quinta-feira, 12 de março de 2020

Bruno Boghossian – Sociedade limitada

- Folha de S. Paulo

Com retaliação de R$ 20 bi, parlamentares podem virar sócios do governo na crise

Durou pouco mais de um ano a ilusão de que o Congresso havia jurado amor eterno à agenda de aperto nas contas públicas. Em mais um momento tenso nas relações com o Planalto, os parlamentares decidiram espetar no governo um gasto extra de R$ 20 bilhões por ano para ampliar o benefício pago a deficientes e idosos muito pobres.

A derrubada do veto de Jair Bolsonaro a esse dispositivo é mais uma prova de que nenhuma aliança funciona no piloto automático. No primeiro ano de mandato, deputados e senadores firmaram uma parceria com a equipe econômica e driblaram a tentação de criar despesas exageradas para os cofres do governo.

O vento virou quando o presidente passou a guerrear de frente com o Legislativo. As convocações para o protesto do dia 15 e a intimidação aos parlamentares no debate sobre o controle do Orçamento, somadas às recentes caneladas do ministro Paulo Guedes, implodiram o acordo.

O recado do Congresso veio numa fórmula conhecida e irresponsável: a aprovação de uma medida com apelo social e grande impacto fiscal. Os parlamentares decidiram que o chamado BPC também deve atender a famílias que recebem até meio salário mínimo —não apenas àquelas que ganham menos de 25%.

A expansão da rede de proteção social é uma pauta legítima, mas congressistas costumam exercer autocontenção em momentos de aperto. Quando a penúria vem acompanhada de uma crise política, essa agenda se torna uma ferramenta de retaliação inconsequente, mas poderosa.

A derrota do governo pode desmantelar também o consórcio entre Guedes e Rodrigo Maia. Políticos e investidores apontavam o enlace como a salvação da agenda econômica diante da baderna produzida pelo presidente. Agora, o presidente da Câmara não quis ou não conseguiu frear o caminhão desgovernado.

Bolsonaro certamente posará de vítima e dirá que os parlamentares querem implodir as contas do país. O Congresso corre o risco de virar sócio do governo na crise econômica.

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