príncipe ditador Mohammed bin Salman e a Rússia do homem forte Vladimir Putin. Para pressionar Putin a cortar a produção, junto com o reino, a fim de forçar um aumento de preço, MbS manobrou para derrubar as cotações. Assustou os mercados, porque o preço da energia é peça fundamental em qualquer economia.

Para o Rio, a cotação do petróleo infelizmente condiciona forte e crescentemente a situação financeira do governo do estado e de muitos municípios fluminenses, principalmente ao Norte, muito beneficiados pelo recebimento de royalties do petróleo e gás da Bacia de Campos e, cada vez mais, de áreas do pré-sal, em fase de aumento da produção. A cotação internacional é que determina o valor dessa indenização, o royalty. Só na queda de segunda-feira, a estimativa de receita do Rio encolheu R$ 2,3 bilhões. Da União, mais de US$ 12 bilhões.

Políticos e governantes fluminenses não foram capazes de formular um projeto de desenvolvimento que usasse os recursos abundantes vindos da exploração do petróleo para preparar a economia a reduzir a sua dependência dos royalties. Fazem o oposto. No primeiro ciclo do petróleo de que o Rio se beneficiou, durante governos do PT, quando o pós-sal da Bacia de Campos foi fonte generosa de royalties para o estado, boa parcela do dinheiro foi desperdiçada em obras de fachada e ainda terminou elevando a aposentadoria da elite dos servidores. O barril chegou a ser negociado acima dos US$ 100, mas desabou para abaixo dos US$ 40 — como agora — e apanhou o Rio na armadilha do aumento de despesas engessadas com esses recursos, que não são estáveis, porque oscilam.

O estado, também devido à recessão nacional, quebrou e hoje depende de um Regime de Recuperação Fiscal cujas metas não cumpre como deveria. Resta saber como governantes e políticos se comportarão no novo ciclo de bonança que está sendo criado pelo avanço da produção no pré-sal. A queda das cotações devido ao choque entre sauditas e russos é um recado ao Rio de Janeiro. Para que não cometa o mesmo erro pela segunda vez.

O perigo econômico da inação – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mercados voltaram a desabar e a pandemia foi declarada, mas o governo brasileiro ainda se negava a reconhecer uma emergência econômica

Mercados voltaram a desabar, a pandemia foi declarada, o governo americano prometeu liberar US$ 200 bilhões, europeus anunciaram investimentos de 25 bilhões de euros e novas medidas de proteção se multiplicaram, mas o governo brasileiro ainda se negava, ontem, a reconhecer uma emergência econômica. A “resposta sólida” à crise externa e aos desafios internos é mesmo a realização de reformas, insistiu o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, ao apresentar a nova grade de projeções para 2020. Embora quase menosprezando a crise e os tais desafios, a Secretaria de Política Econômica reduziu de 2,4% para 2,1% o crescimento estimado para este ano, mas com o cuidado de manter fora das contas, por enquanto, possíveis efeitos da queda de preços do petróleo. No mercado, a mediana das projeções de crescimento já havia caído para 1,99% na sexta-feira, antes, portanto, da onda de pânico mundial dos últimos dias.

Em quanto tempo será aprovado o tal conjunto de reformas? O Congresso ainda esperava, ontem, o projeto de reforma administrativa prometido pelo Executivo para logo depois do carnaval. Também faltava receber as prometidas contribuições do Ministério da Economia às propostas de reforma tributária. Não fazem diferença, afinal, para a “resposta sólida” à crise externa e aos tais desafios internos?

Pelo menos uma voz destoou, no entanto, da quase indiferença da maior parte do governo. A hipótese de uma ação especial foi mencionada, no Rio de Janeiro, pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Ele recordou a importância do papel contracíclico do banco em momentos de insegurança nos mercados.

O BNDES, afirmou, tem caixa e condições de liquidez para aumentar os empréstimos, se houver necessidade, podendo realizar neste ano desembolsos entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões. “Nosso papel contracíclico neste momento”, explicou, “é manter as linhas abertas e inalteradas.” Em outros momentos o banco foi, além disso, atuando de modo mais firme e determinado para sustentar a atividade econômica. Mas, de toda forma, o reconhecimento de um quadro crítico já é um dado muito positivo, quando as principais figuras do Ministério da Economia agem como se qualquer risco fosse ainda remoto.

O Banco Central (BC) continua sendo, por enquanto, a fonte mais segura de ação contra os efeitos econômicos da nova pandemia. A possibilidade de mais um corte de juros foi indicada em nota publicada há mais de uma semana, no dia 3. Final da nota: “O Banco Central enfatiza que as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do surto de coronavírus na trajetória prospectiva de inflação no horizonte relevante da política monetária”. Não se trata, obviamente, apenas dos efeitos na inflação, mas do impacto da epidemia – agora pandemia – numa atividade econômica já muito fraca.

O espaço para uma nova redução dos juros básicos foi evidenciado, mais uma vez, com a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro. No mês passado o IPCA subiu 0,25%, a menor taxa para o mês desde o ano 2000. A alta acumulada em 12 meses ficou em 4,01%, praticamente em cima da meta deste ano (4%). Preços por atacado têm sido pressionados pelo câmbio, há meses, mas o repasse ao varejo tem sido dificultado principalmente pelo desemprego, ainda muito alto, e pela baixa qualidade das ocupações disponíveis no mercado brasileiro.

O estado das contas públicas limita, naturalmente, as possibilidades de ação oficial contra os efeitos econômicos do vírus. Mas a limitação maior é a negação da gravidade dos desafios. Com o reconhecimento haveria, provavelmente, maior empenho na busca de respostas. As possibilidades incluiriam estratégias baseadas no uso do BNDES e de outros bancos estatais. Mas para isso seria preciso admitir uma emergência negada pelo presidente da República e pelo ministro da Economia.

Não é à toa que estamos onde estamos – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde 2014 houve um sistemático uso da Lava Jato para atacar o Congresso e o STF

Em entrevista coletiva para apresentar um balanço dos seis anos da Operação Lava Jato – a primeira fase foi deflagrada no dia 17 de março de 2014 –, o procurador da República Deltan Dallagnol fez críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso. “Depois de seis anos, o combate à corrupção está mais difícil que no início da Lava Jato”, disse o coordenador da força-tarefa no Paraná, atribuindo essa maior dificuldade a decisões do Poder Legislativo e do Supremo. “O fato é que o poder político tem a lei na mão e pode dobrá-la”, disse.

Tais críticas ao Legislativo e à cúpula do Judiciário não são inéditas. Ao longo dos últimos seis anos, o País acostumou-se a ouvir esse discurso de afronta às instituições na boca de vários integrantes da Lava Jato. Instituições fundamentais do Estado Democrático de Direito foram insistentemente apresentadas como inimigas dos anseios da população e contrárias a qualquer avanço do combate à corrupção. No final do ano passado, por exemplo, Deltan Dallagnol recebeu uma advertência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em razão de comentário ofensivo contra integrantes do STF.

Não é exagero. Desde 2014, houve uma sistemática utilização do prestígio da Lava Jato para atacar o Congresso e o STF. Tal movimento pode ajudar a explicar o inusitado panorama que se observa atualmente no País.

Após mais de três décadas de retorno à democracia, seria de esperar que os elementos essenciais do Estado Democrático de Direito estivessem razoavelmente arraigados, tanto no âmbito institucional como na esfera social, entre a população. Em princípio, o contraste com o regime ditatorial anterior deveria promover uma adesão cada vez maior dos cidadãos aos princípios democráticos. No entanto, observa-se, nos últimos anos, fenômeno oposto, com crescentes ataques de parte da população e de autoridades que não conhecem seu lugar ao Congresso e ao Supremo, instituições fundamentais de uma democracia representativa.

Há uns anos seria impensável que pessoas fossem às ruas pleitear o fechamento do Congresso ou do STF. Décadas antes, a população tinha batalhado justamente pelo oposto, exigindo o livre funcionamento do Legislativo e a independência do Judiciário. Nos tempos estranhos de hoje, há quem afirme, sem maiores pudores, que o Congresso prejudica o País.

Na formação desse cenário tão esquisito, não se pode ignorar os efeitos da desinformação. A disseminação massiva de fake news contra as instituições democráticas confundiu e continua a confundir muitos corações e inteligências. Ao mesmo tempo, é inegável que a atuação de integrantes da Lava Jato contribuiu para difundir um sentimento de ojeriza em relação ao Congresso e ao Supremo.

A despeito dos erros que possa ter cometido ao longo do caminho, a Operação Lava Jato produziu, incontestavelmente, resultados positivos impressionantes. A força-tarefa não apenas possibilitou a devida responsabilização de muitos criminosos poderosos, cujos crimes antes ficavam acintosamente impunes, mas contribuiu para que o País atingisse um novo patamar ético no ambiente de negócios. Trata-se de um feito e tanto. Uma operação de investigação foi capaz de renovar nos brasileiros a confiança em seu próprio país.

Todos esses resultados asseguraram à Lava Jato um grande prestígio perante a população. Por mais que depois tenham vindo à tona práticas e procedimentos fora dos limites legais, a Operação Lava Jato continua sendo um orgulho nacional. Tal auréola de honestidade e lisura acarreta, é fato da vida, imensa responsabilidade. Por exemplo, o que Deltan Dallagnol fala tem um enorme impacto sobre o imaginário coletivo, maior até mesmo do que ele próprio imagina.

Com seis anos de Lava Jato, é mais que hora de o Ministério Público refletir sobre as consequências da atuação de seus membros. Uma instituição cuja missão é defender a ordem jurídica e o regime democrático não pode, em hipótese alguma, contribuir para que se crie um sentimento de desprezo pelo Congresso e pelo Judiciário.

O vazio deixado pela inépcia do MEC – Editorial | O Estado de S. Paulo

Diante da omissão do MEC, prefeituras e Estados adotaram planos próprios de alfabetização

Cansados de esperar pelos projetos do Ministério da Educação (MEC) para os diferentes níveis de ensino, tal a inépcia administrativa da pasta no primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro, vários secretários municipais e estaduais de Educação decidiram atuar na área com critérios próprios, independentemente das diretrizes que a União vier a anunciar no futuro. Com essa iniciativa, eles estão mostrando que o País pode funcionar sem depender de Brasília em algumas áreas importantes.

Uma delas é a área da alfabetização. Em abril de 2019, o governo federal baixou um decreto impondo um novo Plano Nacional de Alfabetização. Mas somente agora, dez meses depois, ao anunciar o programa Tempo de Aprender, explicou como o implementará. Na elaboração desse plano, as autoridades educacionais não ouviram os secretários estaduais de Educação. O plano foi recebido com muitas reservas pelos especialistas. Segundo eles, além de o MEC ter ignorado a Constituição, que recomenda a participação das instâncias municipais, estaduais e federais na formulação da política educacional, a Secretaria de Educação Básica do MEC estaria sob comando de um dirigente que privilegia viés político e religioso em detrimento de critérios técnicos. Os especialistas também afirmam que, em vez de circunscrever sua atuação à apresentação de diretrizes e apoio financeiro em matéria de alfabetização, respeitando a autonomia das redes públicas de ensino, o órgão está impondo uma pedagogia polêmica e condicionando sua adoção à concessão de assistência técnica e financeira.

Por isso é que muitos municípios e Estados preferiram continuar fazendo o que haviam iniciado por conta própria no decorrer do ano passado. Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), na parte relativa à formação de professores o programa Tempo de Aprender nem sequer faz referências à Base Nacional Comum Curricular, que define o que as redes de ensino devem ensinar. Críticas semelhantes foram feitas pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). As redes públicas sob sua responsabilidade concentram 69% dos alunos do ensino infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.

As duas entidades temem que, por seus integrantes não terem participado das discussões sobre as diretrizes do programa, o Tempo de Aprender colida com as ações já desenvolvidas em cada Estado.

Com a paralisia do MEC em 2019, vários prefeitos e governadores pediram apoio ao chamado terceiro setor, integrado por organizações não governamentais, entidades da sociedade civil e institutos financiados pela iniciativa privada e por organismos internacionais, com o objetivo de receber auxílio técnico na elaboração de material escolar e formação de professores.

Um dos Estados mais bem-sucedidos, graças a essa assessoria, foi o do Ceará. Entre outras iniciativas, ele mudou a legislação estadual para vincular o repasse de parte do ICMS a critérios de desempenho escolar. A medida acabou sendo copiada – com uma ou outra alteração, por causa das peculiaridades de cada região – pelos Estados de Alagoas, Amapá, Pernambuco, Sergipe e Espírito Santo. Mato Grosso do Sul, Maranhão e Piauí também já adotaram iniciativas semelhantes.

No início de sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que suas prioridades em matéria de ensino seriam a educação infantil e a educação fundamental. Mas, ainda que estas sejam de fato uma necessidade urgente – como tem sido evidenciado pelo baixíssimo desempenho dos alunos desse ciclo no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, seu governo quase nada fez na área. A situação só não é calamitosa porque prefeitos e governadores souberam agir com prudência, ocupando o espaço vazio deixado pela União.

Viabilizar o Fundeb – Editorial | Folha de S. Paulo

É desejável ampliar o fundo do ensino básico, respeitado o equilíbrio fiscal

O Congresso está prestes a tomar a decisão mais importante a respeito da educação nacional em uma década e meia. Nas próximas semanas, deve votar a renovação constitucional do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb, que expira neste ano.

Em termos simplificados, o Fundeb é uma conta pela qual se determina quanto os estados mais pobres devem receber da União a fim de viabilizar um gasto mínimo por estudante do ensino básico.

Parte das receitas dos governos estaduais destinadas à educação é incluída na conta do fundo, e a área federal contribui com cerca de 10% desse montante. No ano passado, o Fundeb somou R$ 168,5 bilhões, o equivalente a 40% da despesa em educação fundamental e média.

O dinheiro da União elevou o gasto médio por aluno em Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará e Paraíba. O valor mínimo per capita dos anos iniciais do ensino fundamental ficou em R$ 3.044 no ano passado.

O Fundeb contribuiu para atenuar desigualdades regionais, melhorar a qualificação do magistério e reduzir o número de estudantes por turma. Mas permanecem disparidades elevadas entre estados e, sobretudo, municípios.

A proposta em discussão no Congresso prevê que a União eleve sua contribuição ao fundo para 20%. Parte do dinheiro extra adviria da receita do salário-educação, o que tende a deixar a descoberto o financiamento de materiais didáticos, alimentação e transporte escolar.

Propõe-se ainda que haveria critérios para direcionar mais verbas para regiões carentes, e parcela da distribuição seria condicionada a melhorias na qualidade.

De resto, faltam definições justamente de como incrementar a qualidade da educação e um sistema de distribuição de recursos de algum modo acoplado à redefinição de gestão e práticas de ensino.

O Brasil gasta pouco por aluno, por falta de renda. A despesa no setor não é pequena como proporção do Produto Interno Bruto, e os resultados são inferiores aos de vários países semelhantes em termos de desembolso e desenvolvimento.

De todo modo, é imprescindível renovar a vigência do Fundeb —e desejável ampliar os recursos destinados ao mecanismo. Tal decisão, complexa em cenário de severa restrição orçamentária, não pode ser movida a voluntarismos.

Cabe especialmente ao Congresso, dada a inapetência do governo Jair Bolsonaro para temas relevantes, conduzir o debate para o financiamento sustentável do fundo.

Ambições czaristas – Editorial | Folha de S. Paulo

Em manobra por novo mandato, Putin degrada ainda mais a democracia na Rússia

Nunca houve muita dúvida de que Vladimir Putin, dado o seu apetite pelo poder, buscaria manter-se no comando da Rússia após a atual Presidência —sua quarta e, de acordo com a Constituição, sem possibilidade de reeleição.

A questão sempre foi como ele faria isso. Nesta semana, o líder russo descerrou as cortinas e apresentou seu plano ao público.

A estratégia começou a ser visível em janeiro, quando o mandatário, de maneira inesperada e casuística, reformou o governo, retirando do cargo de premiê o antigo aliado Dmitri Medvedev, e propôs um referendo com o objetivo de emendar a Carta Magna.

Naquele momento, especulou-se que Putin, há 20 anos no poder, buscaria manter o domínio por meio de algum arranjo criativo, como tornar-se uma espécie de “superpremiê”, com um Parlamento fortalecido, ou comandar um redivivo Conselho de Estado, com poderes ampliados.

Na terça-feira (10), contudo, soube-se que ele tem em mente um passo mais simples e direto —continuar disputando a Presidência. Para dar forma à manobra, o líder russo promoveu um balé político que teve início na Duma, a Câmara baixa do Parlamento, durante a votação da reforma constitucional.

Na sessão, uma deputada do partido governista apresentou uma proposta até então inédita: os mandatos presidenciais deveriam ser zerados com a nova Carta, abrindo, assim, espaço para o presidente se candidatar novamente em 2024 e repetir a dose em 2030.

Em seguida, o próprio Putin subiu ao palco legislativo. Sua rara visita à Duma, explicou, devia-se ao propósito de falar “sem demora” aos parlamentares.

Em discurso transmitido pela televisão, afirmou que apoiava a proposta de disputar um novo pleito, e defendeu que, embora a Rússia deva se transformar em um país no qual o presidente mude regularmente, ela ainda não está preparada para tais mudanças, em razão de ameaças externas e domésticas à estabilidade do Estado.

Buscou ainda dar fumos legalistas à discussão, ao declarar que só aceitaria a possibilidade de continuar concorrendo se a corte constitucional concluísse que a emenda se coaduna com a Carta —praticamente uma formalidade, dado o controlado sistema político.

Com cinismo, Vladimir Putin vai trilhando o caminho de líderes autoritários das mais diversas regiões e matizes ideológicas —o uso de capital político para mudanças legais destinadas ao prolongamento de mandatos. Degrada, com isso, a democracia em seu país.

Governo opta pela inação na iminência de uma crise – Editorial | Valor Econômico

O governo deveria estar se preparando para enfrentar uma crise potencialmente destrutiva, mas opta pela autodestruição

O presidente Jair Bolsonaro persegue inimigos imaginários, enquanto ameaças reais e imediatas que rondam o país o obrigariam a um realismo do qual parece incapaz. Não se sabe a extensão e a gravidade dos danos que o coronavírus causará ao Brasil, mas Bolsonaro não se preocupa com o assunto e o menospreza. O vírus “não é isso tudo que a grande mídia propaga”, disse Bolsonaro em Miami. Na segunda-feira a Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado - e os mercados no exterior, trilhões de dólares. O presidente então disse que “é melhor o petróleo cair 30% do que subir 30%” e que não se trata de uma crise - só mais uma invenção da imprensa.

Uma epidemia vigorosa, uma correção de preços avassaladora nos mercados financeiros e a ameaça de recessão global encontram o Brasil às voltas com outra doença que está se tornando crônica: a falta de crescimento. O presidente e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstram a serenidade dos alienados diante dos riscos. Guedes, que adora suas próprias frases, disse que o Brasil vai “reacelerar” enquanto o mundo faz o caminho contrário. O presidente chamou um palhaço profissional para imitá-lo, distribuir bananas aos jornalistas e nada falar sobre o PIB inaugural de seu governo de 1,1%, inferior aos 1,3% dos dois anos anteriores.

Guedes disse que não há “plano B” para enfrentar uma possível desaceleração forçada da economia brasileira, que se arrasta após sair de grave recessão. Bolsonaro sequer vê crise em parte alguma, ainda que ele próprio seja o causador de várias delas, como a do orçamento. Ele conseguiu ao mesmo tempo denunciar um acordo feito por seu governo e depois pedir que o Congresso rejeite outro projeto sobre o assunto enviado pelo próprio Planalto.

O governo fez acerto com os líderes do Congresso para devolver R$ 15 bilhões à discrição do Executivo. Ele foi bombardeado pelo ministro Augusto Heleno, que não deveria se meter no assunto e cuja missão é, como o nome do gabinete que dirige indica, zelar pela segurança institucional. Heleno vociferou contra a “chantagem” do Congresso, soltou um palavrão e disse que o povo precisava ir às ruas para defender o presidente contra o Legislativo. O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que intermediou o acordo, foi insultado por bolsonaristas, que preparam manifestação no dia 15 contra as instituições. Novo acordo foi feito, os vetos do Executivo foram mantidos, mas Bolsonaro insiste na lorota de que não fez qualquer barganha, embora insinue que a manifestação não ocorrerá se o Congresso abrir mão de R$ 15 bilhões - briga por caraminguás diante de receita da União estimada em R$ 3,6 trilhões.

Ao repassar vídeos da convocação de protestos contra o Legislativo e o Judiciário, o presidente provocou uma crise. Esquivou-se dizendo que utilizara rede privada, acessada “apenas” por algumas dezenas de pessoas. Mas antes de embarcar para os EUA fez um apelo a seus seguidores para que participem dos protestos - afronta explícita às instituições às quais o presidente, por dever constitucional, tem de proteger e com as quais deve buscar relacionamento harmônico. Os defensores de Bolsonaro, como qualquer outro grupo de cidadãos, têm o direito de se manifestar contra o que quiserem, quando quiserem. O presidente, porém, não pode insuflar a ira contra outros Poderes porque eles rejeitaram muitas de suas propostas absurdas, violentas e antidemocráticas.

O governo deveria estar se preparando para enfrentar uma crise potencialmente destrutiva, mas opta pela autodestruição. A nomeação de uma funcionária pela secretária de Cultura, Regina Duarte, foi anulada pelo Diário Oficial e a atriz, após conceder entrevista em que aponta a existência de uma “facção” contra ela, foi advertida por Ramos. O termo, disse, “dá a entender que há divisões inexistentes e inaceitáveis em nosso governo”. Pouco antes, Bolsonaro se queixou das “facadas no pescoço” que leva em seu próprio gabinete e seu filho, Carlos Bolsonaro, tuitara que “é visível que o presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com o ego maior que a cara” - talvez uma referência a Ramos.

Jair Bolsonaro têm a obrigação de agir contra uma crise sanitária e econômica séria. Há arsenal de medidas conhecido, que governos liberais e austeros estão tomando e que não rompem com o modelo advogado por Guedes. O governo já deveria estar agindo com atenção e cuidado sobre as expectativas - mas se ocupa em tempo integral de estimular as piores delas.

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